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População imune a vírus Zika após 1º surto é menor do que se imaginava, diz estudo

James Gathany/Centers for Disease Control and Prevention via AP
Imagem: James Gathany/Centers for Disease Control and Prevention via AP

01/02/2017 07h09

Um ano após ter sido considerado emergência global pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em meio a um surto no Nordeste brasileiro, o vírus Zika volta a ser uma preocupação para pesquisadores.

A doença causada pelo vírus, a zika, raramente leva à morte, mas, em mulheres grávidas, pode causar malformações no feto - e foi ligada ao nascimento de milhares de bebês com microcefalia desde o segundo semestre de 2015, principalmente na região Nordeste.

Novas descobertas sobre o comportamento do vírus, divulgadas na revista do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC), indicam que o Nordeste poderia ter um novo surto de grandes proporções ainda este ano.

"Havia uma percepção de que a maioria da população estaria imune ao vírus após o primeiro surto, mas agora isso caiu por terra. Devemos acender o alerta", disse à BBC Brasil Carlos Brito, membro do Comitê Técnico de Arboviroses do Ministério da Saúde.

Até agora, os pesquisadores consideravam que, ao entrar em contato com uma população ainda não exposta a ele, o vírus Zika tinha a capacidade de atacar cerca de 80% das pessoas - o que significaria, em teoria, que a maior parte da população estaria imunizada contra um segundo ataque.

A estimativa, feita pela OMS e utilizada pelo Ministério da Saúde, se baseava em um estudo sobre o surto de zika nas ilhas Yap, na Micronésia que, segundo Brito, não parecia correto.

"Aquele estudo tinha muitas lacunas de metodologia e de amostra. Com base na nossa observação cotidiana dos casos já percebíamos que aqueles dados não eram coerentes."

Uma revisão dos dados da epidemia na Polinésia Francesa feita por cientistas franceses e polinésios mostra que, na verdade, o vírus ataca cerca de 49% de uma população no primeiro contato.

"Esse resultado significa que metade da população entrou em contato com o vírus e a outra metade ainda está exposta. O medo agora é que em 2017 ou 2018 possamos ter um retorno da doença para esses 50% que ainda não foram atingidos", explica Brito.

"E ainda não temos evidências concretas de que as pessoas que já foram infectadas ficam realmente imunes. É o que geralmente acontece com as arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos), mas ainda não há certeza no caso do Zika."

Sem sintomas?

Outra estimativa inicial da OMS, também baseada nas estatísticas da Micronésia e agora questionada pelos novos dados, é a de que 80% das pessoas que contraem a doença não apresentam sintomas.

"Neste novo estudo sobre a Polinésia, eles já dizem que só 56% das pessoas que tiveram a doença não apresentavam sintomas. Ainda não temos um novo percentual definitivo, eu vejo um percentual até menor na clínica, mas já sabemos que é bem menos que 80%", afirma Brito.

"Nós analisamos 87 gestantes que tiveram Zika e 70% delas tinham sintomas, especialmente o rash (vermelhidão e coceira no corpo). No surto aqui, as emergências ficavam lotadas com pacientes com o mesmo sintoma."

Se o Nordeste, que já foi atingido fortemente pelo vírus, não está imune, outros Estados brasileiros têm ainda mais razões para se preocupar, segundo o pesquisador.

"Nem sempre se tem um surto grande em todo o país quando um vírus entra. Os surtos ocorrem com intensidades diferentes em locais diferentes. A dengue está no Brasil há 30 anos e só agora consideramos que São Paulo teve um surto expressivo, por exemplo", diz.

O Brasil ainda não tem, segundo ele, estimativas da soroprevalência do vírus em cada Estado. Por isso, ainda não é possível saber quantas pessoas foram infectadas no primeiro surto em cada local.

"É um grande erro achar que o Zika e a microcefalia foram um problema só de Pernambuco. Ou só do Nordeste."

'Para ficar'

No segundo semestre de 2015, quando médicos registraram um aumento incomum no número de bebês nascendo com microcefalia em Pernambuco, Carlos Brito foi o primeiro especialista a levantar uma possível conexão entre as malformações e o vírus Zika.

Começavam a aparecer as consequências mais graves do surto da doença, que tinha atingido pela primeira vez o Estado, e que teve um pico entre março e abril daquele ano.

Com o aumento de casos de microcefalia - uma malformação no cérebro - e de outras complicações causadas pelo Zika, que também chegava a outros países das Américas, a OMS declarou, em 1º de fevereiro de 2016, que o vírus era uma "emergência global".

Nos meses seguintes, o vírus chegou a 75 países e passou a circular em todos os Estados brasileiros.

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil teve 214 mil casos prováveis de Zika desde fevereiro de 2016, quando a notificação dos casos tornou-se obrigatória, até 17 de dezembro. Cerca de 11 mil infecções em gestantes foram comprovadas.

Em novembro do ano passado, o status emergencial foi retirado pela OMS, mas em entrevista coletiva, o diretor-executivo do Programa de Emergências de Saúde do órgão, Pete Salama, disse que o vírus "veio para ficar".

No Nordeste, especialmente em Pernambuco, o surto de Zika foi seguido pelo forte ataque do vírus da febre chikungunya, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.

Os vírus da dengue, da chikungunya e da zika competem entre si dentro do mosquito, de acordo com Carlos Brito. Isso explica por que os surtos não ocorrem ao mesmo tempo e também indica que um retorno do Zika pode estar próximo.

"Os Estados do Nordeste que tiveram agora surtos de chikungunya tendem a ser atacados por outro arbovírus em seguida. Geralmente é assim que ocorre. E o número de casos de dengue aqui tem sido baixo, porque o vírus já circula há 30 anos. Por isso, o Zika é novamente o principal candidato."

"Imaginamos que, com os três vírus circulando, uma nova epidemia de Zika não seria tão grande quanto em 2015, mas ainda não podemos afastar essa possibilidade. A população não está protegida dos casos de microcefalia e de complicações neurológicas", afirma.

Sudeste

Pelo mesmo motivo, a região Sudeste, especialmente São Paulo, também pode estar mais vulnerável aos vírus da zika e da chikungunya, diz ele.

"Baixamos um pouco a guarda na vigilância e o mosquito está disseminado. Tanto é que batemos recordes de casos de dengue em 2015 e em 2016. Em São Paulo tivemos o primeiro surto expressivo de dengue em 30 anos. Este ano, zika ou chikungunya são candidatos fortes."

De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil teve quase 1,5 milhão de casos de dengue de janeiro a 24 de dezembro de 2016 - o surto foi maior na região Sudeste.

No início de janeiro, o Ministério da Saúde afirmou ter repassado R$ 178 milhões a Estados e municípios para ações de vigilância e combate ao Aedes aegypti.

A pasta também anunciou que será obrigatório para todos os municípios de mais de 2 mil habitantes realizar o Levantamento Rápido do Índice de Infestação para Aedes aegypti (LIRAa), que identifica os locais onde há focos do mosquito. Até então, os municípios podiam escolher se aderiam ou não ao levantamento.