Coronavírus: por que alguns países estão obrigando cidadãos a usar máscara - e o que se sabe sobre a eficácia delas?
Especialistas e autoridades concordam que o distanciamento social e a higiene são os fatores mais importantes para conter a disseminação do vírus; no entanto, alguns vêm argumentando que o uso de máscaras também deveria ser encorajando como forma de conter a disseminação da doença. Mas há argumentos científicos para isso?
É consenso entre especialistas em saúde pública que o distanciamento social e a higiene são fatores essenciais para conter a disseminação do coronavírus.
Já o uso de máscaras faciais vem gerando discussões nas últimas semanas, e um grupo ainda minoritário, mas crescente, de vozes vem defendendo que elas sejam adotadas por todos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que devem usar máscara pessoas com sintomas da doença ou que estejam cuidando de doentes da covid-19.
Um dos motivos para a recomendação é evitar que pessoas que não precisam acabem deixando sem máscaras aquelas que de fato têm necessidade de tê-las, principalmente profissionais de saúde. No Brasil, profissionais de saúde vêm denunciando a falta de equipamento de proteção nas unidades médicas.
Nesta quinta-feira (02/04), o jornal O Globo noticiou que o estoque de equipamentos de proteção individual (como máscaras ou roupas especiais) do Ministério da Saúde já está zerado.
No entanto, alguns especialistas vêm argumentando que o uso de máscaras pelo público em geral também deveria ser estimulado como forma de conter a disseminação da doença, mesmo que não sejam máscaras cirúrgicas - o objeto, segundo eles, poderia até ser feito em casa.
"A população deveria, sim, estar usando máscaras. Ao mesmo tempo, (a população) não pode usar máscaras que deveriam estar sendo direcionadas para profissionais de saúde e outros que estão na linha de frente - as máscaras N95 e as cirúrgicas. Há falta delas agora e seguirá havendo. Por isso, recomendo o uso de máscaras caseiras", diz Joseph Allen, professor do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard e diretor do Programa de Edifícios Saudáveis da Escola de Saúde Pública Chan da universidade.
Reduzir transmissão
Esses especialistas ressaltam que higiene e distanciamento social são tão ou mais importantes, mas dizem que as máscaras são úteis principalmente para evitar que pessoas que têm o vírus o transmitam, e menos para proteger quem as usa.
A adoção de máscaras não tem a ver apenas com orientações de governo, mas também com a cultura de cada país. Em algumas partes da Ásia, o uso da máscara tem sido o padrão, por exemplo, na China continental, Hong Kong, Japão, Tailândia e Taiwan.
Agora, alguns países europeus, onde o uso de máscaras não é tão comum, começam a adotá-las. Em 19 de março, a República Tcheca tornou obrigatório o uso de cobertura para o nariz e a boca em espaços públicos.
O governo austríaco anunciou nesta segunda-feira que vai tornar obrigatório o uso de máscaras em supermercados. Autoridades de saúde dos Estados Unidos estão discutindo recomendar coberturas faciais para todos quando saírem em público.
O tema também deve ser avaliado por um painel de consultores da OMS, de modo que a recomendação oficial pode mudar.
No Brasil, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que a adoção pela população toda é recomendável, mas esbarra na baixa oferta.
Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, resume assim a questão: "se fosse possível recomendar a todos que usem máscaras, eu faria isso, afinal, não deixa de ser uma barreira física contra a contaminação dos outros - é menos eficaz para a proteção de quem usa. No entanto, não há hoje produção de máscaras para toda a população, e é mais importante que profissionais de saúde tenham acesso. O que é preciso lembrar é que manter a distância das pessoas e lavar as mãos corretamente são medidas muito mais importantes para prevenir o contágio do que o uso de máscaras", diz o médico à BBC News Brasil.
"Se for possível uma concessão de um número maior para uma determinada região, ótimo", diz Spilki. Sobre as máscaras caseiras, o virologista diz que podem ser mais um reforço na proteção.
A orientação do Ministério da Saúde também está mudando. Inicialmente, a pasta seguia a recomendação da OMS. Na terça-feira, o ministro Luiz Henrique Mandetta disse que seria elaborado um protocolo para produção de máscaras.
O ministro reforçou que máscaras cirúrgicas e N95, produzidas pelas indústrias, devem ficar para profissionais de saúde. "Quem fez estocagem domiciliar (...) é na unidade de saúde que tem que ter", disse ele, e reforçou que o distanciamento social e a higiene são a melhor forma de conter a disseminação.
"Agora, o que cada um pode fazer para ajudar a baixar ao máximo a transmissão é diminuir bem a movimentação social."
Quais países estão usando máscara e por quê?
Em países asiáticos como China e Coreia do Sul, as pessoas foram encorajadas a usar máscaras e houve ampla distribuição delas.
O governo austríaco anunciou na segunda-feira que vai tornar disponíveis máscaras cirúrgicas na entrada de supermercados e que o uso delas é obrigatório.
Ao anunciar que o governo daria máscaras a pessoas em supermercados, o premiê austríaco, Sebastian Kurz, disse que haverá uma "tempestade" no país nas próximas semanas, se referindo ao número de casos da doença, acrescentando que o objetivo a médio prazo é que as pessoas usem as máscaras em público de maneira mais geral.
Até o dia 30 de março, a Áustria tinha tinha 8.813 casos confirmados e 86 mortes, segundo a OMS.
Embora as máscaras não protejam o usuário contra infecções, elas impedirão a transmissão por meios de espirros ou tosse, disse o premiê, segundo a agência de notícias Reuters. Kurz disse também que a adoção deve ser ampliada no futuro.
"Seria um erro achar que essas máscaras protegem quem usa - definitivamente não é o caso. Mas o que pode ser garantido por isso é que não haja risco de transmissão no ar. Ao usar a máscara, você pode proteger outras pessoas'', disse Kurz, segundo a imprensa internacional.
A República Tcheca passou a tornar obrigatório o uso de algum tipo de proteção facial para qualquer pessoa que saia em público. Como as máscaras cirúrgicas estão em falta, o governo incentiva a produção caseira.
As autoridades dizem que a adoção de máscaras está fazendo diferença crucial na capacidade do país de controlar a disseminação do vírus. Até 30 de março a República Tcheca tinha 2829 casos confirmados e 16 mortes.
A BBC News Brasil tentou entrevistar representantes de ambos países para entender qual era o embasamento científico para essas iniciativas, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
A adoção de máscaras também está sendo avaliada pelos Centros para Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Quais são os argumentos?
Segundo especialistas ouvidos pela BBC, não há uma grande quantidade de evidência científica de qualidade sobre o impacto positivo da adoção de máscaras pela população em geral, fora de ambientes clínicos - há, sim, estudos que mostram que elas ajudam a evitar o contágio de profissionais de saúde em hospitais.
Em entrevista à revista especializada Science, George Gao, diretor-geral do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, disse, no entanto, que países estão cometendo um erro ao não adotarem o uso massivo de máscaras.
"O grande erro nos EUA e na Europa, na minha opinião, é que as pessoas não estão usando máscaras. Este vírus é transmitido por gotículas e contato próximo. Essas gotículas desempenham um papel muito importante - você precisa usar uma máscara, porque quando você fala, sempre há gotas saindo da sua boca", disse ele.
Gao afirmou que há muitas pessoas que carregam o vírus, mas não demonstram sintomas. Se elas usarem máscaras, diz Gao, "isso pode impedir que gotículas que transportam o vírus escapem e infectem outras pessoas."
O professor saúde pública e atenção primária KK Cheng, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, é um dos defensores da adoção de máscaras pela população - qualquer máscara, mesmo as caseiras.
Antes de falar sobre o assunto, ele lembra: "manter distância das pessoas e lavar as mãos são medidas cruciais neste momento. Usar uma máscara não quer dizer que você pode sair por aí com ela, ir ao bar. Não. Fique em casa, proteja hospitais, salve vidas", disse.
Cheng prossegue e diz que a forma de pensar sobre o uso das máscaras é errada. "A questão é que as pessoas usam máscaras para proteger a si mesmas, quando na verdade elas funcionam muito melhor como uma forma de controlar a fonte da infecção (evitar contaminar outras pessoas). As infecções estão acontecendo principalmente por gotículas e por pessoas tocando áreas onde o vírus está e depois levando a mão ao rosto. As máscaras diminuem a quantidade de gotículas que saem das suas vias respiratórias. São barreiras físicas", diz ele.
"O negócio é o seguinte: se eu estou de máscara, estou protegendo você. Se você está de máscara, está me protegendo. Então, estaríamos todos protegidos. É como na direção: se eu dirigir com cuidado, protejo não só a mim, mas aos outros motoristas também".
Essa também é a mensagem principal de uma campanha digital iniciada na República Tcheca, intitulada #Masks4All (máscara para todos).
Na opinião de Cheng, a questão do controle da fonte de contágio é essencial porque muitas pessoas que estão com o vírus não manifestam sintomas.
"É difícil saber qual a proporção, mas não é desprezível. Você sabe que, se não fizermos nada, cada pessoa contamina em média de 2 a 3 outras. Se você diminuir pelo menos um pouco disso o tamanho da epidemia será muito menor. A máscara é perfeita? Não, não é. Mas ajuda", diz ele.
Perguntado sobre o que a ciência pode dizer sobre a eficácia da adoção de máscaras, Cheng diz que não há uma visão consensual e conclusiva.
"Estudos clínicos disso são difíceis de fazer. Especificamente do novo coronavírus não há estudos, pois ele é muito recente. Mas o fato de não haver provas de que é eficiente não significa que não seja eficiente. E há, sim, evidências mecânicas de que a máscara pode barrar gotículas", diz ele.
Cheng diz que de fato a questão da falta de oferta de máscaras para profissionais de saúde é um problema grave e isso deve ser levado em conta. Ele diz que máscaras caseiras podem ser um bom substituto. "Qualquer coisa pode ser uma barreira física", diz ele.
O professor Joseph Allen, da Universidade de Harvard, também defende as máscaras caseiras pelo mesmo motivo.
Há alguns motivos para adotar as máscaras caseiras. Em primeiro lugar, para ajudar a prevenir a disseminação do vírus por gotículas que saem quando tossimos e espirramos - se uma pessoa com o vírus, sintomática ou não, usar a máscara, isso é bom para quem está no entorno e também para evitar que superfícies sejam contaminadas".
Ele diz que as máscaras caseiras são menos eficazes do que a cirúrgica ou a N95, mas mesmo para quem está usando a máscara, podem ter alguns benefícios.
"Há estudos que mostram que camisetas de 100% algodão que viram máscaras têm eficácia de 50% a 70%, então podem não ser tão úteis, mas são melhores do que nada", diz ele.
"A máscara é mais uma medida que podemos tomar. Todas elas são importantes neste contexto de pandemia. Temos que minimizar riscos. Em primeiro lugar, fique em casa. Evite contato próximo. Se você precisar sair de casa, a máscara é mais uma linha de defesa. Quero deixar claro que não substitui outras medidas, como lavar as mãos. Não é para parar o distanciamento social. É apenas mais uma medida diante do que estamos enfrentando. Temos que adotar todas as precauções possíveis", diz ele.
Outro motivo, continua, é comportamental: quando estamos de máscaras, opina, nos lembramos de que não devemos tocar no rosto. "É uma barreira física, mas também um lembrete", afirma ele.
Além disso, é uma mensagem para os outros. "Mostra que você está consciente do que está acontecendo, que está preocupado em protegê-los, então, se todos usarmos, pode ser uma forma de enfatizar todas as outras precauções que estamos tomando."
Por que a OMS e muitos especialistas não recomendam o uso da máscara?
Desde o início do surto de coronavírus, a orientação da OMS para os países tem sido a mesma: devem usar máscaras aqueles que estão doentes e apresentam sintomas e aqueles que cuidam de pessoas com suspeita de ter o coronavírus. Mesmo assim, o uso deve ser acompanhado de distanciamento social e higiene.
A organização dá uma série de justificativas para isso. A máscara não é vista como uma proteção confiável. Ela pode proteger o usuário, mas apenas em determinadas situações, como quando você está próximo de alguém infectado e essa pessoa pode espirrar ou tossir perto do seu rosto.
Além disso, é preciso remover e descartar corretamente para que não haja risco de contaminação. A máscara pode também gerar uma falsa sensação de segurança no usuário.
Outro motivo importante é que não há produção de máscaras o bastante para todo o mundo, e trabalhadores da saúde devem ter prioridade.
Então, o que devemos fazer agora?
O ministro da Saúde do Brasil, Luiz Henrique Mandetta, disse que a pasta elaboraria um manual para a produção de máscaras caseiras. Ele reforçou que as máscaras cirúrgicas e a N95, a que protege melhor, sejam utilizadas apenas por trabalhadores da área de saúde.
"Acho que máscaras de pano para comunitários funcionam muito bem como barreira. Não é caro de fazer, tem na internet. Lave com hipoclorito [de sódio], água sanitária, cândida, ou o nome que você conhece. Lave, seque, tenha quatro ou cinco, para uso pessoal, sua, de mais ninguém, você mesmo lava quando chegar em casa", afirmou.
O ministro lembrou que há um problema de abastecimento de equipamentos de proteção para equipes médicas, por isso a população deve fazer suas próprias máscaras.
"Agora é lutar com armas que a gente tem. Não adianta a gente ficar lamentando. A gente vai ter que criar nossas armas. E as nossas armas vão ser como nós tivermos", disse ele. Até a publicação deste texto o manual não havia sido divulgado.
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