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'De 3 sepulturas por dia, passei a cavar 15': a dura realidade de coveiro boliviano na pandemia

José Luis tem dois filhos e seu maior medo é que eles se infectem com coronavírus por causa de seu trabalho - Juan Carlos Torrejón
José Luis tem dois filhos e seu maior medo é que eles se infectem com coronavírus por causa de seu trabalho Imagem: Juan Carlos Torrejón

Boris Miranda (@ivanbor)

Da BBC News Mundo

23/07/2020 08h11

José Luis tem de lidar com a morte todos os dias.

Ele é coveiro na Bolívia, e está com as costas doloridas por causa da quantidade de trabalho pelas mortes por coronavírus.

Ele mora em Santa Cruz de la Sierra, cidade que é o motor econômico do país e que, de longe, é a mais afetada pela pandemia.

Ele tem dois filhos e seu maior temor é que um deles seja infectado.

Esta é a história que compartilhou com a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Tenho dois filhos e sou casado. Tenho 28 anos. Moro no bairro de La Cuchilla, perto do cemitério (um dos cemitérios de Santa Cruz).

Minha esposa e meus filhos ficam com minha sogra, que está mais distante do cemitério. Eles quase não têm contato comigo. Eles não estão por perto, mas continuo enviando dinheiro a eles.

Quando essa pandemia começou e chegou à Bolívia, parecia inacreditável para nós. Sou funcionário do cemitério e tomei todas as recomendações que o governo nos deu para nos manter em quarentena.

José Luis passou de cavar dois ou três túmulos para 15 ou 16 - Juan Carlos Torrejón - Juan Carlos Torrejón
José Luis passou de cavar dois ou três túmulos para 15 ou 16
Imagem: Juan Carlos Torrejón

No entanto, o dinheiro quase não era mais suficiente, e meus colegas do cemitério me ligaram porque precisavam de pessoal; foi ali que percebi que o vírus era muito mortal.

Foi quando comecei a ver a tristeza dos parentes que perdiam familiares. Era cheio de dor. Aí sim mudou minha vida. Mas era o que eu tinha que fazer para levar o pão para minha família.

Fomos muito afetados por esta pandemia que chegou aqui. Estamos enfrentando o surto mais forte aqui.

Trabalhando no cemitério, antes da quarentena, chegavam um, dois, três, quatro corpos no máximo, para serem enterrados (a cada dia). Quando a pandemia chegou, esse número dobrou ou triplicou. Passei a cavar entre três e 15 sepulturas por dia.

Minha fonte econômica era lidar com os falecidos. A gente se revezava. Agora, depois que o vírus chegou, praticamente tudo mudou. Tenho muito mais trabalho, e tive que trazer meus amigos para ajudar. Poucas pessoas querem correr esse risco.

Eu tenho vários amigos que não têm nem um tostão para levar o pão para casa, então eles preferem correr riscos. Eles ousam por isso.

Quando você vê o vírus na sua cara, tudo muda. Ver a pessoa que estamos enterrando e membros da família que podem estar infectados nos assusta. Mas, devido à necessidade que temos, eu e meus amigos, corremos esse risco. É o risco que podemos assumir. Temos que levar dinheiro para nossa casa. A necessidade nos obriga.

Os amigos de José Luis ligaram para ele porque já não podiam mais cavar túmulos sozinhos - Juan Carlos Torrejón - Juan Carlos Torrejón
Os amigos de José Luis ligaram para ele porque já não podiam mais cavar túmulos sozinhos
Imagem: Juan Carlos Torrejón

Eu quero que isso passe logo. Que aparece uma solução rápida, com tantos profissionais no mundo. Espero ver o remédio necessário aparecer para enfrentar esse vírus que está atingindo Santa Cruz com força. Aqui explodiu muito. Os mortos são muitos.

Eu, que estou trabalhando aqui, vejo a dor que os membros da família sentem quando enterram uma pessoa. Eu vejo a dor que eles sentem quando enterram várias pessoas. O pranto. Então, tomo todas as precauções para não sofrer.

Eu vi a dor, o sofrimento de tantas pessoas.

Vi que muitas pessoas não tinham muitos recursos.

Nos primeiros dias, foi difícil. O corpo vai se acostumando, mas, nos primeiros dias, era um trabalho sufocante... mas, com o trabalho constante, nos acostumamos.

Muitos companheiros já não querem mais cavar covas porque não têm mais energia.

Pelos meus filhos, darei tudo. Tudo, tudo. Espero que tenham tudo o que nunca tive... como um pai que esteja a seu lado. Que sempre esteja lá para eles.

Não quero tropeçar, não posso. Por isso quero que essa pandemia acabe.