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Imunoterapia contra câncer avança, mas preço limita acesso a tratamento

A imunoterapia já é uma realidade no tratamento do câncer, mas o alto valor das drogas é um empecilho tanto para pacientes quanto para o Sistema Único de Saúde - AFP
A imunoterapia já é uma realidade no tratamento do câncer, mas o alto valor das drogas é um empecilho tanto para pacientes quanto para o Sistema Único de Saúde Imagem: AFP

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

15/12/2018 04h01


O Prêmio Nobel de Medicina deste ano foi dedicado aos responsáveis por um avanço nos tratamentos de combate ao câncer: a imunoterapia, que estimula o sistema imunológico a combater as células cancerígenas.

O prêmio foi entregue a dois imunologistas de carreira, o norte-americano James P. Allison e o japonês Tasuku Honjo, por seus trabalhos referentes à capacidade do organismo de se defender de cânceres agressivos, como o de pulmão e o melanoma, uma das variedades do câncer de pele. No Brasil, o tratamento vem avançando, mas esbarra nos altos preços dos medicamentos.

Um tratamento completo para uma pessoa com 70 quilos, por exemplo (as doses são ministradas de acordo com o peso), custa cerca de R$ 400 mil (quatro aplicações de R$ 97 mil), disse ao UOL o oncologista Oren Smaletz, do hospital Albert Einstein.

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Smaletz afirmou que já existem imunoterápicos disponíveis no país há algum tempo, sendo o Ipilimumab (comercialmente conhecido como Yervoy), utilizado contra o melanoma, o precursor. Outros estudiosos da imunoterapia disseram à reportagem que os valores elevados estão relacionados ao fato de as drogas serem importadas.

"Um dos motivos para que esse tratamento seja tão caro é que as drogas são novas, elas já vêm com valor mais alto. Elas foram previamente aprovadas nos Estados Unidos, onde não há regulação de preço, quem estipula é o mercado. No Brasil, temos a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), vinculada à Anvisa, que regula os valores.", explica Smaletz.

O que é a imunoterapia?

Diferentemente dos tratamentos mais recorrentes de câncer, que atacam as células tumorais, a imunoterapia estimula o corpo a produzir anticorpos e combater as células cancerígenas. O tratamento não é novo e já era utilizado havia algum tempo. A questão é que o avanço das pesquisas propiciou uma imunoterapia mais inteligente e eficaz, além de terem sido identificados checkpoints --ponto crucial da pesquisa que resultou no Prêmio Nobel de Honjo e Allison.

Essas barreiras estão diretamente ligadas às doenças autoimunes --condições em que o corpo ataca, por meio do sistema imunológico, tecidos saudáveis do organismo. Os checkpoints são mecanismos criados pelo nosso organismo para impedir esse tipo de "engano" do nosso corpo. Honjo e Allison descobriram em sua pesquisa os checkpoints específicos que as drogas podem atacar, permitindo que o sistema imunológico aja sem o empecilho das barreiras do nosso organismo.

"Agora, a imunoterapia pode ser mais direcionada, atacando alvos específicos. A ideia é desbloquear essas barreiras para que o nosso sistema imunológico fique mais poderoso e consiga atacar as células cancerígenas", diz ao UOL o físico e pesquisador da Recepta Bio José Fernando Perez. 

Perez tenta reduzir os custos dos tratamentos imunoterápicos por meio de novas patentes elaboradas e registradas no Brasil. As drogas ainda estão em fase de estudo, com pacientes recebendo acompanhamento clínico a cada duas semanas e testes laborais e de imagens a cada 12 semanas.

Mesmo sem um panorama profundo sobre a real efetividade, principalmente por conta do curto tempo de desenvolvimento dessas drogas, pesquisas mostraram que a sobrevida dos pacientes tratados com imunoterapia aumentou de forma vertiginosa.

A revista The Economist publicou em setembro do ano passado uma pesquisa revelando que a imunoterapia pode dobrar a sobrevida dos pacientes com melanoma metastático (estágio avançado do câncer de pele). Segundo o estudo, as pessoas que recebem o diagnóstico desse tipo de câncer e o tratam com métodos convencionais --quimioterapia, por exemplo-- têm um máximo de cinco anos de sobrevida. Com a imunoterapia, 20% dos pacientes conseguiram dobrar essa expectativa. Já com a hipotética combinação dos métodos, 50% dos pacientes poderiam ter mais de dez anos de sobrevida.

"A curva de sobrevida da quimioterapia era tão brutal que, em menos de cinco anos, todos os pacientes morriam. Cada mês que passa, vemos que o tratamento imunoterápico é mais eficaz, tanto no melanoma quanto nos cânceres de pulmão, renal, colo de útero, entre outros. A ideia é que, nos próximos quatro ou cinco anos, 50% dos medicamentos contra o câncer sejam imunoterápicos", explica Perez.

Imunoterapia no SUS

Até o fim de setembro, o tratamento de imunoterapia era oferecido exclusivamente por instituições privadas. O Hospital de Amor de Barretos, a 425 quilômetros de São Paulo, no entanto, se tornou o primeiro do SUS a oferecer a modalidade, com uma parceria com a farmacêutica MSD, que produz os medicamentos.

Segundo o oncologista Pedro de Marchi, médico do Hospital de Amor, a possibilidade do tratamento só foi possível por conta de uma cooperação entre a empresa, a direção do hospital e o governo do estado de São Paulo, que financia parte da imunoterapia. "Este tratamento custaria em torno de R$ 30 mil a cada três semanas, quando são ministradas as doses, mas conseguimos descontos com a empresa", diz de Marchi ao UOL.

Neste momento cerca de 24 pacientes --todos com câncer de pulmão em estágio avançado ou melanoma-- usufruem da imunoterapia em Barretos. "Teremos resultados sobre os avanços nos pacientes em breve", conta o médico.

De Marchi, no entanto, se mostrou apreensivo com a eleição do governador João Doria (PSDB), já que seu vice, o ex-deputado Rodrigo Garcia (DEM), colocou em xeque o tratamento. "Não sabemos qual será o futuro dessa parceria, se vamos continuar tendo esse tratamento ano que vem. O vice-governador já mostrou muito desconhecimento sobre o assunto afirmando que 'não existe evidência' em relação à eficácia da imunoterapia. Se o governo pular fora, não sabemos se vamos conseguir manter."

Contatado pelo UOL, o Ministério da Saúde informou que os hospitais do SUS podem ofertar a imunoterapia, de forma gratuita ou não, mas que ainda não há uma incorporação formal do tratamento na saúde pública. "Podemos afirmar que a imunoterapia não é um procedimento específico ofertado pelo SUS, mas, assim como a quimioterapia, pode utilizar medicamentos/insumos/substâncias de caráter imunoterápicos", disse o ministério em nota.

Planos de saúde

Já em relação aos planos de saúde privados, a Agência Nacional de Saúde Suplementar informou que alguns tratamentos que utilizam imunoterapia constam no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Sobre o câncer, a ANS informou que consta em seu rol a "Quimioterapia Sistêmica, que contempla medicamentos utilizados para o tratamento do câncer, inclusive alguns imunobiológicos".

"Cabe destacar que a atualização do rol é um avanço para os beneficiários de planos de saúde, pois as tecnologias para tratamentos de doenças evoluem e é preciso que a cobertura dos planos acompanhe essa evolução tecnológica --desde que se comprove segura e efetiva", afirmou a agência em nota ao UOL.

Os planos, no entanto, se utilizam de alguns subterfúgios para não cobrir procedimentos de tratamento de câncer por meio da imunoterapia. Um artigo da advogada Tatiana Harumi Kota, publicado no site especializado em questões jurídicas Migalhas, explica que os principais motivos de recusa por parte dos planos são os remédios "off label (fora da bula), importado, experimental (sem registro da ANVISA) ou não incluído no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)".

No caso da imunoterapia, parte das drogas é importada, mas, segundo Kota, a não cobertura por parte dos planos é abusiva. "Os fármacos considerados importados têm o respaldo da área médica e, normalmente, são registrados no FDA [U.S. Food and Drug Administration], portanto, a alegação de exclusão também não procede e o plano de saúde não pode recusar indiscriminadamente", escreve a advogada. 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também já se manifestaram sobre o assunto, indicando que os planos têm de cobrir os custos dos pacientes com tratamentos imunoterápicos associados à quimioterapia. O TJ editou três sumulas neste sentido, sendo a mais contundente delas a 102, de 2013: "Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".