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Bolsa de colostomia como a de Bolsonaro restringe esforços físicos?

Jogadores do Palmeiras comemoram o titulo do Campeonato Brasileiro com o presidente eleito Jair Bolsonaro - Eduardo Carmim/Photo Premium/Folhapress
Jogadores do Palmeiras comemoram o titulo do Campeonato Brasileiro com o presidente eleito Jair Bolsonaro Imagem: Eduardo Carmim/Photo Premium/Folhapress

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

29/12/2018 04h00

No dia 2 de dezembro de 2018, o Palmeiras se sagrou campeão brasileiro pela décima vez. O centro das atenções, no entanto, não foi nenhum dos jogadores envolvidos no título, mas Jair Bolsonaro.

Palmeirense assumido, o presidente eleito estampou a capa dos principais jornais do país ao levantar a taça em meio aos atletas no campo do Allianz Park.

Para além do espectro político, a situação chamou a atenção porque Bolsonaro usa uma bolsa coletora de colostomia desde o dia 6 de setembro, quando foi atacado com uma faca em Juiz de Fora (MG).

O tamanho da taça, com 60 cm e cerca de 15 kg, gerou dúvidas a respeito do tipo de esforço que seria prudente Bolsonaro fazer nessa fase de recuperação.

Ele também publicou fotos nas redes sociais praticando tiros e fazendo flexões no chão.

Antes da próxima cirurgia, ele vai viajar para a Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos.

Ele ainda não completou a operação de reconstituição do trânsito intestinal e retirada da bolsa, marcada para o dia 28 de janeiro com a equipe médica do hospital Albert Einstein, em São Paulo.

"Não é que ele não possa fazer nada, mas tem suas restrições", afirma o médico cirurgião André Seabra, professor da Unit (Universidade Tiradentes). "Pacientes que sofrem laparotomia [abertura do abdômen], que no caso dele foi ampla, têm de repousar. Não é recomendável que se faça esforço físico."

Seabra, experiente na cirurgia de urgência pela qual Bolsonaro foi submetido em setembro, detalha uma série de limitações para os pacientes após o procedimento.

"Dirigir só depois de 30 dias, pelo menos. Esse tempo de repouso também serve para qualquer esforço, como ficar levantando muito, subindo escadas etc.", afirma.

"Já atividades que envolvem um esforço maior, como levantar peso, não devem ser feitas por um período de 60 dias", diz o cirurgião. "Mas é importante lembrar que cada caso reage de um jeito."

Quando levantou a taça, o presidente eleito estava a 88 dias da primeira intervenção cirúrgica, uma ostomia.

Esse tipo de intervenção cirúrgica cria uma comunicação entre o órgão interno e o exterior, com finalidade de eliminar os dejetos do organismo obstruído. Quando foi atacado, Bolsonaro havia sofrido três perfurações no intestino delgado e uma no intestino grosso.

"Se a taça [do Campeonato Brasileiro] é pesada como dizem, no mínimo ele tomou um analgésico antes de dormir, porque deveria estar com a barriga doendo", afirma Seabra.

"Isso [fazer esforços] não vai criar problema algum na futura cirurgia. O máximo que pode acontecer é ele sentir mais dor", diz o cirurgião.

Flexões - Divulgação - Divulgação
Bolsonaro se abaixa para fazer flexões em visita a centro da PF em Brasília em 12 de dezembro
Imagem: Divulgação

Durante a cerimônia de posse, nenhum procedimento justificou a alteração de planos por sua condição de saúde. Por outro lado, a Esplanada deverá realizar um inédito esquema de segurança para garantir que o futuro presidente não sofra outro atentado. 

Ela vive com a bolsa coletora há 19 anos

"A pessoa ostomizada tem limitações, é importante entender isso. Quando vi as coisas que ele estava fazendo, não acreditei, mas sabemos que cada caso é um caso", afirma Luiza Helena Ferreira Silveira, presidente da Associação Paranaense dos Ostomizados (APO).

Ele foi submetido à primeira cirurgia em 6 de setembro, mesmo dia do ataque, na qual o delgado foi suturado e a colostomia foi aplicada. Com o sistema digestivo afetado, a pessoa ostomizada tem de usar a bolsa coletora, para onde as fezes são encaminhadas.

Aos 63 anos, Luiza Helena Silveira usa a bolsa coletora desde 1999, quando foi operada para a retirada de um câncer de reto. "Como a doença atacou muito embaixo, não há reversão. Vou usá-la para sempre", conta.

A presidente da associação diz que pessoas ostomizadas levam uma vida comum --com algumas limitações. "São coisas simples. As pessoas muitas vezes nem se dão conta. Eu, por exemplo, até hoje só posso caminhar, não posso mais correr", diz Silveira. "Procuro evitar esforços físicos grandes."

Também diz ser comum o surgimento de hérnias próximas ao local da cirurgia, em especial se a pessoa faz mais esforço do que deveria. "Cria-se com isso certas dificuldades até em atividades corriqueiras, como passar na roleta do ônibus", conta Silveira.

A parananense, no entanto, apresenta um caso bem diferente do presidente eleito, dado tempo da operação.

Cuidados pós-operatórios

"[O repouso] não tem a ver só com a bolsa, tem também muito a ver com incisão. O paciente é suturado, é preciso que se tome também uma série de cuidados para que o corpo se acostume ao pós-operatório", afirma Seabra.

O cirurgião afirma, por outro lado, mais esforço do que se deve é algo comum. "Recebo muitos pacientes que chegam com dores porque fizeram exercício. Ou uma mãe que pegou o filho, de 10 kg ou 12 kg, no colo", explica o médico.

As reações do corpo dependem de cada paciente. "Há agravantes, claro, se for uma pessoa obesa ou com mais idade. Mas as pessoas vivem normalmente", diz Silveira.

A presidente da associação relata o caso de um integrante do grupo na faixa dos 40 anos que pratica triatletismo. "Ele já era triatleta quando sofreu do mesmo câncer que eu e teve de fazer a operação. Teve seu período de repouso, entre dez meses e um ano, mas hoje pratica normalmente. Até falou que pensa em tentar o Iron Man, mas achou exagerado."

Preconceito e desinformação

Desde 2004, a legislação brasileira prevê, a partir do decreto nº 5.296, que pessoas ostomizadas são consideradas deficientes físicos. A elas são garantidas direitos fundamentais como atendimento prioritário e benefícios assistenciais. 

Mas, para Silveira, "ainda há muita desinformação". "Você entra na fila especial e muitas pessoas ficam te olhando. As pessoas ainda têm muito preconceito porque não sabem como é."

Ela diz que a associação faz em 16 de novembro um ato em Curitiba para divulgar o assunto e que, neste ano, a reação das pessoas foi um pouco diferente. "Foi bem atípico, muitas pessoas que passavam pelo ato vinham perguntar se era a situação do Bolsonaro", lembra Silveira. "Acho que trouxe atenção para nossa condição."