Após dez anos, Justiça multa hospital que fez laqueadura em mulher grávida
Quando decidiu que não queria engravidar, a então dona de casa Michele Maria da Silva procurou seu convênio médico para realizar uma laqueadura, uma ligação ou corte das trompas que resulta na esterilização definitiva da mulher. Quando chegou à mesa de cirurgia, no entanto, Michele já estava grávida.
Ao descobrir a gravidez de três meses, um mês depois da cirurgia, a paciente tomou um susto. Mas o pior viria durante a gestação, considerada de risco em razão do procedimento. "Eu passei 20 dias internada, quatro deles na UTI [Unidade de Terapia Intensiva]", contou Michele ao UOL, que processou o hospital e o médico.
Dez anos depois, o resultado saiu no começo deste mês: por unanimidade, dois desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo condenaram o médico e a unidade do Jabaquara do hospital Rede D'Or São Luiz, na zona sul de São Paulo, a dividirem o pagamento de uma multa de R$ 10 mil por danos morais. Cabe recurso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Como foi o erro médico
O então Hospital Nossa Senhora de Lourdes era conveniado ao plano médico dos Correios, onde o então marido de Michele trabalhava. Ela já tinha feito todos os exames e estava pronta para a cirurgia, "mas o médico teve um problema pessoal", diz Michele, "e remarcou a operação para um mês depois".
Ela já estava na sala de cirurgia quando contou ao médico que seu ciclo menstrual estava atrasado. "Ele riu e disse: 'Só faltava você estar grávida'. E prosseguiu com a cirurgia."
Para a advogada da paciente, Melissa Yumi Baraldi, o médico "assumiu o risco" para evitar prejuízos financeiros. "O hospital já estava com todo o centro cirúrgico preparado, o médico tinha reservado seu horário e agora ele queria receber. Ele preferiu não desmarcar depois de ter feito a internação."
A Rede D'Or São Luiz esclarece que assumiu o Hospital Nossa Senhora de Lourdes apenas em 2012 e que não comenta processos ainda em andamento
Rede D'Or São Luiz, em nota oficial
No processo, o hospital afirma que "a autora engravidou por sua conta, já que optou por não tomar mais anticoncepcionais".
Criança nasceu com fenda no céu da boca
A gravidez foi difícil para Michele, que chegou a ir para a UTI depois de 20 dias de internação. "Conforme a barriga crescia, os pontos da cirurgia começaram a doer, a pressão subia e eu acabava internada", diz.
Ela conta que, depois que descobriu a gravidez, o médico se recusou a atendê-la. "Disse que não atendia mais meu convênio. O problema é que outros médicos também não me recebiam porque não queriam se responsabilizar por qualquer problema que eu viesse a ter."
O bebê nasceu com fenda palatina, uma abertura no céu da boca. O garoto, hoje com dez anos de idade, precisou ser operado quando tinha apenas dois. "Ele estava perdendo a audição porque parte do que comia ia direto para o pulmão e para o ouvido", conta a mãe. "Como não há histórico familiar, os médicos acham que o problema se deveu à anestesia geral da operação e aos remédios do pós-operatório, medicações que são proibidas para grávidas."
Em seu despacho, a desembargadora Clara Maria Araújo Xavier escreve que o "erro médico" contra a paciente "pode ser enquadrado como imperícia, negligência ou imprudência".
O profissional tem como responsabilidade descartar a hipótese de gestação para realizar o procedimento através de exames atuais, não valendo o exame realizado com enorme antecedência
Clara Maria Araújo Xavier, desembargadora
Para Michele, a indenização de R$ 10 mil é baixa. "Achei um valor irrisório diante de tudo o que eu passei, pelo porte do hospital e pelo fato de o médico continuar clinicando." Para a outra advogada de Michele, Marta Regina Apparecido Dias, o valor é mesmo baixo. "Considerando todo o risco que ela foi submetida eu também acho pouco o valor da indenização", diz.
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