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Não é piada: usar coronavírus para discriminar oriental é crime

Nas redes sociais, usuários têm publicado agressões verbais e ofensas em locais públicos, como ônibus e vagões de metrô - NOEL CELIS/AFP
Nas redes sociais, usuários têm publicado agressões verbais e ofensas em locais públicos, como ônibus e vagões de metrô Imagem: NOEL CELIS/AFP

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

05/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • No Brasil, preconceito contra pessoas por sua etnia ou procedência nacional pode ser enquadrado em duas leis diferentes
  • Em ambos os casos, legislação prevê pena que pode ser de um a três anos de reclusão, mais multa
  • Crime dificilmente leva à prisão, mas vítima pode ter direito a indenizações por danos morais e materiais

A epidemia de coronavírus, que já infectou mais de 20,6 mil pessoas pelo mundo, tem feito proliferar os registros de ofensas e agressões verbais contra orientais, em especial pessoas de origem chinesa.

Nas redes sociais, usuários de ascendência asiática têm publicado agressões verbais e ofensas em locais públicos, em especial em lugares fechados, como ônibus e vagões de metrô, além de piadas relacionadas à higiene.

Os relatos tomaram tal proporção que o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) criou uma campanha de combate ao racismo ligada ao coronavírus.

Nas postagens, o órgão aborda o temor compreensível causado pela epidemia, mas alerta que o medo não pode servir de justificativa para a discriminação e o preconceito contra pessoas de ascendência asiática.

No Brasil, mais do que mera piada de mau gosto ou mecanismo de defesa, essas atitudes discriminatórias têm um nome mais sério no Brasil: crime.

Como o racismo, a xenofobia é criminalizada desde 1989, e ataques e injúrias contra pessoas por sua etnia ou procedência nacional podem ser enquadrados, a depender do caso, em duas leis diferentes.

Lei do Racismo

O Artigo 20 da Lei nº 7.716, de 1989, a Lei do Racismo, criminaliza "praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito" com base em raça, cor, etnia, religião, procedência nacional e, desde maio do ano passado, orientação sexual.

Trata-se de crime inafiançável e imprescritível, cuja pena é de um a três anos de reclusão, além de multa.

Injúria Racial

O Artigo 140 do Código Penal estabelece como injúria racial ofensa que envolva "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

Esse é um crime contra a honra, com foco no indivíduo (que pode representar um grupo), e prevê pena de um a três anos de reclusão, mais multa.

Vítima pode ter direito a indenização por danos morais e materiais

Para André Kehdi, advogado especialista em direito penal, não há dúvidas de que esse tipo de ofensa se enquadre em uma dessas legislações.

"A defesa poderia argumentar que aquela pessoa não está sendo discriminada por ser chinesa, mas pelo receio causado por ela ter vindo de um lugar contaminado, mas aí é uma tese. Que [a atitude] é crime, é crime".

Kehdi pondera que é improvável que um crime como esse leve à prisão, mas pode render um bom processo.

"Genericamente falando, sem se analisar um caso específico, pode-se dizer que [a pena de prisão] vai depender de reincidência etc. Como a pena prevista está abaixo de quatro anos, geralmente é revertida em multa e prestação de serviços à comunidade", explica.

Já o advogado Vinicius Bento, especialista em direito cível, indica que as vítimas podem entrar, em paralelo, com uma ação por danos morais e até eventuais danos materiais sofridos.

"As esferas penal, cível e administrativa são independentes. Isso significa que a pessoa discriminada pode fazer um boletim de ocorrência pela responsabilização criminal e, ao mesmo tempo, ingressar com uma ação civil visando o ressarcimento dos danos sofridos", argumenta.

"Enquanto um processo criminal é rodeado de um fortíssimo garantismo, com razão, no cível o processo poderá caminhar mais rápido e a vítima poderá ser compensada pela atitude discriminatória de quem cometeu o ato ilícito", sugere o advogado.

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