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Coronavírus: médicos da USP riram e pediram para manter rotina, diz doente

Carolina Marins e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

12/03/2020 12h17

O estudante da USP (Universidade de São Paulo) que teve confirmação de infecção pela covid-19 diz que sofreu deboche quando procurou atendimento médico pela primeira vez após suspeitar de estar com o novo coronavírus. Ele e sua ex-esposa, que também está infectada, procuraram o Hospital Universitário da USP em 3 de março.

"A primeira médica que nos atendeu agiu com total deboche e pouco caso —chegou a rir da gente", escreveu o estudante em texto que circulava ontem em grupos de aplicativos de mensagem.

Segundo o relato dele, a médica "nem encostou" em sua esposa. "E disse que as pessoas 'estão surtadas' com o coronavírus. Insistimos e ela simplesmente nos deu as costas e saiu andando", recorda. O UOL procurou o Hospital Universitário, mas não obteve retorno até o momento.

A ex-companheira do estudante fez uma viagem pela Europa em fevereiro, tendo passado por Itália e Espanha. Ela voltou ao Brasil no dia 27 do mês passado, mas não apresentava sintomas. Eles estiveram juntos até o dia 28. No dia 3, a ex-mulher começou a se sentir mal, tendo procurado atendimento no hospital da USP.

11.mar.2020 - Movimentação na Universidade de São Paulo (USP), nesta quarta-feira (11), após representantes da USP anunciarem a suspensão das aulas do curso de Geografia, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), depois que um aluno comunicou que testou positivo para o coronavírus - Ronaldo Silva - 11.mar.2020/Estadão Conteúdo - Ronaldo Silva - 11.mar.2020/Estadão Conteúdo
Estudante frequenta aulas do curso de Geografia na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da USP
Imagem: Ronaldo Silva - 11.mar.2020/Estadão Conteúdo

"Só coincidência"

Após ser alvo de deboche, o ex-casal procurou a ouvidoria da instituição médica e foi atendido pela chefe de plantão. "Após o atendimento, ela disse que os sintomas não eram plenamente compatíveis com o coronavírus e que provavelmente era só uma coincidência".

Para o estudante, a chefe de plantão disse que ele não deveria se preocupar e que ele poderia manter suas atividades normalmente. "Falou que não havia necessidade de usar máscara e os cuidados deveriam ser os mesmos de qualquer pessoa (álcool gel, lavar as mãos, etc)", escreveu.

No dia seguinte, o universitário tinha uma consulta de rotina. Seu médico, ao saber da situação da ex-mulher dele, disse que "as pessoas estão surtadas demais e que não precisava me preocupar".

"Com isso, voltei ao trabalho normalmente e, à noite, fui à aula desencanado, absolutamente convencido de que não era nada e tinha caído na histeria coletiva do coronavírus."

Febre, garganta ardendo

Ele lembra que, na aula, conversou com várias pessoas, "caneta da lista de presença passou por mim, livros, etc. Já havia até esquecido do que tinha acontecido". "Mas tudo mudou na quinta (5) de manhã, quando acordei com febre e com a garganta ardendo." Ele está no primeiro ano do curso de Geografia.

O estudante voltou ao Hospital Universitário e diz ter recebido um tratamento diferente do visto dias antes, quando estava com a ex-companheira. "Fui colocado em uma sala isolado, e um médico e uma residente vieram me atender com toda aquela roupa como se eu fosse um objeto radioativo —o procedimento correto".

O caso dele foi indicado, na ocasião, como compatível com coronavírus. "Apenas neste momento recebi a orientação de ficar em casa e recebi um atestado que me afastava do trabalho por dez dias."

"De férias com a ex"

A ex-mulher teve a confirmação de que estava com a covid-19 no dia 6 de março. "Neste momento comecei a tratar o meu também como praticamente confirmado. Desde então, estamos juntos, "de férias com a ex", em casa, isolados —só a gente e o cachorro, que está fora de perigo."

Na mensagem, o estudante disse esperar, "ansiosamente, que, depois que tudo isso passar, possa levar minha vida normal e reste apenas os memes e que eu não fique sem grupo nos trabalhos ou não queiram que eu vá ao trabalho de campo..."

Até agora, tudo que está sendo dito e essa repercussão toda acaba nos assustando e causando um pouco de sentimento de culpa. Mas vir falar aqui dá um certo alívio
Estudante da USP com coronavírus

O universitário quer também evitar "maior propagação de boataria" ou que julguem que ele tenha colocado "propositalmente pessoas em risco —sinal dos tempos de hoje em que mais vale um pré-julgamento".

Após o caso do aluno do curso de Geografia, a USP criou um comitê para acompanhar os casos da covid-19. O objetivo é "acompanhar permanentemente a evolução da presença do vírus entre alunos, professores e servidores". "A USP gostaria de tranquilizar a comunidade interna e externa, reforçando que a instituição segue todos os protocolos estabelecidos."

Hoje, alguns professores decidiram cancelar suas aulas por conta própria.

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