Jamil Chade

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Reportagem

Trump ameaça acordo global de desenvolvimento e pressiona ONU e Unicef

Depois de desmontar a agência dos EUA para a ajuda ao desenvolvimento, a Usaid, o governo de Donald Trump ameaça um acordo internacional que tem como objetivo criar um compromisso entre os países para que os combates contra pobreza e a desigualdade possam ser financiados. Ao mesmo tempo, diplomatas americanos foram instruídos a mandar alertas duros contra entidades como a Unicef e agências da ONU sobre Mulher. O recado era explícito: a Casa Branca está revendo suas contribuições financeiras para esses organismos e exige que temas como diversidade ou questões relacionadas com gênero sejam excluídas da agenda.

Na noite de segunda-feira, em Nova York, a delegação americana anunciou numa reunião fechada que estava revendo sua participação no processo, conduzido na ONU.

A negociação deveria ser concluída com a Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que ocorrerá de 30 de junho a 3 de julho de 2025, em Sevilha, Espanha. O tema é considerado como prioridade também para os países emergentes, inclusive o Brasil e o Brics.

As metas de desenvolvimento estabelecidas pela ONU para 2030 estão ameaçadas. Décadas de progresso no combate à pobreza e à fome estagnaram e, em alguns casos, retrocederam. Muitas economias em desenvolvimento estão atoladas em dívidas, com desafios de financiamento que impedem o impulso de investimento urgentemente necessário para a agenda social.

Após quatro anos de uma série de choques globais - incluindo a pandemia da covid-19, conflitos geopolíticos e instabilidade econômica - a lacuna de financiamento dos objetivos de desenvolvimento social aumentou para US$ 4 trilhões por ano. O resultado foi o aumento da pobreza e a desigualdade. Para completar, os desafios que os países enfrentam para obter recursos suficientes revelaram falhas estruturais na arquitetura financeira internacional.

A ideia da negociação, portanto, é pensar numa reforma do financiamento ao desenvolvimento.

Nesta semana, num desses encontros preparatórios para a cúpula —o primeiro desde que Trump assumiu— a delegação americana jogou um balde de água fria sobre os negociadores. De acordo com a diplomacia dos EUA, o novo governo está em processo de avaliação quanto à sua participação e adesão ao texto que será submetido à votação em junho.

Uma das propostas dos americanos é de que haja uma reorientação da extensão e do escopo do documento. No lugar das atuais 30 páginas, eles defendem que o acordo traga apenas 30 artigos genéricos.

O governo Trump ainda indicou que quer evitar a expansão dos mandatos da ONU e que o trabalho das demais entidades não seja afetado.

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Para completar, a delegação americana rejeitou qualquer tipo de linguagem relacionada com igualdade e diversidade. No lugar, sugerem apenas uma referência à necessidade de que exista uma "igualdade de oportunidades para todos".

Políticas de diversidade são "imorais", afirma diplomacia americana

Um dia depois, os ataques americanos foram dirigidos contra a ONU Mulheres, uma agência das Nações Unidas. Jonathan Shrier, diplomata americano, alertou numa reunião do Conselho Executivo do órgão que os EUA estão " analisando as organizações internacionais e outros órgãos para avaliar nosso relacionamento e determinar quais organizações se alinham aos interesses dos EUA".

Ele destacou que Trump emitiu uma Ordem Executiva "defendendo as mulheres da ideologia de gênero e restaurando a verdade biológica". "De fato, os esforços para erradicar a realidade biológica do sexo atacam fundamentalmente as mulheres, privando-as de sua dignidade, segurança e bem-estar", disse. "Os EUA defenderão os direitos das mulheres e protegerão a liberdade de consciência usando uma linguagem clara e precisa e políticas que reconheçam que as mulheres são biologicamente femininas e os homens são biologicamente masculinos", insistiu.

Em sua fala, o diplomata cobrou a ONU Mulheres a que "se concentre nos esforços para garantir a igualdade de mulheres e meninas e insistimos em evitar o foco em causas radicais como a diversidade e a ideologia de gênero, nenhuma das quais melhorará o funcionamento da ONU Mulheres e ambas são degradantes, injustas e perigosas para mulheres e meninas".

"É importante reconhecer a realidade biológica do sexo para apoiar as necessidades e perspectivas das mulheres e meninas", insistiu.

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"Os programas de diversidade e as iniciativas relacionadas, como aquelas baseadas na "teoria crítica da raça", são imorais e discriminatórias e não têm lugar no planejamento do futuro dessa organização", cobrou.

Ele ainda mandou um alerta. "Os EUA têm o compromisso de ajudar as organizações da ONU a realizar todo o seu potencial. Para isso, essas organizações não devem - como no passado - defender causas culturais divisivas e perigosas em detrimento das preocupações dos Estados membros", completou.

A mesma ofensiva foi usada numa reunião da Unicef. A delegação americana pediu a palavra para alertar que temas como a "diversidade e acessibilidade violam a lei e o espírito dos EUA". Segundo a diplomacia de Trump, tais conceitos substituem "trabalho duro e mérito".

O diplomata ainda alertou que, a partir de agora, o governo americano apenas reconhece a existência de dois sexos - masculino e feminino - e que não aceitará o uso de seus recursos para outras finalidades. O governo também apontou que "ideologia de gênero" estaria presente em documentos oficiais da agência. "Isso é preocupante, considerando que se trata de uma linguagem perigosa para crianças", justificou.

Sociedade civil denuncia falta de transparência

No caso do financeiro ao desenvolvimento, enquanto o processo vive uma encruzilhada, a sociedade civil se preocupa com a falta de transparência.

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Algumas delegações questionaram o método de trabalho, pois não está claro se os comentários das delegações ou até da sociedade civil estão sendo aceitos, se haverá uma negociação linha por linha ou como as propostas submetidas por alguns países serão considerados.

Negociadores escolhidos para preparar o texto estão sendo acusados de agir sem transparência e, segundo as ONGs, não há clareza sobre como o rascunho evoluirá e quais contribuições serão incorporadas.

Ficou ainda confirmado que as negociações do texto em si acontecerão apenas em março, em uma reunião fechada e sem a possibilidade de participação da sociedade civil.

Diante da situação, uma coalizão da sociedade civil enviou uma carta aos mediadores do processo alertando sobre a situação.

"Estamos preocupados com os planos para que a próxima fase das negociações continue a portas fechadas e, portanto, afastada do escrutínio público, da responsabilidade e do acesso da sociedade civil", indicaram.

"O roteiro de negociação, portanto, rompe com a prática anterior, compromete as práticas bem estabelecidas e prejudica a capacidade da sociedade civil de contribuir com o processo, testemunhando as posições dos Estados Membros e interagindo com eles, defendendo os princípios da ONU de participação democrática e responsabilidade", disseram.

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De acordo com eles, apesar dos alertas, nenhum país exigiu explicitamente uma revisão das modalidades. "Agora, pedimos aos Estados-Membros que assumam uma posição explícita e exijam uma revisão do processo", diz a carta.

"Uma nova arquitetura econômica e financeira internacional que atenda ao imperativo de nossos povos e do planeta não pode ser moldada a portas fechadas. Ela exige tanta coragem e liderança quanto transparência e responsabilidade cívica. Esta é a ONU de que precisamos para romper o padrão de governança econômica global antidemocrática e de portas fechadas", completaram as ongs.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

10 comentários

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Paulo Mello

Governo Trump, igualzinho aos fundamentalistas do Talibã. Tenta criar o Trumpistao, onde ninguém terá o direito de ser como é, mas os ultraconservadores, assim como ele, poderão tentar golpe de Estado, criar milícias armadas e até praticar fraude fiscal a vontade, especialidade dele.

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Alberto Leal de Medeiros

Embora a visão de Trump sobre pessoas não-binárias, deficientes, mulheres e não-caucasianas seja repugnante, ele ao menos mantém uma coerência dentro dessa perspectiva lamentável. O que causa espanto e indignação é o apoio que ele (líder incontestável da extrema direita) recebe por parte de indivíduos pertencentes a esses grupos que ele deprecia e prejudica.

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Claudio Szerman

O fascismo woke há anos vem impondo autoritariamente sua agenda anticientífica, tentando alterar artificialmente a linguagem e criminalizando opiniões contrárias e até mesmo o uso de pronomes. O escândalo da USAID comprovou que houve movimentos coordenados no mundo todo e que foram financiados involuntariamente pelo contribuinte americano. Infelizmente o blogueiro do uol omite essas informações que estão disponíveis nas redes sociais. Esticaram demais a corda e agora está começando uma reação a esse n4zifascismo woke que se instalou em diversos organismos mundiais aparelhados pela extrema-esquerda.

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