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Por que médicos desaconselham sair da cidade grande para se isolar

Lauro Neto

Colaboração para o UOL, no Rio

24/03/2020 17h17Atualizada em 24/03/2020 17h17

Se você está pensando em fugir da pandemia do coronavírus indo para uma cidadezinha do interior ou se isolando num sítio na região serrana para passar a quarentena, as recomendações dos especialistas vão justamente na contramão de pegar a estrada: não fuja para as colinas, montanhas, praia ou para onde quer que seja, e permaneça onde está.

Virologistas e infectologistas ouvidos pelo UOL reforçam a importância das medidas restritivas adotadas pelas autoridades governamentais que limitam o deslocamento a fim de evitar a proliferação do vírus em outras cidades além dos grandes centros urbanos, como aconteceu na Itália e na Espanha, países mais afetados na Europa.

A virologista italiana Marta Giovanetti, pesquisadora visitante da Fiocruz, participou do estudo internacional que analisou os 12 primeiros genomas completos do novo coronavírus. Ela recomenda que o Brasil aprenda com a experiência da Itália, país com o maior número de mortes (mais de 6 mil) devido à pandemia, e que os brasileiros evitem fazer o que os italianos fizeram.

Quando souberam que o governo decretaria a quarentena em todo território, houve um deslocamento em massa da região norte, epicentro da epidemia, para cidades no centro e no sul, onde a disseminação do coronavírus ainda estava mais controlada.

"Isso realmente foi algo sem precedentes, ligado ao grande desespero das pessoas que não estavam entendendo a gravidade da até então epidemia. Depois disso, o nosso ministro teve que fechar o país, pois sabemos que a mobilidade global favorece a rápida dispersão do vírus. Após esse fato, infelizmente a Itália não tinha mais volta. Isso serviu de alerta para outras nações não subestimarem o aumento de casos e adotar medidas rápidas de controle", disse a virologista.

Interrupção da cadeia de transmissão

A principal questão é tentar evitar a mobilidade para reduzir a circulação do vírus e tentar interromper as cadeias de transmissão. Ainda deve ser considerado que as equipes de saúde no interior possuem um reduzido número de profissionais de saúde no atendimento. "Isso poderia sobrecarregar os postos de saúde que poderiam entrar em colapso devido à alta demanda", explica Marta, que também colabora com o Campus Biomédico de Roma.

Algo parecido, ainda que em menor proporção, aconteceu na Espanha: em regiões como Murcia, Galícia e Extremadura, os primeiros casos da covid-19 foram importados de Madri, onde vivem 6,5 milhões de pessoas e estão concentrados cerca de 35% dos mais de 39 mil casos.

Mesmo que o deslocamento entre cidades e regiões do Brasil não seja tão fácil quanto na Europa por não contar com uma malha ferroviária semelhante, o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, faz uma ressalva até para aquelas pessoas que pretendem viajar de carro para fugir dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro.

"Ficar em casa significa encontrar menos pessoas e deslocar menos os focos da doença para cidades e localidades que ainda não tiveram circulação sustentada. Você vai viajar, vai parar para abastecer, para trocar dinheiro, para pagar pedágio, para comer. Há um deslocamento que começa a colocar em risco toda essa mobilidade da população. O isolamento social ou distanciamento evita o contágio entre as pessoas para diminuir a circulação do vírus", diz Kfouri.

Psicólogo quer se isolar em fazenda da família no interior

O psicólogo Frederico Santos Veloso, que mora em Brasília, está pensando em se isolar com a mulher e os dois filhos, de 16 anos e 1 ano e 8 meses, na fazenda da família, a mais de 80 km da capital, no município de Luziânia, em Goiás. Seus pais, com 70 anos, e sua avó, com 91, já estão lá há duas semanas. Ele diz que acompanha as orientações das autoridades e, por isso, ainda não decidiu se vai.

"Estou esperando confirmar que estamos realmente limpos do vírus. Já estamos em quarentena há uma semana, vou esperar mais uns dias ou vou fazer um exame num laboratório particular. Estou decidindo isso ainda e esperando as notícias de fechamento de divisas e fronteiras. Estou bem antenado, mas a minha situação é um pouco diferente, porque temos esse local para isolamento total, que talvez daqui a pouco seja necessário. Estamos avaliando e, se formos, vamos tomar todos os cuidados", diz Veloso.

O virologista Jônatas Abrahão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que várias pessoas, mesmo em distanciamento social, podem ser portadoras do vírus e serem assintomáticas. Por isso, a recomendação dele, inclusive dada a seus alunos originários de outros estados e cidades, é que todos permaneçam onde estão.

"Se as pessoas fazem deslocamento para uma região serrana, por exemplo, podem introduzir o vírus numa comunidade. Isso acaba disseminando o vírus numa nova população e aumentando o número de casos. A recomendação da universidade é a de que os alunos não voltem para suas casas, pois podem ser portadores do vírus e, ao chegarem às cidades deles, podem iniciar uma epidemia, aumentando mais ainda a proporção da pandemia".