Ásia enfrenta segunda onda de coronavírus; isso pode acontecer no Brasil?
A China tem conseguido controlar a transmissão interna do novo coronavírus (que causa a covid-19). Na última semana, o país passou alguns dias sem registrar novos casos locais.
Os casos "importados", por outro lado, continuam crescendo e levantam um sinal de alerta para as autoridades chinesas (e globais) sobre a possibilidade de uma nova onda de contágio.Cidades, como Hong Kong, que estavam liberando a quarentena, voltaram atrás. Outros países asiáticos, como a Tailândia, também viram os números voltarem a crescer.
Mas o que significa esta nova onda? O país não estava livre? E o Brasil, também poderá ficar pulando de uma quarentena para outra? Infectologistas consultados pelo UOL respondem:
Por que China vive segunda "onda" de epidemia?
O que acontece hoje na China é resultado também do que a fez conseguir controlar a doença e impedir o avanço interno: o isolamento de cidades-chave.
No dia 23 de janeiro, menos de um mês depois da descoberta do vírus, o país isolou completamente a região de Wuhan, onde surgiu o paciente zero.
Gradualmente, também adotou medidas de isolamento em outras regiões e proibiu aglomerações públicas. As medidas fizeram com que o país conseguisse conter a disseminação do vírus, mas há limitações.
"Eles achavam que poderiam controlar totalmente [o vírus] restringindo a cidade com maior número de casos, como foi em Wuhan. O que acontece, agora, é que está tendo entrada por outras cidades, provavelmente de maior fluxo, como Xangai e Pequim", afirma o infectologista Marcos Boulos, da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Segundo ele, esta "segunda onda" de epidemia se dá exatamente nas cidades que não foram tão impactadas com a primeira onda. Wuhan, por exemplo, voltou a operar o metrô recentemente.
"Há este comportamento de ondas porque as medidas restritivas são boas para controle, mas têm suas limitações. No caso da China, como foi muito fechado - e bem-sucedido por isso - há um contingente grande de pessoas em que a doença pode se espalhar", continua Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Brasil deverá seguir o mesmo caminho?
Provavelmente não, pois o país não conseguiu criar zonas de isolamento tão eficientes quanto as da China. Aqui, diferentemente de lá, a doença se disseminou de forma mais ampla, o que pode fazer com que, assim que controlada, seja controlada de uma vez.
"O fato é que muito provavelmente não vamos conseguir fazer esse controle, não temos essa disciplina. Aqui já se vê muitos casos em São Paulo, no Rio [de Janeiro], e está crescendo em vários lugares. Então, provavelmente será mais disseminada, abrangente", afirma Boulos.
O próprio Ministério da Saúde já declarou que há transmissão comunitária em todo o país, o que indica que não há mais um caminhamento exato do caminho do vírus em nenhuma região do país.
Para o infectologista da FMUSP, diferentemente dos chineses, isso pode significar que, quando o vírus for controlado no Brasil, não haja uma "segunda onda". "Se seguir este caminho, mais disseminado, talvez signifique que, quando [a epidemia] acabar [no Brasil], provavelmente tenha acabado mesmo", avalia Boulos.
Stanislau também vê esta como uma das possibilidades. "Quando você isola muito bem algumas áreas, a probabilidade de haver parte da população [não isolada] suscetível aumenta. Aqui, como espalhou mais, é possível que depois haja só locais de microepidemias, concentradas, como vemos com outras doenças", avalia.
Qual o melhor modelo?
Stanislau sustenta, no entanto, que nenhuma das duas situações é ideal. "Dizer que só vai ter uma onda não quer dizer que é melhor. Esta onda pode ser muito mais forte, mais danosa", explica.
Além disso, o infectologista levanta questões ainda não respondidas sobre o vírus. "E se o vírus sofrer mutação? Aí pode voltar. Também temos dúvidas sobre o grau de imunidade. É duradoura? É para todos? Ainda há diversos pontos a pesar, por isso urge o surgimento de uma vacina", pontua.
O que a China poderá fazer para conter uma nova onda?
Manter seus mecanismos de controle enquanto não há uma solução farmacológica. Se antes o país olhava para dentro, agora deverá olhar para fora.
"Eles vão ter de controlar suas portas de entrada. Tem de haver uma vigilância rigorosa em aeroportos, em especial voos vindos da Europa e dos Estados Unidos. É fazer o que nós e o mundo fez com eles no início, monitorar passageiros", afirma Boulos. "Tem de evitar a proliferação de fora, se não pode voltar a ter [uma nova epidemia]."
"É a limitação de medidas não-farmacológicas. Como ainda não apareceu um remédio eficaz, uma vacina, estas medidas são excelentes para a contenção da disseminação, mas sempre criam este risco de uma quarentena levar à outra", conclui Stanislau.
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