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Fiocruz contraria Bolsonaro e defende isolamento contra coronavírus

Jair Bolsonaro de máscara no Palácio do Planalto - Ueslei Marcelino
Jair Bolsonaro de máscara no Palácio do Planalto Imagem: Ueslei Marcelino

Igor Mello

Do UOL, no Rio

27/03/2020 13h49

Principal centro de pesquisa do Brasil na área de Saúde, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) defendeu hoje a política de isolamento domiciliar como estratégia para conter a pandemia de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, no Brasil. O posicionamento, endossado também pela OMS (Organização Mundial de Saúde), contraria o que vem defendendo reiteradamente o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), favorável ao isolamento vertical —quando apenas idosos e outras pessoas em grupos de risco são mantidas em casa.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, defendeu o isolamento domiciliar —que vem sendo adotado por quase todos os governadores e prefeitos de capitais brasileiras à revelia do governo federal— como forma de reduzir a propagação da doença. Especialistas e o próprio Ministério da Saúde afirmam que um grande número de doentes simultaneamente levará ao colapso do sistema de saúde, provocando mortes por falta de atendimento médico como já ocorre na Itália e nos Estados Unidos.

"Nesse momento é muito importante a questão do isolamento. Principalmente considerando os dados do crescente número de casos no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. E também já há tendência em algumas microrregiões brasileiras que terão um grave impacto da pandemia, como é o caso do Nordeste. Isso requer um trabalho constante de autoridades sanitárias e de especialistas para que essa estratégia seja montada e vá sendo adaptada. Sempre com os objetivos de salvar vidas e proteger o SUS, no sentido que ele dê conta de outras doenças como dengue e sarampo", afirmou.

Fiocruz analisa se isolamento vertical é viável

O presidente já deu repetidas demonstrações de contrariedade com as políticas de isolamento domiciliar e paralisação de atividades —como a suspensão de aulas em escolas e o fechamento do comércio. No pronunciamento em cadeia de rádio e TV feio na última terça-feira (28), voltou a minimizar a gravidade da doença, chamada por ele de "gripezinha" e "resfriadinho".

No dia seguinte, voltou a atacar governadores que implantaram essas medidas e a imprensa, que vem apontando a contradição entre as falas de Bolsonaro com o consenso científico formado sobre o coronavírus. "Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da grande mídia nessa questão do coronavírus", afirmou o presidente.

Questionada pelo UOL, a presidente da Fiocruz confirmou que a instituição vem estudando a viabilidade do isolamento vertical, mas afirmou que a realidade brasileira —com o grande número de moradores de habitações precárias em favelas nas grandes cidades— seria um obstáculo a esse tipo do estratégia.

"Nós estaremos estudando todas as estratégias, acompanhando como se processará essa pandemia no Brasil. Existem estudos, e aqui no Rio de Janeiro se coloca, de se pensar em comunidades mais vulneráveis. Nós falamos em comunidades em que vivem em grandes aglomerados, com idosos em casas com muitas pessoas, então nesse caso estuda-se se seria a melhor estratégia. Aqui no Rio de Janeiro se estuda formas de acolhimento social, uso de hotéis, várias iniciativas estão sendo estudadas nesse sentido", ponderou.

"A aplicação de estratégias em cada país deve levar em conta suas condições epidemiológicas, socioeconômicas, de moradia, relação de grandes centros com centros diversos. Tudo isso deve ser feito através da observação constante, do estudo e das experiência que já aconteceram. O Brasil tem o legado do que já aconteceu na China, o que está acontecendo na Europa. Como foi o caso do G20 ontem se posicionar sobre essa estratégia. Temos colocado de maneira muito clara a importância do isolamento para evitar a velocidade da propagação da epidemia", concluiu a presidente da Fiocruz

O que é o isolamento vertical

A medida consiste em isolar apenas pessoas dos chamados grupos de risco —idosos, diabéticos, cardíacos e pessoas com algum comprometimento pulmonar ou problemas imunológicos.

As demais parcelas da população seriam liberadas de volta às suas atividades do dia a dia, gradativamente contraindo a doença e ganhando anticorpos para ela —desenvolvendo no conjunto da sociedade o que especialistas chamam de "imunidade de rebanho".

A tese, porém, é rejeitada pela maior parte dos especialistas, que alertam para o risco de uma curva acentuada de casos, levando ao colapso do sistema de saúde, nos moldes do que tem ocorrido na Itália e no Estados Unidos. O Reino Unido chegou a flertar com essa forma de enfrentamento à crise, mas voltou atrás diante da escalada de casos.

Apesar das evidências científicas de que o isolamento vertical possa colapsar a rede de saúde brasileira, o governo federal lançou hoje uma campanha publicitária defendendo o fim do isolamento domiciliar, com o slogan "O Brasil não pode parar".