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Meu pai morreu porque é pobre, diz filho de 1º morto em AL por coronavírus

UPA Jacintinho, em Maceió, foi um dos locais em que a vítima foi atendida - Thiago Sampaio/Divulgação/Secretaria de Estado de Saúde de Alagoas
UPA Jacintinho, em Maceió, foi um dos locais em que a vítima foi atendida Imagem: Thiago Sampaio/Divulgação/Secretaria de Estado de Saúde de Alagoas

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

01/04/2020 08h29

A primeira pessoa a morrer em Alagoas por causa do novo coronavírus passou quatro dias de peregrinação entre a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Jacintinho, o HGE (Hospital Geral do Estado), e a UPA do Trapiche da Barra, todos localizados em Maceió, esperando uma vaga em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em hospital especializado. O homem tinha 64 anos e era diabético e hipertenso.

Atualmente, Alagoas tem uma morte e 18 casos oficiais para a covid-19 - sendo 13 em Maceió e um em Porto Real do Colégio. Os outros quatro (dois do Rio de Janeiro e dois de Brasília) são turistas que apresentaram os sintomas em Maceió. No Brasil, o balanço divulgado ontem pelo Ministério da Saúde apontou 201 mortes no país, com 5.717 casos oficiais.

O filho da vítima, que terá o nome preservado, diz que está sofrendo preconceito e relata que, por três dias, levou o pai para a UPA do Jacintinho, na periferia de Maceió, mas o diagnóstico não foi dado corretamente.

Segundo ele, o primeiro parecer médico foi infecção na garganta. Por três dias seguidos, ele levou o pai à UPA do Jacintinho porque os sintomas na vítima só pioravam e o filho até cogitou com os médicos que atenderam o idoso a possibilidade do novo coronavírus. "Olhei na internet e os sintomas eram parecidos", recorda.

"Depois da infecção na garganta os médicos disseram que meu pai estava com infecção pulmonar. A médica disse que não tinha necessidade de ele ir para um hospital. O quadro dele só piorava, ele não conseguia respirar", relata o filho da vítima. "Pesquisamos um hospital que poderia internar meu pai em UTI, que seria o hospital Elvio Auto, mas levaram da UPA do Jacintinho para o HGE, na sala 1. Horas depois, meu pai foi transferido para a UPA do Trapiche, onde estava com sintomas claros de Covid-19", conta.

A família do paciente ainda tentou pagar a internação em hospital particular, "mas não tínhamos dinheiro suficiente".

Meu pai morreu porque é pobre, porque atendimento foi fraco, precisava de suporte avançado de UTI. Não era para ter morrido. Se ele tivesse ido para uma UTI, ele tinha sobrevivido. Infelizmente, foi deficiência de uma UTI, não teve assistência médica intensiva adequada
Filho da primeira pessoa a morrer por coronavírus em Alagoas

Segundo o governo do estado, os familiares estão em isolamento domiciliar e estão sendo monitorados pelo CIEVS (Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde). Entretanto, o filho do homem nega e diz que não está recebendo ajuda ou orientação algum do governo do estado.

"Consegui enterrar meu pai com muita dificuldade. Até agora, não recebemos assistência nenhuma e estamos sofrendo preconceito com os vizinhos. Estamos trancados no apartamento sem apoio da área da saúde", enfatiza. A família também negou que mora há seis meses em Alagoas. "Viemos do Acre faz cinco anos", explica.

As UPAs são unidades de atendimento intermediário, pois não possuem aparelhagem para casos complexos. Mas, mesmo assim, manteve o paciente enquanto aguardava o surgimento de uma vaga na UTI. O paciente não resistiu durante a espera.

O médico anestesiologista Luis Bulhões Calheiros explica que as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) servem para desafogarem os hospitais de casos de leve a média complexidade. "Em casos de pacientes graves, a equipe deve estabilizar o paciente e encaminhá-lo para o hospital de referência o quanto antes", diz.

"Apesar de nas UPAs existirem aparelhos de ventilação mecânica, essas unidades carecem de profissionais de fisioterapia, enfermeiros e técnicos especializados em cuidados intensivos, assim como cuidados médicos exclusivos, visto que a quantidade de pacientes em uma UPA é muito superior as de uma UTI", ressalta o médico.

Outro lado

O Isac (Instituto Saúde e Cidadania), gestor da UPA Trapiche da Barra, informa que o paciente deu entrada na unidade no dia 26 de março, às 23h45, levado pelo Samu (Serviço de Atedimento Móvel de Urgência). "Como a UPA Trapiche é uma unidade de atendimento de urgência e emergência, o paciente foi atendido assim que chegou. A unidade possui um fluxo específico para atendimento de pessoas com suspeita de coronavírus, para o qual ele foi direcionado", diz em nota.

O Isac afirma que durante o período que o paciente ficou na UPA do Trapiche da Barra foram realizados procedimento de estabilização e a coleta de amostra para envio ao Lacen (Laboratório Central do Estado), responsável pela análise do coronavirus.

"Mesmo tento recebido todo o atendimento médico necessário na unidade, o paciente infelizmente não resistiu e faleceu à 1h52, do dia 30 de março, por causa do agravamento do quadro clínico, que já era grave", explica.

O atestado de óbito consta como causa da morte insuficiência respiratória aguda, provocada por covid-19. "Os profissionais que tiveram contato com o paciente seguiram todas as diretrizes oficiais e usaram os equipamentos de proteção individual determinados", informa o Isac, destacado que "todos estão sendo monitorados e, caso apresentem sintomas, vão fazer o teste".

O UOL tentou contato com a Sesau (Secretaria de Estado da Saúde), na noite de ontem, mas não obteve resposta. A reportagem entrou em contato por ligação telefônica, email e WhatsApp. Até agora, ninguém respondeu.

Em transmissão ao vivo, o governo de Alagoas informou que o paciente não havia sido confirmado ainda com covid-19 e, por isso, ele não foi transferido logo para o Hospital Escola Elvio Auto. "Primeiro, o paciente é diagnosticado para depois ser transferido para não ficar misturado com os casos suspeitos. Após a confirmação, ele é transferido", justifica o governo sobre a demora da vítima ter ido para uma UTI em hospital.