Profissionais da saúde compram EPI por conta própria para se proteger em SP
Resumo da notícia
- Hospitais estão com falta ou racionamento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) contra novo coronavírus para os profissionais de saúde
- Médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e técnicos organizam-se para comprar equipamentos por conta própria e garantir proteção adequada contra covid-19
- Abastecimento de EPIs está em risco no Brasil: Ministério da Saúde está sem estoque e compras internacionais foram canceladas
"Consegui, chegaram as máscaras N-95". A mensagem de WhatsApp foi recebida com alívio pela médica Luciana**, de 39 anos.
No hospital particular onde ela trabalha como médica especializada em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), em São Paulo, não faltam máscaras. Ainda assim, o uso delas é restrito para situações de risco e contato direto com pacientes suspeitos ou portadores da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
Fora isso, ela não sabe se em algum momento irá faltar máscaras no hospital, e quer garantir que terá o mínimo necessário para trabalhar com segurança no combate à pandemia.
"Está todo mundo desesperado e morrendo de medo", afirma. "Temos colegas da rede pública e até particular que já não tem o necessário para trabalhar."
Em meio a dificuldades de abastecimento dos estoques ao redor do país, cancelamento de compras internacionais do governo, racionamento e falta de itens essenciais em hospitais, profissionais da saúde organizam-se e recorrem ao mercado "paralelo" para comprar EPI (Equipamentos de Proteção Individual) do próprio bolso.
Máscaras variadas, luvas, aventais, óculos de proteção, macacões especiais e produtos de esterilização adequados ainda estão disponíveis no mercado em pequenas quantidades para quem sabe de quem e onde comprar.
"Tenho um amigo que é representante comercial desse tipo de coisa, tem loja e ainda tinha bastante coisa no estoque. Ele separou um lote para eu dividir com colegas de vários hospitais", afirma a enfermeira Maria**, de 38 anos, que trabalha em outro grande hospital particular de São Paulo e conseguiu as 15 máscaras para Luciana (os nomes reais dos profissionais foi omitido nesta reportagem pois muito temem represálias no trabalho).
"Em quantidades menores, apesar do preço das coisas já ter triplicado, conseguimos comprar. É mais fácil do que para um hospital por exemplo, que tem de comprar milhares de itens de uma vez", afirma.
Colegas contaminados
No hospital que Maria trabalha, uma das maiores e mais famosas instituições particulares da capital paulista, também não há falta de EPI por ora.
"Tem tudo, mas está rolando uma pressão para racionar. A máscara N-95, por exemplo, que em um mundo ideal deve ser descartada após um dia de trabalho, está rolando uma pressão para usarmos por cinco dias antes de jogar fora", afirma.
Eu sei que a situação é grave e entendo completamente o hospital regular, mas se eu consigo pagar para ter uma proteção maior para mim, minha família e todos que convivem comigo, incluindo colegas e pacientes. Eu vou fazer isso e não acho errado.
Em nota técnica com orientações para profissionais de saúde sobre a pandemia de coronavírus, publicada em 30 de janeiro e atualizada em 31 de março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que as máscaras padrão N-95 podem ser usadas por um período maior que o indicado pelos fabricantes, desde que esteja íntegra, limpa e seca.
"A agência não orienta o uso de máscaras vencidas, mas indica o uso além do prazo de validade designado pelo fabricante. Isso porque muitos desses produtos têm indicação de descarte a cada uso", afirma a nota.
Segundo a enfermeira com ampla experiência em UTI, as direções dos hospitais onde ela trabalha não têm gostado do movimento de profissionais indo trabalhar com equipamento próprio. Apesar de não proibirem, têm feito pressão contra o uso de EPI particular.
"Dizem que vai assustar os pacientes e passar uma impressão ruim do hospital. Gente, é o caso de um cuidado maior, sim. Eu uso máscara até nos corredores de acesso e elevadores. Tenho dezenas de amigos contaminados de molho em casa, graças a Deus nenhum em estado grave."
Até o fim de março, os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein tinham 452 profissionais com diagnóstico ou suspeita de covid-19. Na Itália, um dos países que mais sofreu com a pandemia até agora, mais de 10 mil profissionais foram infectados, o que representa cerca de 9% do total de casos.
Na rede pública a situação é ainda mais urgente. Em muitos casos os profissionais não têm equipamento, e comprar é a única maneira de se proteger.
"No hospital particular que trabalho, todos têm os EPI necessários, mas no público não", afirma um médico de 43 anos que trabalha em uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) na região metropolitana de São Paulo. "Comprei máscaras do próprio bolso e distribui entre alguns colegas."
Coronavírus em casa
Os profissionais ouvidos pela reportagem relatam que em casa a situação também é tensa.
"Tenho colegas que mudaram de casa para proteger a família, mandaram os filhos para longe, ficaram doentes, isolados em uma situação arriscada para a esposa", diz um deles, médico de UTI em São Paulo.
"Eu ainda não fiz nada disso, mas confesso que já comprei alguns EPIs, como o face shield (espécie de viseira que protege o rosto inteiro), e deixei em casa. Se eu ou alguém ficar doente, temos como isolar e cuidar com segurança."
"Meu pai é cardíaco e hipertenso, está trancado em casa", diz outra profissional ouvida pela reportagem. "Se eu tiver que ir lá por qualquer motivo, certamente vou colocar uma máscara nele e outra em mim. O ideal seria todo mundo usar."
Os conselhos regionais e sindicatos dos fisioterapeutas, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem tem emitido alertas para falta ou restrição de material, e cobram providências dos hospitais e governos. Conforme mostrou o UOL na semana passada, os sindicatos das categorias já receberam queixas por falta de EPIs contra 40 hospitais, públicos e particulares.
O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) abriu um inquérito para investigar a situação, e o MPF (Ministério Público Federal) solicitou que o governo do Estado de São Paulo divulgue seus estoques de EPIs e cronograma de distribuição, assim como as medidas tomadas contra a falta de materiais.
China cancelou compra brasileira
O Ministério da Saúde distribuiu 40 milhões de EPIs aos estados, e agora está sem estoque. De acordo com o ministro Luiz Henrique Mandetta, uma compra gigante dos Estados Unidos fez com que empresas chinesas cancelassem uma encomenda brasileira de milhões de EPI.
O médico intensivista Roberto**, de 40 anos, que também não quis identificar-se na reportagem, investiu cerca de R$ 150 em um face shield.
A gente vê na TV os equipamentos que o pessoal usa na China, Itália, Coreia, e aqui não é igual. Não é todo mundo que tem o face shield, ninguém até agora está usando aquele macacão que cobre até a cabeça. Por que os nossos equipamentos são menos completos?
"Quem não tem cão, caça com gato"
Muitos itens de segurança similares comumente usados na indústria, oficinas mecânicas e agricultura, por exemplo, atendem aos padrões hospitalares e servem para proteção contra o novo coronavírus. Máscara usada originalmente para soldar entra na lista de compras de emergência.
"Uma colega achou uns parecidos com os de fazer solda e compramos na mesma hora para dividir com o pessoal da UTI. Foi a salvação", diz a fisioterapeuta pulmonar Luciana.
"Quem não tem cão caça com gato."
* (Colaborou Flávio Costa, do UOL em São Paulo)
** Os nomes são fictícios
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