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Rio: Leblon tem maior concentração de infectados. Testes e viagens explicam

9.abr.2020 - Rotina no Leblon, bairro com a maior incidência de pessoas com coronavírus por habitante no Rio - Herculano Barreto Filho/UOL
9.abr.2020 - Rotina no Leblon, bairro com a maior incidência de pessoas com coronavírus por habitante no Rio Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

10/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Com um infectado para cada 517 moradores, o Leblon tem a maior concentração de casos de covid-19 por habitante, no estado do Rio
  • Especialistas acreditam que o índice está relacionado a viagens para o exterior e ao número elevado de testes feitos por moradores do bairro
  • Ontem, o estado do Rio registrou 2.216 casos de covid-19 e 122 mortes. Nas últimas 24 horas, foram 16 óbitos
  • Apesar do tempo nublado ontem no Rio, havia intensa movimentação na orla do Leblon

Com um infectado para cada 517 moradores, o Leblon, bairro nobre da zona sul carioca, tem a maior concentração de casos confirmados de covid-19 por habitante, no estado do Rio de Janeiro. Especialistas acreditam que o índice está relacionado a viagens para o exterior e ao número elevado de testes feitos em pessoas com sintomas compatíveis aos causados pelo novo coronavírus.

A reportagem do UOL foi ao bairro para acompanhar a rotina no Leblon. Ontem (9), os números relacionados à doença foram atualizados no estado do Rio, que registrou 2.216 casos e 122 mortes. Nas últimas 24 horas, foram 16 óbitos.

Só na capital, foram registrados 1.633 casos da doença até ontem. A Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, lidera o ranking em números absolutos, com 147 infectados. Com 89 confirmações, o Leblon aparece em terceiro lugar, atrás de Copacabana (103). Mas é o bairro com a maior concentração de registros.

A infectologista Flavia Gibara, do Hospital de Pediatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que o índice elevado de casos de covid-19 no Leblon pode estar relacionado ao contato com estrangeiros, quando a doença começou a se propagar pelo país.

No começo, os exames foram feitos em pessoas que tinham viajado para fora do país. Isso possibilitou que casos leves fossem diagnosticados. Agora, só são feitos testes em pessoas com sintomas mais graves. O critério mudou.
Flavia Gibara, infectologista

O médico e pesquisador Amilcar Tanuri, chefe do laboratório de virologia molecular da UFRJ, diz que os moradores do Leblon, com melhor poder aquisitivo, podem fazer testes particulares, elevando os índices na região.

"São pessoas que têm dinheiro ou um plano de saúde para fazer o teste em um laboratório privado. Mas a tendência é de que o vírus se espalhe por toda a cidade do Rio nos próximos dias", opina.

Cartazes com orientação no hospital

Cartazes espalhados pelo Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, orientam os pacientes: "Higienize as mãos. Cubra a boca ou o nariz ao espirrar ou tossir. Evite aglomerações". Essa mensagem está em uma das entradas do hospital. Também há recomendações para que as pessoas não sentem ao lado uma das outras.

O coordenador de RH Francisco Colombo, de 40 anos, saiu de lá com a mãe, a aposentada Marlene de Menezes, 65, que foi submetida a uma cirurgia de emergência há três semanas, em meio à pandemia. "O medo era que a minha mãe contraísse essa doença no hospital", conta.

Máscaras de proteção até na orla

É comum ver pessoas com máscaras de proteção no rosto no hospital, nas ruas e até na orla do Leblon. Entregador de produtos de uma feira orgânica, Valmir José da Silva Júnior, de 27 anos, também usava luvas para entregar encomendas aos moradores. "As pessoas não estão seguindo o isolamento como deveriam", reclama.

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9.abr.2020 - Valmir José da Silva Júnior usa luvas e máscara para fazer entregas de produtos orgânicos no Leblon
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

O empresário Paulo Sardinha, 39, diz só sair de casa para passear com o cachorro. "Aí, pode escrever aí que já estou na porta de casa, viu?", brinca, antes de entrar no prédio onde mora com a esposa, a também empresária Romina Quijada, e o cão do casal.

Na entrada de uma cafeteria, um anúncio avisa que o local só faz atendimentos por encomenda. Mas três funcionárias conversavam, sentadas em uma mesa no espaço interno do local, contrariando as orientações do Ministério da Saúde e do governo estadual.

Em um restaurante perto dali, um funcionário anota pedidos de pratos feitos por encomenda. "A coisa não está boa, não", desabafa Ivo de Souza, enquanto passa álcool em gel nas mãos.

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9.abr.2020 - Amigos bebem cerveja próximo ao meio-fio
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Ele também vende uma cerveja para um homem, que pega a garrafa e se afasta para beber em pé, perto do meio-fio. O freguês serve a bebida a um amigo em um copo plástico e, em seguida, se afasta, para manter a conversa com uma distância de cerca de dois metros. "Estou respeitando o isolamento. Mas às vezes preciso tomar uma geladinha, para distrair. Isso aqui ajuda a relaxar um pouco, sabia?", diz o porteiro Adailton Silva, 46.

Praia movimentada, apesar do tempo nublado

Apesar do tempo nublado ontem no Rio, havia intensa movimentação na orla do Leblon, com pessoas fazendo corridas, caminhadas ou circulando de bicicleta. Algumas delas, inclusive, usavam máscara de proteção no rosto.

9.abr.2020 - Rotina no Leblon, bairro com a maior incidência de pessoas com coronavírus por habitante no Rio - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
9.abr.2020 - Rotina no Leblon, bairro com a maior incidência de pessoas com coronavírus por habitante no Rio
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Ao longo da praia, apenas um quiosque estava funcionando, para vender cachorro-quente, água de coco e cerveja. Mas também havia quem passasse por ali só para usar o álcool em gel em cima do balcão.

Não permitimos aglomerações. Então, as pessoas compram e vão embora. Tem gente que vem aqui de madrugada só para beber cerveja.
Caio de Moraes, atendente

Há três semanas, Rafael de Oliveira Francisco, supervisor do quiosque, foi afastado do trabalho porque estava com sintomas compatíveis com o da covid-19. "Eu estava com febre, tosse e uma pressão no peito. Fiquei dez dias em isolamento. Eu posso ter contraído o coronavírus. Mas não entrei para as estatísticas", diz.

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9.abr.2020 - Atendente Caio de Moraes vende coco, cerveja e cachorro-quente em quiosque na orla
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Duas mulheres corriam na praia para brincar com um cão. Com os pés cravados na areia, Leonardo de Lima, 30, que faz entregas de material de limpeza pelo menos três vezes por semana no Leblon, não desviava os olhos do mar. "É para tirar um pouco desse sentimento ruim da cabeça. E quer saber? Acho que esse vírus nem está mais por aí. A vida precisa voltar ao normal", disse, como quem tenta se convencer sobre o retorno de uma rotina que faz parte do passado.