Sistema que monitora aglomerações é diferente do usado contra criminosos
Resumo da notícia
- Governo de SP diz que monitoramento de celulares só mostra aglomerações e que não tem acesso a dados pessoais
- Objetivo, segundo secretaria estadual, é identificar locais onde a adesão é menor e intensificar campanhas de conscientização
- Defendida por Doria, medida foi criticada por Eduardo Bolsonaro, que afirma ver "invasão de direitos"
- Por determinação do presidente, governo federal decidiu adiar o uso de dados de telefones para monitorar o isolamento da população
Anunciado pelo governo de São Paulo na semana passada, o sistema de monitoramento de aglomerações por celulares, contra a expansão do coronavírus, detecta apenas "manchas de calor" no mapa, identificando onde há pessoas reunidas, mas não individualiza os donos do telefone.
Ou seja, a tecnologia permite saber que existe uma aglomeração, mas não quem são as pessoas que estão nela. Por isso, esse tipo de monitoramento não tem como finalidade o combate à criminalidade, de acordo com o governo paulista. No caso da segurança pública, há um outro sistema, de câmeras inteligentes (chamado Detecta), em atividade em São Paulo.
A central de monitoramento do covid-19 analisa o movimento de telefones celulares da população, em uma parceria com as centrais telefônicas. Assim, o governo paulista quer entender em quais regiões a adesão à quarentena é maior e em quais as campanhas de conscientização precisam ser intensificadas.
O sistema é operado pelas operadoras de telefonia. As empresas enviam ao governo "dashboards" (painéis de informações) com porcentagem de celulares que desrespeitaram a quarentena. Esta medição é possível porque entre as 22h e as 2h as operadoras verificam onde cada aparelho estava, determinando o local que a pessoa dormiu. Durante o dia, um deslocamento superior a 200 metros deste ponto é considerado descumprimento do isolamento social.
A secretária de Desenvolvimento Social, Patricia Ellen, afirma que tem acesso somente aos percentuais enviados pela operadora — e não a dados do dono do celular (o que inclui nome, idade, sexo e até mesmo se o telefone está registrado em um CPF ou CNPJ). Segundo a administração estadual, o dado divulgado é sempre referente ao dia anterior.
O cruzamento das informações enviadas pelas operadoras e dos registros de serviços de saúde também permite que o governo envie mensagens de texto para a população. Os alertas informam se a pessoa está em uma região com índices elevados de casos de covid-19.
Diferentemente do monitoramento voltado ao combate do coronavírus, o estado de São Paulo já utiliza contra a criminalidade o Detecta, um sistema que funciona a partir das câmeras capazes de identificar atitudes suspeitas e de disparar alertas para a central da Polícia Militar.
Politização do monitoramento de celulares
O monitoramento de algomerações em São Paulo tem sido usado por grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para atacar o governador João Doria (PSDB). O tucano é defensor do isolamento social — já Bolsonaro, seu adversário político, prega a volta de atividades consideradas não essenciais.
Na sexta-feira (10), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e filho do presidente, criticou a ação de Doria no Twitter. "Monitora celulares de paulistas sem que o povo autorize, numa total invasão de direitos nunca vista antes no Brasil; esquerda, mídia e isentões se calam", disse.
Após a publicação, aliados do presidente da República endossaram a declaração do parlamentar e também criticaram o governador tucano. O governo paulista afirmou, no entanto, que "esse tipo de alegação não tem respaldo nenhum na realidade".
Na opinião da desembargadora Ivana David, não há violação de lei se as empresas de telefonia não acessarem os dados cadastrais. "A geolocalização com indicação da linha e seu proprietário só é possível para fins criminais e com prévia autorização judicial", diz. "Só a mancha não viola absolutamente nada", afirma.
Sobe isolamento social em SP
Doria disse que o índice de isolamento social subiu de 47% para 59% no domingo, o que ele classificou como uma "conquista". O governo chegou ao dado por meio o monitoramento via celulares.
O governador voltou a defender que, com isolamento, o risco de expansão da infecção será menor. "Quero pedir às pessoas que continuem fazendo esse esforço, pessoas que atenderam a recomendação da saúde, da medicina, da ciência."
Doria, no entanto, negou que tenha a intenção de proibir a população de sair de casa durante a quarentena no estado. Durante entrevista coletiva concedida ontem, ele afirmou que o governo não vai restringir o direito das pessoas de ir e vir, mas disse que não vai estimular o desrespeito ao isolamento social.
"Vamos proteger o direito e liberdade de ir e vir. Nunca o governador pensou em restringir o direito de ir e vir. Não faremos nenhum estímulo para que as pessoas possam desrespeitar a orientação da quarentena e o direito à vida", afirmou.
Governo federal adia uso de dados de celulares
O uso do sistema de monitoramento de aglomerações gerou atrito entre membros do governo federal. Um acordo similar, que havia sido assinado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, foi freado por Bolsonaro após o anúncio feito por Doria.
O ministro Marcos Pontes chegou a publicar em sua conta no Twitter um vídeo que anunciava a parceria do governo federal com empresas de telefonia, mas deletou a informação após Doria divulgar o acordo — a publicação foi apagada no mesmo dia em que Eduardo Bolsonaro criticou Doria pelo uso da tecnologia nas suas redes sociais.
Ontem, o ministro Pontes informou que, a pedido do presidente, o governo federal decidiu adiar o uso de dados de celulares para monitorar o deslocamento das pessoas em meio à pandemia de coronavírus.
Segundo ele, Bolsonaro pediu "prudência" no monitoramento e, em razão desse pedido, a medida será adiada até a aprovação definitiva do tema pelo governo.
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