Topo

Isolamento e pouco teste: o que difere Brasil e EUA no avanço da covid

14.abr.2020 - Enterro do técnico de enfermagem Jorge Alexandre de Oliveira Andrade no Rio - Herculano Barreto Filho/UOL
14.abr.2020 - Enterro do técnico de enfermagem Jorge Alexandre de Oliveira Andrade no Rio Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

17/04/2020 04h00

Apesar das dimensões continentais e presidentes com discursos alinhados, Brasil e Estados Unidos guardam contrastes quanto à propagação do coronavírus assim como na reação à doença e políticas adotadas.

O Brasil atingiu a milésima morte bem mais cedo do que os EUA considerando o início da epidemia em cada país. Embora os números divulgados indiquem desaceleração em relação aos EUA depois deste marco, o Brasil sofre com baixa testagem e demora no diagnóstico de mortes —um óbito ocorrido em 17 de março, dois dias depois da primeira morte, só foi computado pelo governo na última quarta-feira (15).

Em fases diferentes da epidemia, o Brasil registrava até ontem 1.924 óbitos —o país completa hoje um mês da primeira morte pelo coronavírus—, enquanto os EUA somavam 30.296 mortes —47 dias após a primeira morte registrada em território norte-americano.

Considerados o epicentro da pandemia, os EUA tiveram seu primeiro infectado em janeiro, enquanto isso só ocorreu no final de fevereiro no Brasil. Os Estados Unidos atingiram mil mortes no 67º dia da epidemia, em março. Já o Brasil, também partindo do primeiro dia da chegada da covid-19, ultrapassou a marca de mil óbitos em 45 dias, em 10 de abril.

A curva de mortes nos EUA crescia contudo de forma mais acelerada quando atingiu a marca de mil —o número de óbitos dobrava a cada três dias, tendo sido observada só uma desaceleração perto das 10 mil mortes. Já quando o Brasil alcançou mil mortes o ritmo era de duplicação a cada cinco dias, e essa velocidade tem sido ainda menor nesta semana.

O que explica esse comportamento? A reportagem do UOL ouviu especialistas que apontaram contrastes entre os cenários dos dois países.

1) Brasil tem só um epicentro da doença e os EUA, vários

Os estados com maior número de casos no início da epidemia eram o Rio de Janeiro e São Paulo, justamente aqueles que têm os aeroportos internacionais com maior número de conexões com a Europa. Já nos EUA, há vários aeroportos espalhados pelo país com conexões com o exterior e especialmente a Europa. Nova York, a mais atingida pela epidemia no país, é a cidade norte-americana mais cosmopolita.

"Não falaria que a situação está mais drástica ou pior no Brasil do que nos EUA. Temos uma dinâmica de espalhamento mais lenta no Brasil. A dinâmica nacional é diferente porque lá todo aeroporto tem ligação com a Europa. O Brasil teve um só epicentro no Rio e São Paulo", afirmou o físico da Unesp Vitor Sudbrack, integrante do Observatório Covid-19 que estuda a propagação da doença no país.

"É um país [EUA] muito atípico. Porque cada estado tem uma conexão para Europa. É como se tivessem 50 epidemias simultâneas no mesmo lugar."

Sudbrack explicou que, no Brasil, o vírus chega por aeroporto e depois se espalha por rodoviárias e conexões por terra ou voos domésticos.

2) Brasil adotou mais cedo medidas de isolamento

Os estados brasileiros adotaram medidas de distanciamento social mais cedo do que boa parte dos estados norte-americanos. São Paulo e Rio já tinham decretos para fechar comércio e serviços não essenciais menos de uma semana após a primeira morte no país, ocorrida em 17 de março.

Em 25 de março, a maioria dos estados anunciou que manteria restrições de mobilidade de diversos graus apesar da pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para relaxar as medidas.

Em Nova York, o governador Andrew Cuomo e o prefeito Bill de Blasio só adotaram medidas de restrições, como fechar escolas e comércio, em 22 de março. A primeira morte em território norte-americano já tinha ocorrido portanto havia 22 dias.

Estados como Flórida e Texas deram determinações por etapas sobre fechar estabelecimentos. Já o Arkansas e Nebraska proibiram funcionamento do comércio, mas deram recomendações leves para as pessoas ficarem em casa. A Califórnia foi a que tomou medidas restritivas mais duras e mais cedo: tem tido um número menor de mortes.

"A curva do Brasil cresceu mais rápido e depois passou a crescer mais devagar. As mortes e casos são pelas medidas que surtiram efeito ou pela falta de testes. Ou pelos dois", explicou o físico Silvio Ferreira, da Universidade de Viçosa, que trabalha com modelos de propagação de epidemias.

Segundo ele, inicialmente, as curvas de crescimento da covid-19 em ambos os países são parecidas independentemente do tamanho da população: sua velocidade se alterna posteriormente com medidas adotadas pelos governos ou natureza de cada país.

3) Baixa testagem e subnotificação no Brasil

Há uma diferença grande no número de testes entre os dois países, o que também influencia na percepção da propagação da doença.

Os EUA fizeram 3,2 milhões de testes, segundo o COVIDTrack —1.072 testes por 100 mil habitantes. No caso brasileiro, só foram confirmados 62 mil testes realizados pelo Ministério da Saúde. Isso significa 29 testes por 100 mil habitantes.

"Exames privados eram caros nos EUA no início e a população não testava. Quando começaram a testar em massa em Nova York, já tinham muitos casos. A primeira fase foi apaziguada pela falta de testes. Estava correndo antes do que se pensava", explicou Sudbrack.

Embora tenham feito mais testes do que o Brasil, os EUA também enfrentam falta de exames para verificações em massa, medida recomendada para controlar o avanço da epidemia. Por isso, a prioridade tem sido testar pessoas que vão aos hospitais, funcionários da área médica e idosos. A exceção é Nova York, onde a aplicação de exames foi aumentada pela gravidade da situação.

Estudo feito pela Universidade de Pelotas (RS) aponta que a epidemia é bem maior do que o número de casos oficiais. Foram aplicados testes aleatórios no estado gaúcho. A constatação é de que o número de infectados é quatro vezes maior do que o divulgado pelo Ministério da Saúde.

No caso das mortes, também há evidências de subnotificação. As mortes por insuficiência respiratória e pneumonia no Brasil tiveram um salto em março. Foram 2.239 mortes a mais em março passado do que no mesmo período de 2019, o que levanta a suspeita de que vítimas do coronavírus podem estar entrando nas estatísticas de outros problemas respiratórios.

No Brasil, também tem sido observado atraso nas notificações de mortes em razão da demora nos resultados dos testes. Boletim do Ministério da Saúde registra uma morte em 15 de março, mas na ocasião o primeiro óbito fora confirmado dois dias depois. O relatório de ontem revela que só foram registradas cinco mortes na própria quinta-feira (16) justamente porque é necessário um tempo para concluir os exames.

01.abr.2020 - Encontro de Donald Trump e Jair Bolsonaro na Flórida - TOM BRENNER - TOM BRENNER
01.abr.2020 - Encontro de Donald Trump e Jair Bolsonaro na Flórida
Imagem: TOM BRENNER

4) Trump e Bolsonaro X governadores

Para efeito futuro da curva dos dois países, há a pressão dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro para reabrir setores da economia e relaxar medidas de distanciamento social.

Trump tem sido menos radical do que o brasileiro: aceitou dar recomendações para que os norte-americanos ficassem em casa. Mas agora já fala em medidas para liberar as pessoas para trabalhar, o que entra em confronto com ordem dos governadores democratas.

Já Bolsonaro tem pressionado por um isolamento vertical que deixaria fora de circulação apenas idosos e grupos de risco. A discordância sobre essa questão foi um dos motivos para a demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde.

O STF (Supremo Tribunal Federal) entende que os governadores e prefeitos têm a prerrogativa de impor medidas restritivas de mobilidade em nome da saúde pública. Nos EUA, juristas entendem que os governadores também têm o poder sobre esse quesito em seus estados.