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"Não recebia remédios e acordava suja", diz paciente de hospital em Manaus

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

24/04/2020 04h07

Pacientes de hospitais públicos de Manaus estão expostos à falta de medicamentos e de cuidados mais básicos por causa do colapso do sistema de saúde. A cidade é uma das mais atingidas no país pela pandemia do novo coronavírus e enfrenta também um caos funerário.

Pedi a meus parentes para me tirarem do Hospital 28 de Agosto porque eu não estava recebendo remédios e tinha eu mesma que me limpar já que os enfermeiros e técnicas de enfermagem não trocavam minhas fraldas.

A afirmação é da funcionária pública Maria, 45. Ela esteve internada durante oito dias na unidade hospitalar, cuja gestão é de responsabilidade do governo do Amazonas. O nome usado nesta reportagem é fictício, a seu pedido.

Ela afirmou ainda que conversou com uma médica sobre seu prontuário, onde estava anotado de que ela havia tomado medicações. "A senhora já está no fim do tratamento", disse a médica, ao que Maria exclamou: "Mas eu não tomei remédio nenhum"!

O UOL indagou a Susam (Secretaria de Saúde do Estado) sobre as deficiências de atendimento citadas pela paciente. A secretaria afirma que "a unidade em questão sente os efeitos da pandemia e os pacientes estão recebendo a assistência possível neste momento."

A paciente chegou ao Hospital 28 de Agosto, um dos maiores do Amazonas, no último dia 13 de abril. Na semana anterior, ela havia sido levada pela filha a três unidades de pronto atendimento. Tossia muito, sentia febre e falta de ar. Os médicos a liberaram sem que ela fizesse teste para covid-19.

Ao chegar no hospital público, deparou-se com um quadro grave de falta de estrutura.

"Me colocaram numa maca. Ali começou meu sofrimento. De manhã não me deram medicação nenhuma, só fiquei no O2 (botija de oxigênio). Depois me levaram para fazer uma tomografia. Quando foi à noite, me deram uma pílula de cloroquina e azitromicina. E ainda deram uma injeção na barriga e eu apaguei."

Maria afirma que nunca mais tomou os medicamentos acima mencionados. Passou a perder o controle de suas funções corporais, mas não recebia o tratamento adequado por parte de enfermeiros e técnicos de enfermagem.

Eu fiquei desidratada. Ficava horas sem beber água. Levantava a mão para chamar alguém. Pedia fraldas para me trocar, eles me demoravam para entregar. Acordava suja de cocô e xixi. Eu mesmo tinha que me trocar.

Parentes ouvidos pela reportagem afirmam que questionaram os médicos do Hospital 28 de Agosto. Um deles teria admitido que não havia remédios. Eles decidiram tirar Maria do local.

"O médico ameaçou dizendo que ela não seria tratada em nenhuma outra saúde pública. Depois se recusou a dar um atestado. Mesmo assim a gente decidiu que ela não deveria ficar lá".

Antes de sair, Maria se submeteu a um teste para verificar se estava infectada pelo coronavírus. O resultado ainda é desconhecido.

Mesmo em casa, ela se sente melhor. "Se continuasse lá, eu acho que talvez eu viesse a morrer.

Secretaria nega falta de medicamento

A Susam afirmou que o único medicamento em falta no Hospital 28 de agosto é o Tamiflu

"Indicado se houver suspeita de infecção pelo vírus influenza, o medicamento é liberado para as unidades de todo o país somente pelo Ministério da Saúde."

Ainda de acordo com a nota, o governo do Amazonas diz que "tem atuado para aumentar o número de profissionais nas unidades, garantir insumos e equipamentos, o que neste período de pandemia torna-se muito mais complexo."

Um total de 80 profissionais, entre técnicos e enfermeiros, foi convocado para atuar na unidade. Eles começaram a assumir os postos de trabalho no último domingo (19), diz a Susam.

Até a semana passada, somente no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, 350 profissionais estavam afastados, por diferentes motivos.