Motoristas de ônibus em SP citam medo e falta de EPI após 15 colegas mortos
Motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo afirmam trabalhar desde o início da pandemia da covid-19 com pouca ou nenhuma proteção: os que usam máscara as compram com o próprio dinheiro; há escassez de álcool em gel, luvas ou qualquer política que os proteja.
Até o momento, segundo o Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo, há 15 mortes na categoria contabilizadas com o novo coronavírus como causa —11 suspeitas, no aguardo da confirmação, e quatro confirmadas.
De acordo com a Secretaria de Saúde do Sindmotoristas, 175 profissionais são suspeitos de contaminação por covid-19.
Outros 27 casos já foram confirmados, além das mortes. O UOL conversou com quatro motoristas de ônibus de empresas diferentes e, de todos, ouviu queixas similares: além da falta de EPIs, são os próprios que fazem a higienização dos veículos.
Os motoristas entrevistados pediram que não fossem identificados por medo de represálias e tiveram os nomes alterados.
Procurado pela reportagem, o sindicato dos motoristas confirma as acusações dos profissionais, mas nega omissão e diz "estar pressionando as empresas para que forneçam EPIs e protejam os funcionários". A entidade que representa as empresas alega haver distribuição regular de material de proteção (leia mais abaixo).
A jornada de trabalho, segundo um funcionário da empresa ViaSudoeste, permanece a mesma. Entretanto, como há motoristas que estão afastados por fazerem parte do grupo de risco, condutores na ativa acabam cumprindo uma carga horária superior —e não ganham por isso.
Álcool "com cheiro de cachaça"
"Quando começou a pandemia, [a empresa] deu um frasquinho de álcool para a gente, mas não era álcool em gel e tinha um cheiro muito estranho; parecia cachaça, era um tipo de álcool líquido, acho que misturado. Muitos funcionários que passaram esse produto nas mãos ficaram com a pele bastante irritada; machucou mesmo", conta Sérgio*.
"Na segunda-feira (20), [a empresa] deu uma máscara descartável para cada trabalhador. Uma máscara só. Tem funcionário que não está se protegendo. Os que estão compram máscaras e luvas com o próprio dinheiro".
Entre os funcionários da viação Metrópole Paulista, a queixa é a mesma. Um funcionário ouvido pelo UOL relata que, aos trabalhadores, foi entregue um frasco de 100 ml de álcool em gel. Quando o conteúdo do frasco acabou, ele relata, motoristas e cobradores tentaram repor utilizando um recipiente com álcool em gel que fica dentro da empresa. Não foi permitido.
"Quem limpa os ônibus, quando acabam as viagens, são os próprios funcionários. Limpam apenas com máscara, luva e água sanitária. Nas garagens, só tem sabonete nos banheiros se a gente pede; caso contrário, eles não repõem. Como lavar as mãos assim? Se abrir a boca para reclamar, ou questionar algo, a gente é mandado embora —e por justa causa, ainda", diz. "Uma colega se sentiu mal ao passar o álcool fornecido pela empresa. Ao explicar para o sindicato, ouviu de um representante 'eu já tô colocando álcool e você tá achando ruim'?", relata Mário*.
"Se depender da empresa, a gente vai morrer"
"Se depender da estrutura da empresa, a gente vai morrer", diz Pedro*, funcionário da viação Santa Brígida. Em entrevista ao UOL, ele relata que depois das 7h, enfermeiros começam a medir a temperatura dos funcionários que chegam às garagens. Contudo, há motoristas e cobradores que começam o expediente ainda pela madrugada, entre 3h e 4h.
"A gente pega o ônibus e vai para a linha, sem receber qualquer tipo de máscara, álcool ou luva. Seria ideal ter um vidrinho de álcool em gel dentro do ônibus, já que, deste modo, a pessoa entra, higieniza as mãos e evita a contaminação, inclusive, entre os próprios passageiros", diz. O ônibus que Pedro dirige recebe oito viagens lotadas todos os dias. "Acham que somos imunes e não dão condições para que a gente trabalhe com segurança".
Pânico no grupo
Motoristas e cobradores se unem em um grupo de WhatsApp. Entre eles, são trocadas mensagens que demonstram medo e aflição.
"Alguns até ficam incomodados quando comentamos as mortes dos nossos colegas. Está todo mundo apavorado, ansioso, com medo. Só que a gente não tem outra opção, precisa trabalhar. Compro meu próprio álcool em gel e, a cada viagem, encharco o volante", diz Pedro.
Segundo um motorista da viação Gatusa, os fiscais dos ônibus ficam nos terminais e, assim que chegam, os funcionários podem higienizar as mãos com o álcool em gel que fica com eles. Ainda assim, a empresa também não forneceu máscaras.
"Não é suficiente para amenizar o medo das pessoas. Bastante gente morreu, tem colegas que não conseguem dormir à noite. [Há] trabalhadores casados que temem chegar em casa e contaminar a esposa, os filhos. A situação é bastante crítica, o medo é de tudo: de morrer a perder o emprego".
Todos os profissionais ouvidos pelo UOL relatam dificuldade na comunicação com o sindicato. Um deles afirma que nem por telefone é possível falar com algum representante da entidade.
O sindicato afirma que vai entrar com uma ação na Justiça para que empresas de ônibus forneçam proteção aos condutores. Em nota, explica. "Diante da omissão e negligência das empresas de ônibus de São Paulo, o Sindmotoristas ingressará com uma ação na justiça para que a distribuição de máscaras, luvas e álcool em gel seja obrigatória, sob pena de multa em casos de descumprimento."
Não é de hoje que a direção do sindicato tem buscado meios para proteger os condutores de São Paulo ao contágio. 'Desde os primeiros casos no Brasil, o sindicato tem notificado as empresas e o Poder Público sobre as necessidades de oferecer aos motoristas e cobradores os EPIs, mas ao que tudo indica, os patrões têm ignorado o apelo da entidade e dos profissionais', afirma o presidente, o deputado federal Valdevan Noventa".
Empresas afirmam distribuir material de proteção
Procurado pela reportagem, o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), em nota, nega as acusações.
"As empresas têm fornecido máscaras para todos os funcionários, bem como disponibilizado álcool em gel nos terminais. Quanto às máscaras, estavam sendo fornecidas aquelas do tipo descartável. No entanto, estão sendo distribuídas novas máscaras reutilizáveis, com maior durabilidade, tendo, porém, havido problemas pontuais de distribuição do produto, devendo haver em breve normalização".
"Quantos aos frascos de álcool em gel, infelizmente constata-se muitos atos de vandalismo e utilização inadequada, o que pode acarretar, por via de consequência, ainda que por pouco tempo, a falta do produto em alguns locais."
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