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Fim do isolamento social gera apreensão entre médicos: "Risco enorme"

Um profissional de saúde, usando equipamento de proteção, transporta o corpo de uma pessoa para um caminhão refrigerado durante o surto de doença por coronavírus (COVID-19), no hospital Dr. João Lucio Pereira Machado, em Manaus - BRUNO KELLY/REUTERS
Um profissional de saúde, usando equipamento de proteção, transporta o corpo de uma pessoa para um caminhão refrigerado durante o surto de doença por coronavírus (COVID-19), no hospital Dr. João Lucio Pereira Machado, em Manaus Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

27/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Estados têm ensaiado abertura de atividades comerciais em meio à pandemia do novo coronavírus
  • Com o maior número de casos no país, São Paulo projeta retomar volta das atividades a partir do dia 10 de maio
  • No interior do Estado, entretanto, cidades apresentam situações distintas, casos de Araraquara e Sorocaba
  • Médicos entrevistados pelo UOL consideram fim do isolamento precipitado e temem perda de controle da doença

A proposta de alguns estados de afrouxar as regras de isolamento social, permitindo que as pessoas, aos poucos, retomem suas atividades, trouxe apreensão a médicos que lidam diretamente com os pacientes contaminados pela covid-19. São Paulo é um dos estados que mais traz preocupação, pois concentra o maior número de casos confirmados e mortes em decorrência do novo coronavírus e ensaia uma abertura para a segunda semana de maio.

"Acabar com o distanciamento físico neste momento é impossível", alerta o médico Leonardo Weissmann, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Outras unidades da federação se anteciparam e passaram a flexibilizar o isolamento. As medidas restritivas foram enfraquecidas em estados como Goiás e Santa Catarina, onde houve "comemoração" do fim do isolamento durante a abertura de um shopping em Blumenau.

No Centro-Oeste, estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul delegaram aos municípios o poder sobre a reabertura, enquanto no Norte e no Nordeste a estrutura da saúde pública agoniza. Pelo menos quatro estados nessas regiões tinham, até a semana passada, mais de 90% de ocupação das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva).

"O afrouxamento das medidas de contenção do vírus, caso ocorra, deve ser feito com muita responsabilidade, especialmente em cidades menores, para que não haja um colapso do sistema de saúde", acrescenta o médico.

Essa responsabilidade citada por Weissmann vai de encontro a projetos de abertura. Na semana passada, o secretário estadual de Saúde de São Paulo, José Henrique Germann, citou fatores como diminuição de novos casos, aumento do número de testes e a capacidade de leitos da rede pública de saúde para respaldar a reabertura em maio, mas não entrou em detalhes.

Municípios deverão obedecer, dependendo da situação, três níveis relacionados à covid-19: zona vermelha, amarela e verde. Até a última sexta-feira, nenhuma cidade estava em situação verde, e 124 delas têm pelo menos uma vítima fatal do novo coronavírus.

Os maiores municípios do estado, no entanto, passam por situações delicadas, com possibilidades consideráveis de escassez de leitos de UTI. Dados mais recentes mostram que 57,7% dos leitos para tratamento intensivo estão ocupados no estado, e não há sinal de arrefecimento.

"O governo estadual está vislumbrando atender às diferentes realidades do estado, onde cidades estão com diferentes níveis de acometimento [pela covid-19]. Esse plano deve ser tomado com cautela, pois a dinâmica de transmissão se dá com pessoas ainda na fase assintomática. Flexibilizar de forma muito ampla pode ser um retrocesso no custoso achatamento obtido até agora", comenta o infectologista Natanael Adiwardana, que atua em três hospitais na linha de frente do combate à covid-19.

Somente na capital paulista, 45.518 casos são investigados como suspeitos do novo coronavírus e 1.603 pessoas morreram sob suspeita da doença e, com a escassez de testes, seus óbitos foram registrados com causa de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), de acordo com informações divulgadas pela prefeitura na última sexta-feira.

Na Grande São Paulo, 76,9% dos leitos de UTI estão ocupados, segundo dados divulgados pela Secretaria de Saúde do Estado.

O distanciamento social ainda é vital para ganharmos tempo, até que melhores ensaios clínicos terapêuticos e estruturas de retaguarda para pacientes graves sejam garantidos, o que não parece ser o ponto em que chegamos ainda"
Natanael Adiwardana, médico infectologista em SP

Araraquara libera, Sorocaba restringe

Com 233 mil habitantes, Araraquara exemplifica as propostas contraditórias no estado mais populoso do país. Ao mesmo tempo em que o município está construindo um hospital de campanha para lidar com pacientes do novo coronavírus, o prefeito Edinho Silva (PT) liberou o funcionamento de alguns serviços nessa semana, como imobiliárias e academias, com regras específicas.

Em caminho distinto, a prefeita de Sorocaba (670 mil habitantes), Jaqueline Coutinho (PSL), endureceu algumas medidas de isolamento. Apesar de ter liberado alguns serviços, ela estipulou regras como a interdição de um terço das vagas de estacionamento em supermercados e triagem prévia em bancos e lotéricas.

"Não dá para saber se o isolamento social deu certo e, por isso, as pessoas não estão se infectando, ou se estamos largando o osso muito cedo. Os números estão menores do que o esperado em Sorocaba, mas tenho medo. A infecção é algo exponencial, então com vários ciclos milhões podem ser contaminados", diz um médico que trabalhou com pacientes contaminados no Conjunto Hospitalar de Sorocaba.

A situação do interior paulista em relação à pandemia pode ser considerada mais preocupante do que a da capital, posto que há evidências de que essas cidades estão vivendo um momento retardatário em relação à proliferação do vírus. Um estudo da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Presidente Prudente e Botucatu, divulgado no último dia 17, mostrou que municípios do interior podem ter dados defasados em até três semanas.

A expansão do coronavírus, mesmo que em menores proporções que na capital, pode trazer consequências ainda mais perversas por conta do menor acesso da população a hospitais e estruturas de saúde pública.

DF preocupa médica

Entre as unidades da federação com mais casos proporcionais, o Distrito Federal permitiu nesta semana que imobiliárias, empresas de advocacia, contabilidade, engenharia e arquitetura voltem a funcionar. Lá, há pelo menos 989 casos confirmados, 26 mortes e 31 pessoas que estão internadas em tratamento intensivo, segundo dados da última sexta-feira.

A médica infectologista Joana D'arc, que está trabalhando com os infectados desde o começo da pandemia no DF, acredita que afrouxar algumas medidas de contenção é "um risco enorme". "A saída do isolamento vai depender do nível de emergência de cada cidade. A realidade brasileira varia muito, às vezes em uma mesma cidade há perfis diferentes de acordo com cada bairro."

Se a gente não investir no isolamento social, no afastamento, no distanciamento mínimo entre as pessoas, a possibilidade de termos um número maior de casos vai aumentando com o tempo. A chegada do inverno também é uma grande preocupação, então temos muita cautela ao pensarmos em retirar as medidas. Primeiro precisamos garantir um mínimo de mudança de comportamento e a conscientização da população."
Joana D'arc, médica infectologista no DF