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Médico, prefeito no Pará crê que sol quente mata covid e não fecha comércio

Nélio Aguiar, prefeito de Santarém-PA - Reprodução/Facebook
Nélio Aguiar, prefeito de Santarém-PA Imagem: Reprodução/Facebook

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/04/2020 21h40Atualizada em 29/04/2020 09h06

O prefeito de Santarém (PA), Nélio Aguiar, que também é médico especialista em otorrinolaringologia, acredita que o sol quente mata o novo coronavírus, causador da doença covid-19, e não fechou o comércio durante a pandemia, conforme indicação de decreto ainda vigente do governo estadual do Pará, que determina funcionamento apenas de departamentos essenciais. Infectologistas afirmam que o isolamento social é a melhor forma de prevenção da doença que já matou 4.543 pessoas no Brasil.

O prefeito alterou o horário de funcionamento do comércio e determinou que os estabelecimentos só podem operar das 9h às 15h, horário em que, segundo ele, é o período mais quente do dia, e autorizou todas as lojas a ficarem abertas. A informação foi divulgada ontem pelo próprio prefeito no Twitter, mas a publicação foi apagada na manhã de hoje, após uma série de críticas.

"Por isso que, no início das nossas medidas, no lugar de fecharmos o comércio, optamos em alterar o horário do comércio entre 9 às 15 horas. Nesse horário o sol está mais quente, em tese teríamos a redução do risco de contaminação pelo coronavírus. Com um risco maior à noite", disse o prefeito, explicando a teoria.

Desta forma, o isolamento social em Santarém está afetado porque trabalhadores são obrigados a saírem de casa todos os dias, correndo risco de exposição ao novo coronavírus.

"[Uma] Pesquisa mostra que a luz do sol mata coronavírus rapidamente em superfícies e no ar. O estudo descobriu que o novo coronavírus morre mais rapidamente quando na presença da luz direta do sol. Pesquisa do Departamento de Segurança Nacional (DHS) dos Estados Unidos", escreveu o prefeito de Santarém.

Com o comércio aberto e a informação do prefeito médico, os moradores da cidade se sentem seguros que podem sair durante o dia porque o vírus se espalha à noite.

"Estava cansada de ficar em casa, comprei uma máscara pra mim e outra pra meu filho e viemos dar uma olhada nas novidades das lojas em promoção", disse Fernanda Correia, 34, enquanto passeava pelo centro da cidade.

"Se o prefeito diz, tá certo. Ele é médico e a gente tem de ter confiança", completou.

Infectologista critica tese de prefeito

O médico infectologista Fernando Maia, professor do curso de medicina da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), refuta a teoria do prefeito de Santarém de que o calor diminuirá a incidência do coronavírus.

"Acredita-se que o clima do Nordeste dificultaria a vinda do vírus, mas parece que não. O Ceará está um caos."

O infectologista afirma que é precipitada a abertura do comércio nas cidades porque o ápice do contágio nas regiões Norte e Nordeste é agora, devido ao clima da estação e a densidade demográfica. Além disso, o médico ressalta o descumprimento do isolamento social.

"Cada região do Brasil tem uma época própria de expansão do coronavírus. Aqui no Norte e Nordeste é agora devido ao clima. Existem vários 'brasis' dentro do Brasil, somos um país continental. Mesmo usando máscara ainda existe [a necessidade de fazer] o distanciamento de pelo menos um metro e, se [as pessoas] usassem máscara, ainda se poderia pensar [se o comércio deve ser reaberto ou não]", explica Maia.

O médico ressalta que apesar de a comunidade acadêmica ter pensado antes que o clima do Brasil dificultaria a sobrevivência do vírus, concluiu-se que "nada substitui o isolamento social nesta fase de expansão da epidemia que estamos vivendo aqui no Norte e Nordeste do Brasil".

O infectologista ainda alerta para as prevenções que as pessoas devem adotar neste momento de pandemia da covid-19.

"É manter o isolamento, rigorosamente, e lavar as mãos. Fiquem em casa! Quanto mais ficamos isolados agora, mais cedo retornaremos à vida normal", diz o infectologista, destacando os cuidados com limpeza e higiene pessoal.

Prefeitura diz defender isolamento social

O UOL entrou em contato com a assessoria de imprensa do prefeito no dia da publicação da matéria e a resposta foi enviada um dia depois. A nota informa que Aguiar "não repudiou ou desmereceu a política de isolamento social" ao comentar uma notícia sobre pesquisa que o sol quente mata o novo coronavírus.

Segundo a prefeitura, o isolamento social é defendido pela gestão. "É o carro-chefe da luta contra o novo coronavírus em Santarém, mas que depende e muito da colaboração de todos".

A prefeitura de Santarém informou que as recomendações do prefeito Nélio Aguiar e da Semsa à população do município sobre o novo coronavírus "são as mesmas recomendações determinadas pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde".

Segundo a prefeitura, foram adotadas medidas preventivas de combate ao vírus em 16 de março, entre elas: assinatura de decreto que declarou situação de emergência no município; instalação de comitê de gestão de crise; plano de contingência municipal para infecção humana pelo novo coronavírus; recomendação de isolamento social, além de ações sanitárias e condutas de etiqueta social.

A nota diz que no dia 18 de março foram suspensos "todos os eventos públicos de órgãos municipais, instituímos vedação de concessões de licenças ou alvarás para realização de eventos privados, suspendemos as aulas na rede municipal, suspendemos pontos dos servidores e todas as atividades coletivas realizadas pelo município." Estão proibidos atos coletivos, como: cultos e missas, e voos sem barreira sanitária de centros em colapso na rede pública de saúde.

O uso de máscara de proteção está como item obrigatório para quem precisar sair de casa. "O horário do comércio foi reduzido para seis horas por dia, após diálogo com empresários e trabalhadores. E se preciso for fechar o comércio, vamos fazê-lo."

O CRM (Conselho Regional de Medicina) do Pará informou que não vai se manifestar, pois Aguiar "agiu como prefeito, apesar de ser médico".

"O conselho só age se houver ato médico envolvido, sendo preservado o sigilo devido e determinado no Código de Processo Ético Profissional."

Cinco pessoas já morreram de covid-19 em Santarém

Cinco pessoas morreram de covid-19 em Santarém e existem outras 48 infectadas com o novo coronavírus — destas, oito estão internadas em leitos e duas na UTI do Hospital Regional do Baixo do Amazonas. Outros 21 infectados estão em tratamento domiciliar e 17 pessoas se recuperaram da doença, de acordo com boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde de Santarém.

No Pará, 114 pessoas morreram em decorrência da infecção do novo coronavírus e existem 2.128 pessoas com covid-19, segundo dados divulgados hoje pela Secretaria de Saúde do Pará.

A pandemia do novo coronavírus matou 4.543 pessoas no Brasil e infectou 66.501, de acordo com dados de hoje do Ministério da Saúde.