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RJ: 3 em cada 10 mortes por covid ocorreram fora de hospitais de referência

30.abr.2020 - Sepultamento de vítima de coronavírus no Cemitério de Irajá, na zona norte do Rio - JORGE HELY/ FRAMEPHOTO/ ESTADÃO CONTEÚDO
30.abr.2020 - Sepultamento de vítima de coronavírus no Cemitério de Irajá, na zona norte do Rio Imagem: JORGE HELY/ FRAMEPHOTO/ ESTADÃO CONTEÚDO

Igor Mello

Do UOL, no Rio

01/05/2020 04h00

Resultado do colapso do sistema de saúde do Rio de Janeiro, dados do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) do Ministério da Saúde mostram que três em cada dez vítimas confirmadas de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, morreram antes de receber atendimento adequado em hospitais de referência para a enfermidade.

Os dados foram levantados pelo médico sanitarista Daniel Soranz, pesquisador da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública) da Fiocruz e ex-secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro. O levantamento considerou 383 mortes confirmadas até 21 de abril em todo o estado.

Segundo os dados, 4,9% das vítimas do coronavírus morreram em casa, sem sequer ter acesso a um serviço de saúde. Outros 25,4% dos óbitos ocorreram em emergências de hospitais, UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento) e CERs (Centros de Emergência Regionais). Os demais 68% morreram em hospitais de referência para o tratamento da covid-19.

Para especialistas, uma parcela tão alta de mortes fora de unidades adequadas é sintoma do colapso da rede de saúde pública do Rio. Dados da Central Estadual de Regulação, que controla leitos públicos municipais, estaduais e federais, mostram que nesta quinta-feira (30) havia 361 pacientes na fila por um leito de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), com casos em que o tempo de espera por uma transferência supera uma semana.

O estado do Rio registrou ontem 854 mortes confirmadas pela covid-19 —só na capital fluminense, o total de óbitos foi de 535. O RJ tem 9.453 casos confirmados até agora.

Falta de recursos para atendimento

Profissionais que atuam nessas unidades de urgência têm relatado um gargalo no fluxo de pacientes. O esperado é que pacientes com quadros graves fossem estabilizados em áreas chamadas de salas vermelhas e, então, transferidos para leitos de UTI nos hospitais de referência. Essas salas vermelhas possuem estrutura para cuidados intensivos e fazer a reanimação de pessoas com quadros de parada cardiorrespiratória.

Já os pacientes atendidos nas salas amarelas —destinadas a pacientes com alguma gravidade, mas que já estão estabilizados— devem ser mandados para leitos de internação convencionais em unidades de referência. Para estas vagas, a fila já chega a 1.350 pessoas.

Segundo o infectologista Edimilson Migowski, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as mortes mostram que a rede de saúde do Rio não é mais capaz de comportar pacientes.

Esses dados mostram a sobrecarga da saúde pública. É o caos. Chegamos ao ponto em que chamamos de colapso. (...) Mas esse cenário de colapso não é um limite, a partir que se chega a ele a situação ainda pode piorar

Edimilson Migowski, infectologista

Ele afirma que, embora sejam espaços para um atendimento rápido, as salas vermelhas têm se tornado, na prática, vagas de internação, o que é inadequado.

"A sala vermelha serve para iniciar os procedimentos para manter a pessoa viva e transferir para outro lugar. É um espaço para reanimação cardiorrespiratória ou observação após quadros de parada. Uma UTI tem equipamentos e respiradores mais adequados, melhor monitoramento e isolamento dos pacientes, além de equipes com mais treinamento para esse tipo de atendimento", diz.

Victor Grabois, presidente da Sobrasp (Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente) e pesquisador da ENSP/Fiocruz, destaca que a especialização dos profissionais que atuam em UTIs aumenta as chances de sobrevivência de pacientes graves.

"As salas vermelhas não são UTIs também porque quem trabalha nesses locais não são médicos e enfermeiros intensivistas. Não podemos comparar a qualidade de um atendimento em emergência com o dos hospitais de referência", diz.

O especialista lembra que uma das características da covid-19 é provocar danos em outros órgãos além do pulmão, causando problemas cardíacos e renais, entre outros.

"O novo coronavírus ataca o coração, faz os rins precisarem de hemodiálise, agora já se fala até em AVC (Acidente Vascular Cerebral). Estar em uma UTI não significa apenas que há condições adequadas para ventilar esse paciente, mas também que há presença de infectologistas, pneumologistas e cardiologistas, entre outros profissionais. Você não encontra esses especialistas em UPAs e emergências", avalia.

O que dizem a prefeitura e o governo do RJ

Procurada para comentar os dados, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) afirma ter aberto 439 novos leitos, dos quais 140 de UTI, para atender pacientes com coronavírus. Afirma ainda que está prevista para hoje a inauguração do hospital de campanha construído no Riocentro, na zona oeste do Rio, "o que vai ajudar a aliviar a sobrecarga nos hospitais", segundo a nota.

Já a SES (Secretaria Estadual de Saúde) relata que criou 572 vagas em hospitais de referência — 287 em UTIs e 285 em enfermarias. Diz que foram criados 152 leitos para pacientes com covid-19 em áreas isoladas de outras unidades de saúde estaduais. Afirma ainda que serão abertos 2.000 leitos em hospitais de campanha ainda em construção.

"A SES esclarece que o planejamento dos hospitais de campanha foi baseado em análise técnica, além da viabilidade de localização, e que os pacientes serão encaminhados para essas unidades via Central Estadual de Regulação", diz, em nota.