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Norte e Nordeste lideram em óbitos por covid; carência das regiões preocupa

Mulher chega ao hospital de campanha Nilton Lins, em Manaus (AM), que tem uma ala específica para atendimento a indígenas - SANDRO PEREIRA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Mulher chega ao hospital de campanha Nilton Lins, em Manaus (AM), que tem uma ala específica para atendimento a indígenas Imagem: SANDRO PEREIRA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

27/05/2020 20h32

Segundo dados divulgados hoje (27) pelo Ministério da Saúde, o Brasil chegou a 411.821 casos e 25.598 mortes por covid-19. Pela primeira vez nesta pandemia, a maioria tanto dos diagnósticos quanto das mortes contabilizadas estão nas regiões Norte e Nordeste.

No Sudeste, os casos oficiais de covid-19 aumentaram 91% em duas semanas e hoje são 151.376. Em todas as outras regiões os diagnósticos pelo menos dobraram: no mesmo período o crescimento no Nordeste foi de 129% (sendo 141.706 no total); e no Norte, de 155% (para 86.978). A evolução de mortes tem crescimento semelhante.

O Sudeste ainda é a região mais afetada pela covid-19, mas Norte e Nordeste surgem como focos ainda maiores de preocupação. No final de março, mais da metade dos casos e mortes da doença no país acontecia no Sudeste, que hoje corresponde a 36% dos diagnósticos e 46% do total de óbitos registrados no País.

Já Nordeste e Norte viveram forte aumento proporcional de casos e mortes e hoje correspondem, respectivamente, a 35% e a 21% dos casos e a 30% e a 20% das mortes contabilizadas no País.

Para referência, segundo o IBGE o Nordeste concentra 27% da população brasileira; o Norte, menos de 9%; o Sudeste, 42%. Levando tudo isso em conta, e apesar das subnotificações, a incidência de covid-19 na metade norte do País é muito maior.

Não quer dizer que a pandemia está diminuindo no Sudeste, pelo contrário: está aumentando e rapidamente. Mas em outras regiões a velocidade de contágio da covid-19 é ainda maior. E mais perigosa também, segundo os especialistas ouvidos pelo UOL.

"A covid-19 torna ainda mais clara a desigualdade social e entre as regiões do País. Há um despreparo destas regiões [Norte e Nordeste] para fazer o enfrentamento de uma situação como esta", avalia Bernardino Albuquerque, presidente do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus da UFAM (Universidade do Amazonas).

"Condições econômicas piores significam assistências médicas piores, o que resulta em condições piores de atendimento. Pela pobreza, alguns estados não conseguem investir na saúde", simplifica o infectologista Marcos Boulos, da Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (Sucen-SP).

"Nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do País, certamente haverá porcentagem de mortes maior do que no Sul e Sudeste."

"A doença evidencia a desigualdade. A pandemia tem raça e condição social, é direcionada a essas pessoas [pobres]. O vírus em si não enxerga as diferenças sociais, mas a evolução da doença sim."
Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP) e líder do "Covid-19 Brasil", projeto que cria modelos para estimar a evolução da pandemia.

O comparativo entre regiões ricas e pobres se reflete também dentro das próprias regiões, e dentro dos municípios, argumenta Wayner Vieira, pesquisador da Fiocruz Pernambuco. "A pandemia caminha para as regiões mais carentes do País; e dentro dos estados, para as cidades mais carentes; e dentro das cidades, para as áreas mais carentes. Não é nada animador", lamenta.

Subnotificação sugere problema ainda pior no Norte e no Nordeste

Subnotificação e atraso no registro de mortes fazem com que os dados oficiais estejam sempre desatualizados, ainda que sejam divulgados todos os dias pelo Ministério da Saúde. Na comparação entre regiões, no entanto, quem sofre mais com estes problemas são justamente os estados mais pobres. No semiárido, por exemplo, o vírus atua de forma silenciosa e só é descoberto depois que alguém morre.

"Não há nenhuma evidência de que o sistema de notificação em São Paulo seja pior do que nos estados no Norte, por exemplo. A subnotificação deve ser muito maior nestes estados", opina Wayner Vieira, pesquisador da Fiocruz Pernambuco, para quem os dados "são nítidos e apontam para as regiões mais pobre do país".

Em análise feita na semana passada, Vieira concluiu que os casos de covid-19 aumentam muito mais rápido no Norte e no Nordeste do que em outros estados. Na prática, as duas regiões estão puxando para cima a velocidade de contágio do Brasil todo.