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Estados reabrem mesmo sem dados precisos sobre testes de covid-19

Profissional de saúde realiza teste para a doença covid-19 em uma mulher na Bela Vista do Jaraqui, às margens do rio Negro (AM) - BRUNO KELLY/REUTERS
Profissional de saúde realiza teste para a doença covid-19 em uma mulher na Bela Vista do Jaraqui, às margens do rio Negro (AM) Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Carolina Marins e Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

04/06/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Ao menos 17 estados estão discutindo ou implementando processos de retomada da economia no país
  • Porém, não há dados claros sobre a quantidade de exames realizados para diagnosticar o coronavírus
  • "Existe uma dificuldade de processamento inclusive por falta de apoio do governo federal", diz pesquisador da USP
  • O UOL questiona o Ministério da Saúde sobre a falta de dados desde terça-feira (2), mas ainda não obteve resposta

O Brasil vê ao menos 17 estados discutindo ou implementando processos de retomada da economia, sem dados claros sobre a quantidade de exames já realizados para diagnosticar o coronavírus e sem um programa para ampliar os testes na população, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde na última sexta-feira (29), 72% de todos os diagnósticos solicitados no país já tinham sido processados pelos laboratórios públicos. No entanto, o gráfico divulgado pele pasta não traz informações sobre Rio de Janeiro — já em processo de flexibilização da quarentena na capital —, Alagoas e Acre.

Sobre o Acre, o ministério diz que o estado ainda está atualizando suas informações. A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) sobre a demora, porém não houve resposta. O estado do Alagoas também foi procurado, mas não retornou.

O UOL questiona o Ministério da Saúde sobre a falta de dados desde terça-feira (2), mas não obteve resposta até a conclusão deste texto. Uma entrevista coletiva a jornalistas tinha sido anunciada para apresentar novos dados ontem, mas foi desmarcada de última hora.

Cenário é de 'apagão', segundo especialista

"Existe uma dificuldade de processamento inclusive por falta de apoio do governo federal. Os laboratórios públicos estão sem dinheiro. Esse é o verdadeiro apagão que existe hoje no Brasil", afirma Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e membro do Laboratório de Inteligência em Saúde dessa mesma instituição.

De acordo com o pesquisador, o protocolo nacional prevê testes apenas para quem está hospitalizado, e não para a população em geral. Com isso, os dados mostram as consequências da pandemia, mas não servem para o controle efetivo da covid-19, que deve ser feito com o uso de testagem em massa, como recomenda a OMS.

"Sem mudar o protocolo de testagens e alterando as medidas de distanciamento social, que era a única coisa que segurava o vírus até aqui, vai acontecer uma catástrofe nacional", observa o professor Alves.

Para se pensar em flexibilizar a quarentena, é preciso considerar não somente a quantidade de casos da doença, mas também a disponibilidade do número de leitos de enfermaria e de UTI (unidade de terapia intensiva), pontua a infectologista da Unicamp Raquel Stucchi, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.

SP e Bahia lideram pedidos de exames

De março até o dia 29 de maio, os estados solicitaram 677.776 exames para covid-19. São Paulo e Bahia concentram o maior número de solicitações. Os testes são do tipo RTPC-R, que indicam a presença do coronavírus no organismo.

A semana de 26 de abril a 2 de maio teve o maior número de exames analisados: mais de 59 mil. O número diminuiu para 31.444 na última semana. O UOL questionou o Ministério da Saúde por três vezes, desde segunda-feira (1º), sobre o motivo para essa queda — se seria atraso no processamento ou queda de fato nos exames solicitados —, mas também não obteve retorno.

O Paraná apresenta o maior percentual de exames analisados: 96%. Já os estados com mais exames em análise são Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Ceará. Até sexta-feira (29 de maio), os três tinham mais de 10 mil exames ainda em análise.

A demora no processamento de exames é um dos motivos que leva à subnotificação de casos e pode atrapalhar a compreensão da epidemia nos locais. De acordo com o Ministério da Saúde, 74,7% dos testes são analisados em até cinco dias.

"Esses exames [RTPC-R] são tecnicamente mais trabalhosos de serem feitos. Não é que a interpretação seja difícil, mas são mais trabalhosos. A maior parte é manual. Cada exame demora de três a quatro horas, por isso vai atrasando, além do déficit de pessoal. Há muitos exames e você não consegue dar vazão", explica a infectologista Stucchi.

Estados dizem que estão em dias com testes

O Rio Grande do Sul informa que "os dados da Vigitel não são exclusivos sobre exames da Covid-19, e sim sobre exames de todos os tipos de vírus respiratórios, como Influenza A e B e outros". Vigitel é a pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas não transmissíveis do Ministério da Saúde.

O governo gaúcho também afirma que "o Lacen [Laboratório Central de Saúde Pública] do RS está em dia com as amostras que chegam para testagem de coronavírus, fazendo todos os exames em até 48 horas".

Minas Gerais explicou que "o diagnóstico por RT-PCR em tempo real é uma metodologia complexa que exige equipe qualificada e área física específica e dedicada". De acordo com o estado, mesmo com a demanda atual, os laboratórios não estão acima da capacidade de processamento dos exames, "que têm sido liberados no prazo máximo de 72 horas".

Segundo a secretaria de saúde do estado mineiro, até ontem "22.443 já foram processadas pelo exame RT-PCR em tempo real e tiveram o seu resultado laboratorial disponibilizado no Sistema GAL (Gerenciamento de Ambiente Laboratorial). Atualmente, há 533 amostras aguardando análise".

O Ceará informa ser o estado "que mais testa no Brasil, com mais de 120 mil testes já realizados". Porém, deste total, apenas 58.900 são exames RT-PCR, segundo dados de ontem. Os mais de 69 mil restantes são testes rápidos, considerados menos precisos para análise.