Ministério poderia ter recomendado uso de máscara mais cedo, diz Gabbardo
Entre as medidas adotadas no Brasil para o combate à pandemia do novo coronavírus, pelo menos uma delas poderia ter sido adotada mais cedo: o uso de máscaras. A avaliação foi feita hoje por João Gabbardo dos Reis, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, em participação no UOL Entrevista, conduzido pelos colunistas Carla Araújo e Josias de Souza, do UOL
"Quando o primeiro caso foi confirmado no Brasil, tivemos uma reunião importante no ministério. A decisão foi de ser transparente e comunicar para a nação o que estava acontecendo, apresentar números, dúvidas e desconhecimento em determinadas situações. Muitas coisas que imaginávamos no início não se confirmaram com o tempo. A gente não errou, mas poderíamos ter feito algumas coisas que foram feitas posteriormente", explicou.
"O exemplo prático era o uso da máscara. Seguimos a OMS [Organização Mundial da Saúde], que dizia que ela não era relevante. Hoje, teríamos iniciado o uso de máscara como barreira física para reduzir possibilidade da transmissão de forma mais precoce."
"Por que mudou? Porque se achava que as pessoas ficavam doentes e sintomáticas deveriam ficar isoladas em casa, e o contágio ficaria reduzido. Aprendeu-se que a transmissão poderia acontecer três, quatro dias antes dos sintomas e em pessoas sem sintomas. Essa medida — quando tiver sintoma, deve ficar em casa isolado por duas semanas — poderia ter sido dada de forma diferente se já estivéssemos usando a máscara mesmo em pessoas assintomáticas", acrescentou Gabbardo.
"Leilão mundial" para compra de EPI
O médico, que atualmente chefia o centro de combate à covid-19 em São Paulo, ainda reconheceu que houve demora para a aquisição de respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs). No entanto, segundo ele, como Estados Unidos e países de Ásia e Europa registraram casos antes, começaram antes a comprar os equipamentos.
"Tão logo os primeiros casos foram confirmados, iniciamos os processo de aquisição dos equipamentos, mas estávamos em desvantagem, porque Europa e EUA já tinham começado a doença antes e sentido necessidade de comprar, e foram ao mercado antes da gente. Quando tentamos buscar respiradores, a produção nacional era insuficiente para nossa necessidade. Tentamos fazer aquisições na China e havia um leilão. Então, tivemos muita dificuldade na aquisição", argumentou Gabbardo.
"Hoje, semanalmente chega avião com máscara da China que compramos 240 milhões na época do [ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta. Cada voo traz 15 milhões de máscaras. Isso é só um exemplo de como era difícil esse mercado; com o tempo, conseguimos fortalecer as pessoas e equipes de saúde com esses equipamentos, e também porque os estados e municípios também fizeram aquisições. Tudo isso para mostrar que o Brasil se fortaleceu para enfrentar essa epidemia", completou.
'Não houve interferência do governo'
Gabbardo garantiu não ter havido qualquer tipo de recomendação da cúpula do governo federal para que o Ministério da Saúde fizesse algo diferente do que estava fazendo, mas apontou falta de harmonia entre o que diziam os técnicos da pasta e o Executivo — sem citar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nominalmente.
"Quando havia confronto das ações do ministério e reações do governo federal, não com orientações, mas com manifestações do tipo 'não uso máscara, vou no meio do povo'... É isso que o ministro [Mandetta] falou, sobre a população não saber a quem ouvir. Se tivéssemos uma forma mais harmônica de trabalhar, poderíamos ter feito com estados e cidades uma negociação melhor para o isolamento, que ficou muito solto", lamentou.
Por isso, continuou o médico, agora tem sido mais difícil relaxar as políticas de quarenta impostas pelos governos regionais. "Entrar no isolamento é fácil, sair é muito mais difícil. Movimentos que são muito arriscados podem ter aumento nos casos, internações, óbitos, então os processos de controle tem que ser muito firmes, precisos. Temos que ter capacidade de agir no momento oportuno e não deixar passar esse tempo", avaliou.
Participaram dessa cobertura Anaís Motta, Emanuel Colombari, Flavio Costa, Gustavo Setti e Talyta Vespa (redação) e ainda Diego Henrique de Carvalho (produção)
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