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Gabbardo: Isolar só grupo de risco faria até 3 vezes maior número de mortos

Do UOL, em São Paulo

05/06/2020 16h04Atualizada em 05/06/2020 17h54

João Gabbardo, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o Brasil poderia ter até três vezes mais mortes relacionadas ao novo coronavírus se tivesse trocado o isolamento social por uma forma mais flexível, confinando apenas as pessoas do grupo de risco da covid-19. De acordo com os números divulgados ontem, o país tem 34.021 mortes no total.

Ao ser questionado durante participação no UOL Entrevista sobre a situação do Brasil caso prefeitos e governadores não tivessem adotado o isolamento social, Gabbardo respondeu: "Nós teríamos a conclusão do processo de forma mais rápida, terminaríamos a epidemia bem mais cedo, mas o preço disso seria milhares de vidas, porque teríamos um número enorme de pessoas doentes simultaneamente". A conversa foi conduzida pelos colunistas Carla Araújo e Josias de Souza, do UOL.

"Nenhum sistema de saúde do mundo foi capaz de ter resposta adequada a essa epidemia e teríamos número de óbitos muito maior do que temos hoje. É difícil dizer quantos, mas provavelmente duas ou três vezes o número de óbitos de hoje. Esse seria o custo. Os que defendem isso falam do efeito rebanho, que mais rapidamente as pessoas teriam imunidade, isso é verdade, terminaríamos a curva mais rápido, mas teríamos colapso do sistema de saúde e número de óbitos muito maior. Essa é a conta que tem que ser feita, se valeu a pena ou não", acrescentou.

Gabbardo defendeu as medidas tomadas até o momento para combater o coronavírus. "Não tenho dúvida de que a forma com que o Brasil enfrentou a pandemia, com decisões de governadores e prefeitos que assumiram a defesa do isolamento, foi adequada, correta e reduziu o número de óbitos."

SP, Belém e Manaus já passaram do pico de contágio, diz Gabbardo

Chefe do centro de combate à covid-19 em São Paulo, Gabbardo afirmou que é necessário uma avaliação regionalizada da situação da pandemia do novo coronavírus no estado. Segundo ele, o pico da curva de contágio já foi alcançado nos grandes centros, como São Paulo, Manaus e Belém, e por isso tem sentido repensar as políticas de isolamento para esses lugares.

"O aumento [no número de casos] ocorre por um aumento na evolução da doença no interior dos estados. Nos locais que começaram a epidemia há mais tempo, como Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, São Paulo, a curva já está em velocidade reduzida, em declive. Por isso, vamos ter por um tempo um aumento na curva no país, mas não necessariamente significa aumento e piora na epidemia onde aconteceu de forma mais intensa".

Gabbardo, porém, evitou falar em flexibilização, assegurando que os cuidados serão tomados levando em consideração a situação de cada região.

"Temos vários cenários e precisam ser tratados de forma distinta. É difícil estabelecer regras para a população do Brasil inteiro. Por isso, é possível que haja tratamento. Não chamaria de flexibilização, mas de avaliação de cenários epidemiológicos distintos", explicou.

"Cloroquina para todos é alto risco"

Gabbardo defendeu ainda que apostar na cloroquina para todos os pacientes da covid-19 é algo desnecessário e que envolve risco.

"Usar medicamento para todos é desnecessários e risco para a população que não precisaria tomar esse medicamento. Qualquer gripe seria tomar cloroquina, imagina. Isso pode ter um número muito grande de efeitos colaterais.

Falta de estrutura hospitalar no interior

Questionado sobre a estrutura hospitalar existente no estado de São Paulo, Gabbardo admitiu que os hospitais das grandes cidades estão melhores equipados dos que as unidades das cidades do interior. Ele citou os números de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em São Paulo e Nova York como exemplos. Acrescentou, porém, que mesmo com essa disparidade, é possível iniciar a flexibilização em alguns locais — e, se necessário, dar um passo para trás caso o relaxamento não dê certo.

Nova York, que tem população parecida com a capital de São Paulo, tinha 1.200 leitos de UTI [antes da pandemia]. São Paulo tinha 3.200 leitos de UTI. Em São Paulo, todas as pessoas que faleceram não faleceram por colapso do sistema de saúde. Não houve óbito por desassistência.

Máscaras poderiam ter sido recomendadas mais cedo, diz Gabbardo

Entre as medidas adotadas no Brasil para o combate à pandemia do novo coronavírus, pelo menos uma delas poderia ter sido adotada mais cedo, admitiu Gabbardo: o uso de máscaras.

"O exemplo prático era o uso da máscara. Seguimos a OMS [Organização Mundial da Saúde], que dizia que ela não era relevante. Hoje, teríamos iniciado o uso de máscara como barreira física para reduzir possibilidade da transmissão de forma mais precoce."

O médico reconheceu ainda que houve demora para a aquisição de respiradores e equipamentos de proteção individual (EPIs). No entanto, segundo ele, como Estados Unidos e países de Ásia e Europa registraram casos antes, começaram antes a comprar os equipamentos.

"Hoje, semanalmente chega avião com máscara da China que compramos 240 milhões na época do [ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta. Cada voo traz 15 milhões de máscaras. Isso é só um exemplo de como era difícil esse mercado; com o tempo, conseguimos fortalecer as pessoas e equipes de saúde com esses equipamentos, e também porque os estados e municípios também fizeram aquisições. Tudo isso para mostrar que o Brasil se fortaleceu para enfrentar essa epidemia", completou.

"Não houve interferência do governo"

Gabbardo garantiu não ter havido qualquer tipo de recomendação da cúpula do governo federal para que o Ministério da Saúde fizesse algo diferente do que estava fazendo, mas apontou falta de harmonia entre o que diziam os técnicos da pasta e o Executivo — sem citar Jair Bolsonaro.

"Quando havia confronto das ações do ministério e reações do governo federal, não com orientações, mas com manifestações do tipo 'não uso máscara, vou no meio do povo'... É isso que o ministro [Mandetta] falou, sobre a população não saber a quem ouvir. Se tivéssemos uma forma mais harmônica de trabalhar, poderíamos ter feito com estados e cidades uma negociação melhor para o isolamento, que ficou muito solto", lamentou.

Brasil superou resposta dos EUA

O médico não gostou das críticas feitas hoje pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil.

Segundo Trump, se os norte-americanos tivessem adotado respostas como a de brasileiros e suecos contra a covid-19, seu país poderia ter dois milhões de mortes.

Em contraponto, Gabbardo afirmou que o Brasil teve uma resposta mais rápida à pandemia que os Estados Unidos.

"Se compararmos o atendimento e a resposta que os Estados Unidos deram, que Nova York deu no atendimento das pessoas com coronavírus, ganhamos de 5 a 0. Em Nova York, as pessoas morriam porque não tinha respirador, os médicos definiam quem deveria ir para o respirador. Foram criados protocolos para definir quem poderia ter benefício melhor e as outras pessoas ficaram sem acesso. Não é possível que os Estados Unidos possam propor que o Brasil teve um atendimento e uma resposta inadequada", disse Gabbardo.

* Participaram dessa cobertura Anais Motta, Emanuel Colombari, Flávio Costa, Gustavo Setti e Talyta Vespa (redação) e Diego Henrique de Carvalho (produção)