Cartórios do RJ têm quase 2.000 mortes a mais que números do governo
Declarações de óbito registradas em cartório apontam quase 2.000 mortes por coronavírus a mais no estado do Rio de Janeiro do que o número divulgado oficialmente pelo governo estadual. O dado foi levantado pelo UOL no Portal da Transparência da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), que representa profissionais que atuam em cartórios de registro civil em todo o país.
Os dados apontam que, em 4 de junho, o estado possuía 8.289 declarações de óbitos que tinham como causa a covid-19 —os atestados incluem casos confirmados e suspeitos da doença. Para a mesma data, os números fornecidos pela Secretaria Estadual da Saúde do Rio de Janeiro eram de 6.327 mortes. Só na capital fluminense, há uma diferença de cerca de 900 óbitos.
Essa variação também é notada em outras nove unidades da federação, mas em nenhuma delas a diferença está na casa dos milhares.
Em nota, a Secretaria de Saúde fluminense disse que "a notificação de casos e óbitos é de responsabilidade dos municípios". A pasta também afirma que, "em conjunto com as vigilâncias municipais, realiza revisão epidemiológica de casos de maneira permanente". A secretaria, porém, não esclarece a diferença entre o número de declarações de óbito e o de mortes anunciado oficialmente.
Nas declarações de óbito, a covid-19 pode constar como causa da morte mesmo se for uma suspeita, sem ainda contar com confirmação de exames de laboratório. Se houver menção a alguma outra doença, como pneumonia, SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), insuficiência respiratória, a morte não constará no portal da Arpen como sendo pelo novo coronavírus.
Os dados do portal não indicam quantas das declarações de óbito por covid-19 são por casos suspeitos ou confirmados. Certidões de óbito podem ser retificadas caso exames, posteriormente, comprovem ou descartem o novo coronavírus como causa da morte. A Arpen, porém, diz que raramente familiares voltam ao cartório para alterar a informação.
Sem "análise laboratorial"
Nos outros estados, a explicação dada pelas secretarias estaduais é que mortes de pessoas com suspeita foram registradas como sendo por coronavírus. Exames, porém, descartaram a covid-19 depois, como disse a Secretaria de Saúde do Paraná, e o dado foi retificado pela pasta —proporcionalmente, o estado apresenta a maior variação: 158%.
A secretaria paranaense diz que, nos cartórios, há "casos em que consta a doença [covid-19] na certidão de óbito do paciente mesmo que seja só suspeito ou com sintomas". "Ou seja, não é baseado em análise laboratorial."
Já a secretaria de Minas Gerais, estado onde há uma diferença de 50% entre os dados, observa que "a legislação preconiza que, ainda que não haja certeza da causa da morte, por exemplo por um exame que traga essa comprovação, faz-se o registro indicando a causa provável".
Registros têm "informações preliminares", diz Prefeitura do RJ
Levantamento do UOL mostra que 33 cidades do estado do Rio registraram mais mortes em cartórios do que em suas secretarias.
A maior variação dentro do estado é na capital. Os cartórios tinham, em 4 de junho, registro de 5.170 declarações de óbitos com a covid-19 como causa. A secretaria estadual informou, na mesma data, 4.231 óbitos.
Consultada pela reportagem, a Prefeitura do Rio afirmou que "é preciso deixar claro que os dados disponibilizados pelos cartórios são informações preliminares" e que esses dados ainda não passaram pelo crivo da Vigilância em Saúde para a confirmação da covid-19 como causa da morte. Com isso, a prefeitura indica que revisa as estatísticas conforme o resultado dos exames.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro utiliza como fontes de confirmação de óbitos o Sivep (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica), que é atualizado diariamente, e o SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), onde "os casos são investigados e a conclusão da apuração e processamento dos dados é realizada em até 60 dias".
Casos de "fora" em Niterói e Nova Iguaçu
Segunda cidade com maior diferença no número de mortes —ela era de 323 em 4 de junho—, Niterói diz que contabiliza apenas casos de seus moradores. Segundo a prefeitura da cidade da região metropolitana, nos cartórios "constam óbitos suspeitos e confirmados de covid-19 de moradores de Niterói e de outros municípios que foram atendidos na cidade".
Na região metropolitana, outras duas cidades registram diferença de mais de cem mortes: São Gonçalo (104) e Nova Iguaçu (119).
A prefeitura gonçalense afirmou que notifica como óbito após a confirmação por exames, enquanto os cartórios registram as mortes por recomendação do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro).
Já os iguaçuanos atribuem a diferença ao registro pelos cartórios de pessoas que não residem no município —números que aproximam-se, de fato, da diferença verificada. A prefeitura informou também dados do Cemitério de Nova Iguaçu, onde o mês de maio foi o de mais óbitos pelo novo coronavírus, número que bate com os registrados oficialmente.
Cidades-polo
No interior do RJ, cidades como Campos dos Goytacazes, Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis pontuaram que a diferença se dá por serem polos regionais que recebem muitos casos de outros municípios.
Além disso, as prefeituras dessas cidades alegaram que os cartórios registram mortes que, em exames posteriores, não confirmam a covid-19 como causa mortis, razão também apontada por municípios da região metropolitana como Magé, Mesquita, Nilópolis e Queimados.
Situação inversa em Duque de Caxias
O município de Duque de Caxias, por outro lado, registra mais mortes em sua secretaria de Saúde que em cartórios, caso de outras 12 cidades fluminenses. Lá, entretanto, há a maior variação desse tipo: 83 óbitos a mais.
A prefeitura atribuiu a diferença a um processo detalhado de checagem e conferência das mortes registradas no Diário Oficial. Segundo a administração municipal, uma equipe da Secretaria de Saúde de Caxias "cruza os dados dos óbitos com os casos já contabilizados de coronavírus no laboratório estadual Noel Nutels, referência em testagem de coronavírus no Rio de Janeiro".
O número acaba sendo maior porque os cartórios nem sempre registram a causa mortis como a suspeita ou confirmação de covid-19, já que "muitas pessoas morrem antes da confirmação do resultado dos exames na rede estadual de saúde, que costuma demorar entre sete e 10 dias para enviar o resultado". A maior parte das famílias não retornam para atualizar a causa mortis nos cartórios, causando a diferença entre os dados.
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