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Apagão de dados pode omitir realidade de mortes ocorridas e elevar óbitos

Ala voltada para pacientes com coronavírus em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital Gilberto Novaes, em Manaus (AM) - Michael Dantas/AFP
Ala voltada para pacientes com coronavírus em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital Gilberto Novaes, em Manaus (AM) Imagem: Michael Dantas/AFP

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

07/06/2020 23h12

Reduções na quantidade e na qualidade de dados informados sobre a covid-19 pelo Ministério da Saúde podem afetar diretamente pesquisas e as projeções da curva da epidemia e, consequentemente, retardar ações e aumentar o número de mortes pela doença causada pelo novo coronavírus.

Essa é a opinião unânime de pesquisadores, autoridades e representantes de entidades ligadas à ciência ouvidos pelo UOL. Eles questionam as mudanças e omissões do Ministério da Saúde na comunicação ao público sobre a covid-19 nos últimos dias. Após críticas, hoje, a pasta anunciou mudanças no site oficial da covid-19, com publicação de planilhas com os dados retirados na sexta.

O neurocientista e coordenador do comitê científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, diz que divulgar dados incompletos é um "ato irresponsável e maquiavélico, sem precedentes em todo o mundo".

Sem dados, não se pode estimar a situação presente nem a futura da pandemia. Trata-se, portanto, de uma afronta a todo o povo brasileiro, pois lhe nega o direito de saber, em detalhes, em que estágio a pandemia está e qual será a sua evolução daqui para a frente."
Miguel Nicolelis

Impactos negativos nas pesquisas e na conscientização da população sobre a doença são duas das consequências apontadas pelos especialistas em um cenário sem transparência nos dados. Ela é essencial também para o engajamento da sociedade, incluindo na adesão às medidas preventivas.

A tomada de decisões sobre afrouxamento de quarentena, decreto de lockdown e manutenção de barreiras sanitárias também pode ser diretamente afetada. É a avaliação do presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde), Alberto Beltrame, que explica que informar apenas novas ocorrências deixa de fora uma informação fundamental para as autoridades entenderem o comportamento da doença de forma ampla.

O dado para ter validade, utilidade, tanto para informar a sociedade quanto como ferramenta de gestão de uma crise, tem de ser completo. É um erro informar apenas os dados pela data de registro. Mas é um erro ainda maior dar só as mortes de 24 horas."
Alberto Beltrame, presidente do Conass

Em nota enviada para a imprensa sobre as mudança na divulgação das estatísticas, o Ministério da Saúde informa que passará a informá-las por data de ocorrência, e não de notificação.

O infectologista e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia e da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Bernardino Albuquerque, lembra que a informação "clara e transparente" deve ser sempre de domínio público, ainda mais em uma situação de calamidade como a atual.

"Mudanças no curso só nos trazem problemas e levantam suspeitas quanto às suas causas. Desviar focos? Encobrir relevâncias? Isso pode dificultar a observância de uma realidade e, consequentemente, trazer prejuízos no encaminhamento de ações e estratégias de prevenção e controle", questiona.

Nesse cenário, os dados cumulativos são importantes porque permitem avaliar os impactos técnicos e políticos das ações, explica a pesquisadora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Pública) Bernadete Perez.

Entre as estatísticas mais relevantes, lista os dados históricos, os novos, a ocupação de leitos, a fila de UTIs [unidades de terapia intensiva], a letalidade, a mortalidade e a mortandade. "Na verdade, precisa ter tudo disponível. Isso precisa ser aberto para a população", avalia.

Não ter dados os acumulados publicizados é muito grave, porque o que se quer esconder é o risco da doença -- já que o número acumulado é o que reflete a magnitude dela no Brasil."
Bernadete Perez

Perez conta que é padrão para controle de uma epidemia usar os dados acumulados a fim de avaliar o comportamento da doença. Isso, por exemplo, é importante para que gestores afrouxem medidas de isolamento em segurança.

"Com esses dados, temos a prevalência de qualquer epidemia. Os casos novos diários avaliam a incidência, a situação mais recente. Os casos antigos avaliam, na verdade, o risco da morte por covid-19", completa.

Pesquisas

Na avaliação do diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, o acesso a dados é essencial para as pesquisas. "Pesquisadores precisam entender o que está acontecendo com a epidemia. Isso ajuda a formular políticas públicas para entender o avanço da doença, saber mais sobre a covid-19, sobre o vírus."

O cientista da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) Fábio Guedes, que preside o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, lembra que o Ministério da Saúde tem uma larga tradição no Brasil de divulgar informações e dados que alimentam pesquisas e grupos de estudos. "Isso faz também com que a ciência brasileira divulgue lá fora o que nós fazemos aqui", afirma.

Segundo Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Fernando Spilki, como os testes no Brasil estão aquém da necessidade, os dados da SRAG se tornam especialmente importantes.

"Primeiro nos fazer entender qual a situação, se há aumento em relação à média histórica e possível relação com subdiagnóstico ou subnotificação da covid-19. E ainda ajuda para prever sobre a capacidade de atendimento, de suporte dos sistemas de saúde. Sem esses dados e sem um visão da evolução dos números, dos casos por estados, etc, estamos navegando no escuro", diz.