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Brasileiros na Suécia: importar modelo de isolamento seria 'uma catástrofe'

29.maio.2020 - Movimentação baixa em frente ao Palácio Real de Estocolmo, na Suécia, durante a pandemia de coronavírus - Jonathan NACKSTRAND / AFP
29.maio.2020 - Movimentação baixa em frente ao Palácio Real de Estocolmo, na Suécia, durante a pandemia de coronavírus Imagem: Jonathan NACKSTRAND / AFP

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

08/06/2020 04h00

"Se as medidas no Brasil fossem feitas como na Suécia, seria uma catástrofe", avalia a estudante Bianca Asnar, brasileira que mora em Gotemburgo há um ano e meio e tenta se adaptar à pandemia de coronavírus.

A Suécia já foi elogiada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por não ter imposto restrições tão rígidas quanto outros países europeus, durante a pandemia do novo coronavírus. Há três semanas, Bolsonaro usou o país escandinavo como exemplo de enfrentamento à covid-19. "A Suécia não fechou", disse ele, na ocasião.

Era uma meia verdade de Bolsonaro: a Suécia impôs, sim, certas restrições. E o modelo como um todo muito dificilmente seria adaptável ao Brasil, avaliam quatro brasileiros que vivem entre os suecos.

"Não daria certo, porque no Brasil temos uma tendência a não seguir restrições impostas. Já os suecos têm uma consciência forte. As pessoas estão nas ruas, mas por si só evitam ficar próximas, preocupam-se com isso. As informações aqui são claras, não existe negacionismo e as pessoas confiam nas autoridades e na medicina"", exemplifica Luiz Fernando, engenheiro de sistema que mora na capital Estocolmo desde 2013.

O desenvolvedor de software Leonardo Schenkel, que vive na Suécia desde 2007, concorda. "Na cultura sueca o governo não manda, só recomenda. Mas o sueco tem um alto grau de confiança no governo, e as recomendações geralmente são seguidas. Uma recomendação aqui é algo mais forte do que seria interpretado no Brasil", compara.

Luisa Hugerth, bióloga molecular que trabalha no Instituto Karolinska, uma das universidades de Medicina mais respeitadas da Europa, destaca a comunicação do governo com a população. "Falta diálogo e transparência no Brasil. Aqui há uma coletiva de imprensa todo dia útil, há meses: trinta minutos de apresentação, outros trinta com perguntas. Vários jornais locais participam, então qualquer pessoa pode ter uma pergunta sua respondida pelo chefe de epidemiologia", explica ela, que vive na Suécia desde 2010.

Mortes e crise econômica

Os próprios suecos têm questionado a estratégia adotada pelo país no combate à covid-19, como admitiu na semana passada o epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública sueca. "Poderíamos ter feito mais do que fizemos na Suécia, claramente", reconheceu Anders Tegnell.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Suécia registra mais de 41 mil casos e 4,5 mil mortes por covid-19. A taxa de mortalidade da doença no país é de 451 por milhão de habitantes, uma enormidade se comparada às vizinhas Dinamarca (100 por milhão), Finlândia (58) e Noruega (44), que impuseram medidas de isolamento mais rígidas.

A discussão está focada principalmente no descuido do governo com asilos e casas de repouso de idosos. A estratégia de testagem também mudou: era restrita a pacientes que precisavam de atendimento médico, e agora foi ampliada. Em meio a tudo isso, será implantada em breve uma investigação sobre o combate à pandemia.

Na sexta-feira (5), o presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou que os Estados Unidos teriam "talvez 2 milhões de vidas perdidas" para a covid-19 se tivessem seguido a Suécia.

"As pessoas veem a Suécia como se não estivesse acontecendo nada, mas muita gente também perdeu emprego. A crise econômica também chegou aqui", opina Bianca Asnar. A estudante se refere à estagnação econômica do país, que mesmo sem lockdown viu seu Produto Interno Bruto (PIB) crescer somente 0,1% entre janeiro e março deste ano.

Casamento e pré-natal afetados pela pandemia

Casal planejava ter 20 convidados em casamento, mas a pandemia impediu; à esquerda, um cartaz sobre a covid-19 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Casal planejava ter 20 convidados, mas a pandemia impediu; à esquerda, um cartaz sobre a covid-19
Imagem: Arquivo pessoal
Ainda que não tenha havido lockdown, não dá para dizer que a Suécia manteve "vida normal" durante a pandemia.

Leonardo Schenkel e Fabiane Millani passaram por uma situação inusitada. Eles se casaram em uma cerimônia sem convidados e também sem fotógrafo: no registro de recém-casados, feito por eles próprios com temporizador e tripé, aparece um cartaz com advertências sobre a covid-19.

O casal vive em Malmö, no extremo sul da Suécia e a uma ponte de distância de Copenhague, a capital da Dinamarca. Leonardo trabalha no país vizinho, mas a empresa aderiu ao home office em março, pouco antes do fechamento da fronteira. Sobrou mais tempo para ficar em casa, acompanhando a gravidez de Fabiane — a pequena Isabella está a caminho.

"Não apenas o casamento foi afetado [pela pandemia], mas também o pré-natal e provavelmente o nascimento. No pré-natal a Fabiane não pode mais ter acompanhantes, e ninguém ainda soube informar se vou poder estar junto no parto. Ainda é uma incógnita", conta o desenvolvedor de software. Ele esperava a chegada da mãe à Suécia ainda em 2020, para conhecer a neta e ajudar nos cuidados, mas a viagem foi cancelada.

Quarentena por conta própria

Bianca, Rafael e Davi se adaptam às restrições durante a pandemia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bianca, Rafael e Davi se adaptam às restrições durante a pandemia
Imagem: Arquivo pessoal
Bianca Asnar mora em Gotemburgo há um ano e meio e estuda idiomas. As aulas dela agora são a distância, mas as do filho Davi, de 8 anos, foram mantidas como presenciais.

As medidas do governo pareceram liberais demais para a família brasileira, que decidiu pelo isolamento social por conta própria, enquanto estiver fechada a empresa em que o marido Rafael trabalha.

"A decisão de não fechar as escolas de início me deixou insegura, então meio que forçamos uma quarentena em casa", conta Bianca. Depois, a impressão melhorou. "Os suecos têm uma confiança muito grande no governo, que também não toma decisões por impulso, de qualquer forma. No começo me assustou muito, porque achei que eles estavam loucos. Mas as pessoas por si só respeitam as recomendações e a liberdade que têm", pondera.

Ela tem familiares no interior de São Paulo e esperava visitá-los neste ano, mas a pandemia adiou os planos. De longe, tenta conscientizar quem ficou. "A gente pede é que eles se protejam, porque o Brasil está em colapso", preocupa-se.