Pesquisa: 50% dos médicos sofrem pressão para dar remédio sem comprovação
Pesquisa da APM (Associação Paulista de Medicina) com quase 2.000 médicos no Brasil indica que 48,9% relataram pressões de pacientes ou parentes para prescrever remédios sem comprovação científica. Nas redes sociais, também há relatos de intimidação, é o que mostra reportagem de hoje do jornal O Estado de S.Paulo.
O presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Clóvis Arns, chegou a ser ameaçado de morte e foi alvo de notícias falsas após a instituição publicar recomendação contra a cloroquina para a covid-19. "Notícias falsas e informações sensacionalistas ou sem comprovação técnica são inimigos que os médicos enfrentam simultaneamente à covid-19", diz o estudo da associação.
"Pediram a morte do presidente da SBI nas redes sociais, minha família ficou apavorada, não queria que eu fosse trabalhar", contou Arns. "Por outro lado, tivemos várias manifestações de apoio de diversas sociedades médicas e do Senado Federal. Queremos ficar longe dessa briga ideológica, nosso objetivo é discutir cientificamente apenas. Fazemos medicina baseada em evidências."
A intensivista Bruna Lordão, de 32 anos, pediu demissão do Hospital Geral de Vila Penteado, na zona norte de São Paulo, onde trabalhava, após ser chamada de "assassina" por parentes de um paciente, a quem ela se recusou a prescrever cloroquina. "As pessoas não querem saber de pesquisa científica", conta a médica. "Elas querem saber o que o Bolsonaro tomou, o que o (presidente americano Donald) Trump disse", contou.
"Foram certamente os piores momentos da minha carreira", disse ela, médica há cinco anos. "Quando você trabalha num pronto-socorro, numa UTI, vai ter muitas baixas, com certeza. Mas nada igual à UTI covid-19: são três, quatro óbitos por dia. Muita gente morrendo, num mesmo lugar, da mesma coisa", acrescentou Bruna.
A gota d'água para o pedido de demissão, no entanto, veio por causa da cloroquina, quando ela foi dar a notícia da morte de um paciente à família. "Sei que é um momento complicado. Entendo a agonia e a angústia das pessoas, mas começaram a me chamar de assassina porque eu não tinha usado cloroquina no tratamento", disse.
"As pessoas não entendem que não existe benefício no uso da cloroquina porque o presidente fala que tem benefício. E acreditam piamente nisso. Ninguém entende que a gente não usa justamente porque não tem benefício", afirmou ela, que trabalhou com pacientes da covid-19 desde o início da pandemia.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) suspendeu há um mês testes com cloroquina e hidroxicloroquina porque todos os resultados até então apontavam que elas "não reduziam a mortalidade dos pacientes". Outro grande estudo, o Recovery, foi conduzido pelo Reino Unido em mais de 11 mil pacientes. Também em junho, seus principais coordenadores informaram que "não há efeito benéfico" no uso da hidroxicloroquina.
Na segunda-feira (20), estudo feito em 55 hospitais brasileiros e publicado na revista Science confirmou que a cloroquina tampouco funciona em quadros leves e moderados de covid-19. Vários países, incluindo os Estados Unidos, já interromperam o uso experimental dos remédios e suspenderam ensaios clínicos em razão da arritmia cardíaca que o medicamento pode provocar em pacientes graves. Há duas semanas, artigo na revista médica Lancet voltou a apontar riscos dos remédios para o coração com os remédios, originalmente para lúpus e malária.
"Pelo menos 69,2% (dos entrevistados) dizem que (notícias falsas ou sensacionalistas) interferem negativamente, pois levam algumas pessoas a minimizar (ou negar) o problema e, assim, a não observar as recomendações de isolamento social e higiene, ou a não procurar os serviços de saúde", destaca o estudo da APM. "Outros 48,9% falam que, em virtude das fake news, pacientes/familiares pressionam por tratamentos sem comprovação científica."
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