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Investigada, lavanderia de hospital no AM cobra 3 t de roupa de 5 pacientes

Endereço atribuído a lavanderia com contrato com estado do AM, onde funciona uma oficina mecânica - Rosiene Carvalho/UOL
Endereço atribuído a lavanderia com contrato com estado do AM, onde funciona uma oficina mecânica Imagem: Rosiene Carvalho/UOL

Rosiene Carvalho

Colaboração para o UOL, em Manaus

18/08/2020 04h03

Uma lavanderia contratada pelo governo do Amazonas para prestar serviço ao Hospital de Campanha Nilton Lins é investigada por suspeita de fraude em contrato de R$ 74,8 mil. A empresa Norte Serviços Médicos cobrou pela lavagem de 3,5 t de roupas no dia em que apenas cinco pacientes estavam internados na unidade, em Manaus. Após as irregularidades, o valor não foi desembolsado pelo estado.

A apuração dos gastos com a covid-19 no Amazonas, feita pela CPI da Saúde da Ale-AM (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas), detectou ainda que no endereço da lavanderia funcionava uma oficina mecânica. As informações constam no relatório parcial sobre o contrato da empresa, entregue este mês pela CPI ao MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas).

A reportagem do UOL esteve às 10h30 desta segunda-feira (17) no endereço. No local, é possível ver apenas uma oficina. Pessoas no local que se identificaram como donos disseram que há uma lavandaria nos fundos do imóvel, onde não permitiram a entrada da reportagem. Eles informaram que a peça é alugada e que "raramente" alguém abre o local, inclusive durante a pandemia.

O advogado da empresa, Lincoln Freire, negou que a Norte tenha praticado irregularidades nos contratos com o estado e disse que o serviço prestado ao hospital de campanha não foi pago.

Ainda segundo a defesa, a lavanderia funciona no mesmo terreno da oficina e tem capacidade de lavar sete mil quilos por dia. A informação é contestada pelo presidente da CPI da Saúde, Delegado Péricles (PSL).

O governo do Amazonas respondeu que está esclarecendo todos os fatos à CPI da Saúde e que os contratos da Susam (Secretaria de Saúde) passam por revisão criteriosa para liberação de pagamentos.

O governo é alvo de outra investigação que tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde abril, pela compra de respiradores inadequados em uma loja de vinho, também durante a pandemia.

Empresa cobrou por dias em que hospital estava fechado

A suspeita de irregularidade na lavagem de roupas do hospital de campanha em Manaus começou com a primeira cobrança que a empresa emitiu: a Norte tentou receber por serviços prestados no período de 1º a 30 de abril.

O hospital em questão foi inaugurado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), na manhã do dia 18 de abril.

Ao ajustar a data para retirar os dias em que a unidade sequer funcionava, a empresa manteve o total da fatura e da quantidade de roupas da nota fiscal anterior. Cobrou R$ 74,8 mil por 44 mil quilos de roupas sujas em 12 dias, uma média de 3,6 mil quilos por dia, entre 18 e 30 de abril.

A incompatibilidade nos dados da cobrança aparece ainda se examinados os dados do primeiro dia de funcionamento do hospital. Na data, foi feita uma inspeção surpresa pelo CRM (Conselho Regional de Medicina) e por membros do MP-AM. Após a fiscalização, concluída por volta de 19h daquele dia, MP-AM e CRM informaram que nenhum paciente havia dado entrada na unidade.

O governo do Amazonas negou que a inauguração tenha sido simbólica e informou que, após MP-AM e CRM deixarem o hospital de campanha, cinco pacientes foram internados. A nota fiscal da Norte Serviços Médicos informa que os cinco pacientes — de 19h até 23h59 do dia 18 — produziram 3,5 mil quilos de roupas sujas.

Fatura mostra mais de 3 mil quilos de roupas lavadas em hospital em dia que governo afirma ter havido cinco pacientes - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Fatura mostra mais de 3 mil quilos de roupas lavadas em hospital em dia que governo do AM afirma ter havido cinco pacientes
Imagem: Reprodução/UOL

Endereço de lavanderia leva a oficina no centro de Manaus

Os técnicos da CPI da Saúde foram ao endereço da lavanderia, no centro de Manaus, para avaliar a capacidade da mesma de entregar o serviço que cobrava do estado. Encontraram uma oficina mecânica.

De acordo com a CPI, o endereço foi indicado em depoimento pelos administradores da Norte ao serem questionados sobre a falta de maquinário na sede da empresa, que fica em outro bairro de Manaus. Ainda segundo a CPI, pessoas ouvidas na oficina mecânica e na vizinhança informaram que uma lavanderia funcionou no endereço há mais de dois anos.

A CPI afirma ao Ministério Público, em seu relatório, que os sócios oficiais são "laranjas" e que o verdadeiro dono seria Frank Andrey Gomes de Abreu, genro de Criselídia Bezerra de Moraes, atual proprietária, e amigo de Victor Vinícius Souto dos Santos, que antecedeu Criselídia no negócio. Segundo a comissão, Frank atua pela empresa inclusive em reuniões com o poder público.

Criselídia e Victor prestaram depoimentos à CPI da Saúde e não conseguiram dar informações básicas sobre a empresa. Segundo o relatório, Victor "não soube sequer responder sua profissão atual, tendo declarado, após breve conversa com um de seus advogados, ser autônomo".

Frank Abreu já foi convocado duas vezes a prestar depoimento à CPI, porém não se apresentou.

MP trata o caso como crime organizado

"Só pelos dados dos documentos de cobrança do Estado, fica claro que os números indicados a título de roupas lavadas não são proporcionais à quantidade de pacientes internados, o que já é indício suficiente de fraude na execução os serviços. A constatação de que no endereço da lavanderia externa há uma oficina deixa em dúvida até se o serviço de fato foi prestado pela empresa ao governo", declarou o deputado Delegado Péricles (PSL).

Ainda segundo a CPI da Saúde, a empresa não deixou claro como fazia o transporte de cerca de 3,3 mil quilos de roupas por dia e que não há carros registrados como propriedade da Norte Serviços Médicos.

O MP-AM informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que pela "gravidade do assunto" exposto no relatório da CPI da Saúde o mesmo foi encaminhado para o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado).