Topo

Festas e verão devem causar maior impacto nas mortes que início da pandemia

27.dez.2020 - Praia da Aparecida, na Baixada Santista, cheia em meio à pandemia de covid-19 - MAURÍCIO DE SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO
27.dez.2020 - Praia da Aparecida, na Baixada Santista, cheia em meio à pandemia de covid-19 Imagem: MAURÍCIO DE SOUZA/ESTADÃO CONTEÚDO

Arthur Stabile

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/12/2020 04h00

As festas de fim de ano (Natal e Ano Novo) e o verão terão impacto maior nas mortes causadas pelo novo coronavírus do que o início da pandemia, em março. Especialistas ouvidos pelo UOL preveem pico como consequência dos encontros e aglomerações na reta final de 2020 e início do próximo ano.

A análise tem São Paulo como base, estado com uma série de restrições no fim de ano. No domingo, a taxa de isolamento social esteve em 49%, conforme balanço desta segunda-feira (28). No dia seguinte, o índice caiu para 42%.

Nesta terça-feira (29), o Brasil voltou a registrar mais de mil mortes em 24 horas devido à covid-19. Foram 1.075, maior número contabilizado desde 15 de setembro.

Paciente é tratado no hospital de campanha no Anhembi, em São Paulo, criado no começo da pandemia - Talyta Vespa/UOL - Talyta Vespa/UOL
Hospital de Campanha do Anhembi, gestão IABAS
Imagem: Talyta Vespa/UOL

Até domingo, o estado havia retornado à fase vermelha, com restrições rígidas para evitar a proliferação da doença —liberação somente de serviços essenciais, como mercados e farmácias, e fechamento do comércio em geral. No entanto, mesmo com fechamento do comércio, as praias do litoral paulista estavam repletas de turistas ao longo do Natal e do fim de semana. De segunda até quinta, no entanto, o estado voltou à fase amarela, de restrição menos severa.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, a taxa de isolamento informada pelo governo de João Doria (PSDB) é questionável e insuficiente para evitar contaminação em larga escala. A previsão é de alta imediata ao longo dos próximos 15 dias.

"A perspectiva para janeiro é muito ruim", diz Paulo Lotufo, professor de epidemiologia da Universidade de São Paulo. A explicação está justamente nas idas às praias, por exemplo. Quem sai da capital corre o risco de levar o vírus principalmente para quem trabalha nos pontos turísticos, como quiosques.

Estar na praia, em tese, não é exatamente o problema. Caso a presença de um elevado número de pessoas fosse de moradores locais, com respeito ao distanciamento social, a questão nem seria tão grave, diz o especialista. O ponto central é envolver o trânsito de turistas.

"A questão das praias de São Paulo é que quem desce da capital de carro vai no mercado, no bar, na padaria e está tudo lotado. Um monte de aglomeração nos prédios, condomínios... Aí que está o problema"

O impacto será sentido, a princípio, nas cidades litorâneas. "Os prefeitos fingem não saber: quem vai se contaminar são os trabalhadores, moradores das cidades. Então, daqui um tempo, eles terão uma quantidade muito grande de pessoas infectadas, doentes, por todo esse fluxo de turistas", explica Lotufo.

Para o professor, estarmos à beira de um processo mais complicado do que o início da pandemia. Isso se deve ao fato de todas as cidades aumentarem casos e mortes de forma simultânea. Em março, segundo a análise de Lotufo, a proliferação aconteceu de forma gradual e parte dos municípios tomou suas precauções antes dos primeiros casos.

"Agora tem [coronavírus] no país inteiro. Então, o que acontece é que temos o relaxamento, mais contágio e casos em todos os locais ao mesmo tempo", afirma. "Aquilo de começar no estado pela capital, ir para a Grande SP, depois ao interior não está acontecendo. Aumentará no estado inteiro"

O UOL entrou em contato com a Secretaria da Saúde e a Secretaria de Desenvolvimento Regional de São Paulo para pedir detalhes de como será feito o combate à pandemia no verão. No entanto, as duas pastas não responderam o pedido de entrevistas.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Regional enviou vídeo do secretário, Marco Vinholi, reafirmando a entrada na fase vermelha. Ainda pontua que o estado notificou o Ministério Público sobre as 12 cidades que não respeitaram a decisão.

'Vamos esticar a pandemia no Brasil'

Na terça-feira, o estado de São Paulo registrava 1.328 novas internações causadas pelo coronavírus, com ocupação de 61,4% das UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) e de 43,8% das enfermarias.

O neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, considera "duvidoso" o percentual de 49% de isolamento social em SP apresentado pelo governo Doria.

"Não acredito que seja real", diz, quando informado sobre a taxa. Mesmo assim, define como abaixo do necessário para evitar a proliferação da doença. Usa como exemplo justamente as festas de fim de ano.

Temos uma bomba relógio para 2021. As festas [Natal e Ano Novo] estão ocorrendo, temos lotação nas praias, nos shoppings, em aeroportos. Será uma repetição do que vimos dia de Ação de Graças nos Estados Unidos"

A tradição americana, ocorrida no dia 26 de novembro, causou um aumento vertiginoso nas mortes e casos de covid-19. Entre 3 e 10 de dezembro, 15.966 pessoas morreram e 1,4 milhão recebeu diagnóstico positivo da doença. Ele considera "não totalmente impossível" o Brasil alcançar os 100 mil casos por dia "no pior dos cenários".

Projetar o fim da pandemia, então, é mais difícil ainda. Nicolelis critica o estado de São Paulo por não ter feito lockdown em nenhum momento. "São Paulo só tem a propaganda, não tem os dados para corroborar o gargarejo de que teve manejo da crise", considera. "O estado só voltou à fase de alto risco após o segundo turno [das eleições], quando membros do comitê alertaram governo de que era preciso voltar antes", emenda.

Para ele, as pessoas perderam a noção do impacto da doença, não entendendo "o que é perder 200 mil pessoas". "A curto prazo, nós vamos esticar a pandemia no Brasil ao longo de todo o ano de 2021 e pode chegar a 2022", diz.

"Ninguém se deu conta que 200 mil óbitos podem se transformar em 500 mil. Não é estapafúrdio imaginar que esse número pode dobrar em 12 meses", afirma o neurocientista.