Revendedores de oxigênio falam em "impotência" e temem apreensões no AM
Com a crise no fornecimento de oxigênio nos hospitais do Amazonas, revendedores do produto, em Manaus, afirmam sentir "indignação" e "impotência" por não poder ajudar os pacientes com covid-19 que precisam de cilindros cheios para auxiliar na respiração.
"É um sentimento de impotência. Estou com uma demanda reprimida de 600 pessoas que me procuraram pelo telefone. É uma pressão psicológica muito grande ver tanta gente pedindo ajuda e não poder fazer nada", desabafou o empresário Marcos Batista, de 35 anos, revendedor de oxigênio em Manaus.
O Amazonas enfrenta o colapso da sua rede pública e privada de saúde com a falta de oxigênio para atender os pacientes diagnosticados com o novo coronavírus. Houve o registro da falta do insumo ontem em diversos hospitais de Manaus, o que gerou uma corrida em busca de oxigênio em revendedores do insumo na capital amazonense.
A Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) exige que o produto seja revendido apenas por empresas autorizadas pelo órgão e com o insumo com pureza de 99%, mas hoje o órgão concedeu autorização para a White Martins, empresa que fornece oxigênio para o Amazonas e revendedores, produzir a substância com grau de pureza 95%.
Batista afirma que a empresa dele tem como maior demanda empresas do Distrito Industrial de Manaus, mas que devido à falta do oxigênio nos hospitais, a população passou a procurá-lo para comprar cilindros cheios ou vazios. O estoque está zerado desde terça-feira (12). Para não ficar parado, decidiu ajudar por conta própria, indo atrás de oxigênio em campanhas sociais.
"Vou atrás de gente que está com oxigênio parado para atender pessoas que precisam mais desse produto", conta.
"Fiz ontem uma entrega de oxigênio para um empresário e uma pessoa ligou chorando dizendo que faltavam apenas duas horas para o oxigênio do parente dela acabar e que iria morrer. Eu perguntei para a família que estava entregando se era urgente. Eles disseram que sim, mas depois que saí de lá, o empresário me retornou pedindo para repassar o cilindro. Tem gente que está se sacrificando para ajudar outras", lembra o empresário.
"Não consigo atender ligação nem responder WhatsApp"
Situação semelhante vive o empresário Isaque Neves da Cruz, de 46 anos. Também sem estoque para revender, ele diz que clientes o procuram desesperados para ter o insumo em casa ou levar para o hospital.
"Tem pessoas que me procuraram dizendo que gastou R$ 8 mil para montar uma espécie de UTI [Unidade de Terapia Intensiva] em casa e que precisa de oito cilindros de oxigênio por dia, mas que não encontra onde comprar. A situação está precária", lamenta.
O empresário afirma que não consegue responder tanta gente que o procura por telefone. A reportagem do UOL conseguiu o relato depois de insistir por várias vezes.
"Meu telefone tem mais de três mil ligações desde o começo dessa crise, não consigo falar no WhatsApp e preciso escolher quem eu consigo responder algo", descreve.
Isaque se diz de mãos atadas. Sem ter como envasar o oxigênio, ele passou a vender o cilindro vazio de 50 litros por R$ 4.500. O empresário garante que não aumentou o preço na crise, mas que vende escondido com medo de confisco pelo governo do Amazonas.
O envasamento do insumo de um cilindro de 50 litros de oxigênio para outro vazio custa em média de R$ 300 a R$ 500, segundo contaram os revendedores ao UOL.
"A única coisa que posso fazer é vender o cilindro vazio e ainda escondido porque se o governo souber, vai tomar de mim. Vendo e as pessoas procuram algum lugar para encher. Se eu tentar ajudar as pessoas fazendo um investimento em compra de cilindros, corro o risco de ter a carga toda confiscada", afirma o empresário, que diz estar sem vender cilindros cheios desde 7 de janeiro. "Meu sentimento é de indignação", completa.
Em nota, o governo do Amazonas afirmou que "não procede a informação" de confiscos ou eventuais futuras apreensões de cilindros.
"O único episódio de apreensão foi durante fiscalização das forças de segurança sobre cumprimento do decreto que trata de restrição provisória de circulação de pessoas em espaços e vias públicas. Na ocasião, a polícia flagrou carregamento de cilindros de oxigênio em que não foi comprovada origem e não foi apresentada documentação da carga apreendida", disse o governo, sobre a apreensão de 33 cilindros, ocorrida ontem, em Manaus.
"Estoque de duas semanas acabou em duas horas"
O empresário Davi Martins é o proprietário da carga apreendida. As polícias Militar e Civil flagraram um caminhão da empresa dele com 33 cilindros, sendo 26 cheios, em uma rua de Manaus, segundo a Secretaria de Segurança Pública, com "fim de especulação".
Ao UOL, ele negou irregularidade. O empresário afirma que retirou os cilindros da empresa por medo de ter a propriedade invadida por pessoas desesperadas em busca do insumo para o tratamento médico.
"Chegou um momento que, por conta do desespero, algumas pessoas começaram a forçar nosso portão do estoque para saber se, de fato, tinha ou não cilindro. Por causa deste fato, ficamos assustados e levamos o caminhão com o nosso estoque, já que existia essa possibilidade de invasão da empresa", alega o empresário.
"Entendemos a revolta. Já pensou ter uma pessoa em casa morrendo?", compreende.
Martins diz que, no último sábado (9), o estoque de 50 cilindros de 50 litros de oxigênio acabou em apenas duas horas, quando o normal seria durar duas semanas.
As pessoas estão desesperadas. Elas estão vindo até a gente porque não tiveram condições de serem atendidas no hospitais para fazer os parentes terem mais algumas horas de vida. 50 cilindros duram em média duas semanas. O estoque de duas semanas acabou em duas horas", calcula.
Crise em Manaus
De acordo com dados do governo do Amazonas, o estado enfrenta problemas com a falta de oxigênio devido à alta demanda de internações de doentes com covid-19 que necessitam de auxílio de cilindros de oxigênio para respirar.
Segundo o governo do Amazonas, para atender a demanda, tanto dos hospitais públicos quanto dos hospitais privados, as fornecedoras White Martins, Carbox e Nitron precisavam entregar 76.500 m³ diariamente. No entanto, a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia, de acordo com o governo. Para sanar o déficit de 48.300 m³ diários, a operação está buscando em Fortaleza e São Paulo o insumo para trazer até Manaus em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).
Para desafogar os atendimentos, o Amazonas anunciou a transferências de pacientes para outros estados.
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