Incluir caminhoneiro em vacinação prioritária abre brecha a ações judiciais
A inclusão de profissionais de transporte no grupo prioritário da vacina contra covid-19 pode abrir um precedente para que outras categorias acionem a Justiça na tentativa de serem incorporadas aos grupos de risco. É o que avaliaram especialistas consultados pelo UOL após a decisão do governo federal divulgada na tarde de ontem (22).
A segunda versão do plano nacional de vacinação do Ministério da Saúde aumentou em 25,6 milhões a população-alvo prioritária da vacinação.
Com isso, cerca de 37% da população brasileira está entre o público prioritário, incluindo caminhoneiros, funcionários portuários e trabalhadores da construção civil.
O advogado e médico sanitarista Daniel Dourado, pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) e da Universidade de Paris, avaliou que toda categoria vai ter legitimidade para alegar motivos para a inclusão em grupos de risco e que caberá ao Judiciário frear os pedidos para não tumultuar o processo de vacinação.
Se algum juiz der isso, os tribunais superiores precisam brecar. Se não for assim, vai ser uma confusão danada
Daniel Dourado, advogado e médico sanitarista
Dourado acrescentou que, num país diverso como o Brasil, pessoas "acostumadas aos seus privilégios querem usar a vacina como benefício individual".
Ele citou como exemplo pedidos de entes públicos que fizeram tentativas para constar na primeira leva de vacinação. A lista inclui membros do Ministério Público de São Paulo e servidores de instâncias superiores da Justiça como STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e TST (Tribunal Superior do Trabalho).
"O indivíduo que fura a fila da vacinação, que acha que está tudo bem em vacinar primeiro, pode precisar de assistência hospitalar para outra questão, acidente, e não vai ter porque a rede vai estar saturada com covid", afirmou.
Governo decide, mas população desconfia
Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama e doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo), observou que a decisão sobre os grupos prioritários é prerrogativa do governo, mas que a desorganização em torno da distribuição da vacina contribui para que as pessoas busquem uma solução na Justiça.
"Existe a possibilidade de determinados grupos se sentirem preteridos, questionarem por que um grupo foi escolhido em detrimento de outro. Até porque a judicialização de políticas públicas tem estado muito em alta na última década", explicou Caldas.
Na visão do jurista, categorias que sejam consenso sobre exposição e risco, como profissionais de saúde e idosos, são menos passíveis de questionamento.
No entanto, a inclusão de novos grupos entre os prioritários — enquanto ainda não há perspectiva de completar a vacinação sequer na primeira fase —, contribuem para o que ele chamou de "ambiente pessimista".
É como ter um produto na loja, você ter o dinheiro para comprar esse produto e não conseguir comprar por questões de logística. É a mesma coisa com a vacina.
Camilo Onoda Caldas, diretor do Instituto Luiz Gama
A falta de credibilidade sobre os critérios de escolha do governo também foi apontada pelo professor de direito constitucional da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Daniel Sarmento.
"O que me parece é que, quando o governo coloca os caminhoneiros, tem mais a ver com uma questão não republicana de aceno eleitoral à base eleitoral do presidente do que com critérios sanitários. Não dá para o Judiciário não interferir se os grupos vulneráveis não forem contemplados."
O Judiciário pode intervir se verificar discriminação e não proteção dos segmentos mais vulneráveis ou tentativa de concessão de privilégios a grupos próximos do governo.
Daniel Sarmento, professor de direito da UERJ
Sarmento lamentou o que classificou como "várias falhas na lista de prioridade", citando a inclusão de indígenas em terras demarcadas no grupo prioritário enquanto o próprio governo não faz a demarcação.
"Fazem até bravata disso. E estão excluindo um grupo muito vulnerável", disse.
STF já recebe pedidos
O ministro do STF Ricardo Lewandowski negou nesta quinta (21) um pedido da FBASD (Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down) para a inclusão de deficientes, cuidadores e responsáveis no grupo prioritário da vacinação.
O magistrado indeferiu o pedido —"por mais louvável que seja"— ao entender que ele carece de mais avaliações técnicas.
No entanto, admitiu a instituição como parte interessada numa das ações que trata da vacinação e solicitou ao Ministério da Saúde que contemple o pedido da associação.
A associação alegou que o plano nacional inclui apenas "deficiência permanente grave" na população-alvo prioritária, algo considerado relativo por não ser possível "graduar deficiência para fins de atendimento de saúde".
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