Topo

Vacina mata? Alimentos e remédios comuns fazem mais mal que imunizante

Movimentos antivacina ganham força nas redes e questionam eficácia e efeitos colaterais de imunizações - Karl-Josef Hildenbrand/picture alliance via Getty Images
Movimentos antivacina ganham força nas redes e questionam eficácia e efeitos colaterais de imunizações Imagem: Karl-Josef Hildenbrand/picture alliance via Getty Images

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

13/02/2021 04h00

Tiffany Dover, enfermeira em um hospital do Tennessee, nos Estados Unidos, desmaiou após tomar a primeira dose da vacina da Pfizer contra a covid-19 em dezembro passado. Os efeitos colaterais e a eficácia do imunizante foram colocados em xeque nas redes sociais até que a própria Tiffany declarasse à emissora da NBC que costuma desmaiar quando sente dor: "Se eu bato o dedo do pé, corro o risco de desmaiar".

A morte de um voluntário de pesquisas da CoronaVac em São Paulo, em novembro, atraiu a atenção até mesmo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que relacionou o óbito à vacina. O caso, conforme apurou o UOL, foi registrado como suicídio e não tem ligação com a imunização.

A conexão entre casos e efeitos adversos do imunizante reforça movimentos antivacina, amplificados pelas redes sociais, e colocam em risco a saúde da população. Toda medicação oferece um risco, mas segundo especialistas consultados pelo UOL, as vacinas estão entre os medicamentos mais seguros oferecidos pela medicina.

Muitos dos casos de supostas reações aos imunizantes não têm qualquer relação com as vacinas em si.

Ter medo da vacina e não da doença é absurdo e incoerente."
Mônica Levi, pediatra e diretora da SBIm

O que é mais comum nos episódios é o que os especialistas chamam de "associação temporal". Ou seja: as mortes coincidentemente ocorrerem após a vacinação sem que tenham sido provocadas pela vacina.

Infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Raquel Stucchi citou como exemplo campanhas de vacinação em idosos, principalmente de gripe, que ocorrem no inverno, época em que a mortalidade é maior na faixa etária. Mesmo depois de vacinados, muitos acabam falecendo por outros problemas de saúde; algo que, segundo ela, reforça que não há relação entre os óbitos e o imunizante.

Infarto, AVC, derrame. São coisas que continuam acontecendo e que as pessoas vão ter, com vacina ou sem vacina. É importante que as pessoas saibam que as doenças continuarão acontecendo mesmo que uma pessoa seja vacinada. Não tem relação com a vacinação."
Raquel Stucchi, médica infectologista e consultora da SBI

A infectologista também alertou que todos os óbitos que ocorrem após a aplicação de uma vacina são fortemente investigados. É o caso de um idoso que faleceu em Manaus e foi reportado às autoridades em 30 de janeiro. Quando vacinado, ele apresentava sintomas leves de gripe e, segundo familiares, também sofria de pressão alta.

Procurada pela reportagem, a FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) afirmou que o caso ainda está sob investigação pelo Crie (Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais).

"A previsão é que o laudo definitivo da necrópsia realizada no idoso, com autorização da família dele, fique pronto em 30 dias", afirmam.

Morte de cacique entra na conta das fake news

Fernando Katukina - Odair Leal/Secom AC - Odair Leal/Secom AC
O indígena Fernando Katukina, de 56 anos, foi vacinado em Cruzeiro do Sul (AC)
Imagem: Odair Leal/Secom AC

A coincidência também gerou burburinho em torno da morte do líder indígena Fernando Rosa da Silva Katukina, 56 anos, primeiro representante do povo Nôke Kôi a tomar a vacina contra a covid-19 no Acre.

O quadro geral de saúde de Katukina foi apontado como o principal fator de sua morte. Em comunicado, a CPI-Acre (Comissão Pró-Índio do Acre) disse que ele se encontrava em estado debilitado "há bastante tempo".

Ele sofria de diabetes há 11 anos, condição agravada nos últimos anos com diagnósticos de hipertensão e insuficiência cardíaca. Foi uma parada cardíaca que lhe tirou a vida em 1º de fevereiro, exatos 13 dias após receber a primeira dose da CoronaVac.

Infectado por covid-19 ao menos duas vezes, segundo a CPI-Acre, o cacique se voluntariou para receber o imunizante e servir de exemplo a outros indígenas na adesão à campanha de vacinação. Ele recebia acompanhamento médico e não havia manifestado reações à vacina.

A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) disse em nota que "em nenhum momento foi constatada conexão entre a vacinação e seu óbito". As falsas notícias que apontavam a morte como provocada pela vacina levaram o governo federal e o Instituto Butantan a desmentir os boatos.

Mas a vacina oferece risco?

"Vacina é algo que depende de credibilidade. Se tiver o mínimo risco de causar um dano, as pessoas não vão querer tomar. O que existe hoje no mercado, aprovado, o benefício supera astronomicamente o risco envolvido", afirmou o médico virologista Maurício Lacerda Nogueira, da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo).

Nogueira coordenou os estudos de duas vacinas contra covid-19 no Brasil: a CoronaVac e a da farmacêutica belga Janssen.

Ele afirmou que os tipos de vacina considerados menos seguros contam com vírus vivos na composição, como é o caso de vacinas de febre amarela. Por isso, algumas pessoas contraem a doença em vez de reagirem ao imunizante. No entanto, nenhuma vacina contra a covid-19 é feita com esta composição.

A maior chance de reação à vacina da covid-19 é se o paciente for alérgico a um dos componentes. Ainda assim, trata-se de um quadro considerado reversível.

Todas as alergias são facilmente revertidas dentro de um ambiente hospitalar, por isso, a vacina tem que ser dada em campanha por pessoas qualificadas."
Maurício Lacerda Nogueira, virologista da Famerp

"Amendoim, morango e remédios de uso habitual são muito mais passíveis de reação alérgica grave. Coisas com corantes, alimentos com corantes... É muito mais comum você ter qualquer alergia às coisas que utilizamos no dia a dia do que à vacina", explicou a pediatra Mônica Levi, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

Medicações que não demandam receita oferecem mais risco que vacina

A quantidade de testes em torno da eficácia das vacinas é calculada para garantir a segurança da maior quantidade de pessoas, mesmo que com sistemas imunológicos diferentes.

Efeitos colaterais, que podem ser desde dores no braço até casos graves de internação, foram a justificativa utilizada por Bolsonaro para não se responsabilizar caso as pessoas tenham reações ao imunizante. O chefe do Executivo já declarou que não pretende se vacinar contra a covid-19.

Para a infectologista Raquel Stucchi, há mais motivos para temer alergia por outras fontes do que pela vacina, incluindo medicações que não precisam de receita médica.

Se a gente for ver tudo de reação adversa de qualquer medicação, você não toma mais nada de nada. Algumas são muito mais frequentes: dipirona, ácido acetilsalicílico [AAS, ou aspirina], antiinflamatórios, penicilina. Antibióticos que com frequência podem dar quadros alérgicos e nem por isso existem restrições. Alguns você pode comprar na farmácia sem nenhuma receita, inclusive ali na boca do caixa."
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da SBI

farmacia - Zanone Fraissat/Folhapress - Zanone Fraissat/Folhapress
Remédios encontrados em farmácias e sem necessidade de prescrição oferecem mais riscos que vacina
Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Leia a bula

Se, apesar de todos os alertas sobre a segurança da vacinação, restar uma única dúvida, o virologista Maurício Nogueira recomenda que o paciente consulte as bulas das vacinas aplicadas no Brasil, que estão disponíveis online e podem ser consultadas aqui (CoronaVac) e aqui (AstraZeneca).

A pediatra Mônica Levi acrescenta que, no momento da vacinação, pessoas com histórico de alergias relatem isso aos profissionais de saúde para que sejam mantidas em observação por alguns minutos após receberem a dose.

Já a infectologista Raquel Stucchi enfatizou que as vacinas são "vítimas delas mesmas": "Elas foram tão eficazes em controlar tantas doenças que as doenças não existem mais, e as pessoas não conheceram essas doenças, o impacto e a ameaça que tiveram na sociedade. Quando as pessoas não conhecem, não têm medo".

As vacinas só são realmente liberadas e colocadas para uso na população quando o benefício que levam para em termos de prevenção é infinitamente maior que qualquer risco de reação adversa. As vacinas são sempre seguras."
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da SBI

Os laboratórios Pfizer, Sinovac, AstraZeneca e os institutos Butantan e Fiocruz foram procurados pela reportagem para tratar de efeitos adversos nos imunizantes contra a covid-19. Nenhum deles retornou a tempo da publicação do texto, mas o espaço se mantém aberto caso queiram se posicionar.