Na fila da sobra, idosas comemoram imunização contra a covid-19: 'Alívio'
Duas Marias terminaram o dia com sensação de alívio. Moradoras da Vila Santa Catarina, na zona sul da cidade de São Paulo, elas estavam na fila de espera para vizinhos da UBS (Unidade Básica de Saúde) Canaã, se por ventura sobrasse alguma dose na vacinação de covid-19. Deram sorte ontem.
Por volta das 17h50, Maria Luiza dos Santos Gonçalves, 64, entrou na UBS auxiliada pelo genro, Everton Luidi, 34. A mulher dele havia deixado o nome da aposentada. Dez minutos antes, ela recebeu uma ligação com a "convocatória".
"Eu estava em casa, esperando chegar a vacinação da minha idade. Começaram com a mais alta, eu estava preocupada. Já sou idosa, por que não libera a vacina já para todas as idades [entre os mais velhos]?"
A intenção era se proteger logo por causa dos netos. "Não tem como não ter contato com a família. Afinal de contas todos trabalham e, de vez em quando, os netos precisam ficar em casa, então eu precisava tomar a vacina logo", explica.
Embaixo de um guarda-chuva, disse que vai continuar seguindo todos os cuidados de higiene, como limpeza das mãos e uso de máscara. São quatro pessoas em sua casa e apenas ela está imunizada. A segunda dose já está agendada para daqui 15 dias. "Está certinho na carteirinha."
Ficar trancada é algo fora da sua natureza. Recorreu à música e à televisão para passar o tempo em quase um ano de isolamento social. Apesar de tudo, reconhece a importância do isolamento para evitar mortes.
Criticou a atuação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na pandemia. "Acho que ele é uma pessoa que não é humana. Se ele fosse humano, liberava mais [vacina] e ajudava mais as pessoas mais humildes", diz.
Maria Helena de Souza, 63, foi outra beneficiada. Ela chegou à UBS Canaã pouco depois da xará. Recebeu uma ligação às 18h e deixou a unidade já vacinada cerca de 20 minutos depois.
Além do nome, as duas Marias têm o cadastro em comum. "Meu nome está na lista desde a semana passada. Minha filha veio e a moça falou que sobraria alguma dose. É um alívio", afirma a empregada doméstica.
O telefonema para receber a CoronaVac aconteceu logo depois de ela ter chegado do trabalho. Mesmo indo e voltando em carros de aplicativo de transporte, o medo existia, porque ela mora com a filha e dois netos.
"Eu estava preocupada porque no começo ela estava gestante. Eu pensava: 'Meu Deus e meu neto?'. Vai que eu pego", conta. Um sobrinho e sua irmã, que é enfermeira, pegaram a doença. "Ninguém da família morreu, graças a Deus."
Nem todos têm êxito
Nem todos dão sorte quando o assunto é sobra da vacinação. Izabela Harumi Nishioka, psicóloga de 26 anos, tentou se imunizar na UBS Chácara Santo Antônio. Chegou a sentar na cadeira para receber a CoronaVac, mas as doses no frasco acabaram na pessoa anterior.
"Fiquei na fila para tomar com a senha sete. A informação que eu tinha era que só poderia ficar nessa fila da sobra profissional da saúde, aconteceu que sobraram seis doses e, na minha vez, tentaram retirar mais uma dose e acabou", conta. "Fiquei na fila nos dias 15 e 16 de fevereiro."
Izabela relata ter sido tratada com desdém por colegas de saúde. "A chefe da vacinação da unidade disse que nem éramos prioridade, que, se eu atuasse na linha de frente [da covid-19], eu já teria sido vacinada. Ela não entendeu que eu trabalho com população em situação de rua", diz.
Somente depois disso soube não ser exclusivas as sobras de vacina para profissional da saúde. Ela sente medo por não ter sido vacinada. Ainda assim, permanece trabalhando.
"Não tive alternativa! As escolas estão abertas desde o ano passado e a população em situação de rua mais do que nunca precisou que estivéssemos nas ruas", diz.
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