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Doria relaxa restrição e gera desgaste com médicos do comitê de covid de SP

Leonardo Martins

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/02/2021 16h47Atualizada em 26/02/2021 23h00

Estão cada vez mais descontentes com o governador João Doria (PSDB) os médicos que integram o Centro de Contingência ao Coronavírus em São Paulo, núcleo que assessora o governo estadual no combate a pandemia. O governador diz acatar as sugestões do comitê, mas, com frequência, faz alterações para relaxar as regras de isolamento social oferecidas, segundo o UOL apurou.

No pior momento da pandemia no país, a maioria dos integrantes do Centro de Contingência defendem, há pelo menos duas semanas, a proposta de um lockdown por um período de dez dias no mínimo. A medida nunca chegou a ser defendida com tanto afinco pelos médicos como agora, que veem na restrição total a única alternativa para evitar um colapso no sistema de saúde em 15 dias.

Em nota enviada à reportagem, após a publicação deste texto, a Secretaria de Comunicação do estado diz que, "em ao menos seis oportunidades, as sugestões do Centro de Contingência foram adotadas pelo governo" e que a gestão obedece "a critérios técnicos, e não a pressões" (leia a íntegra da manifestação do governo ao final do texto).

Apoiado pelo 'setor econômico' do governo, Doria tem se mostrado reticente em decretar um lockdown. O principal motivo para a hesitação do governador seria a indisposição com o comércio, que faz pressão no governo estadual para que não haja fechamento dos setores não essenciais, além de ser uma medida considerada 'impopular' por autoridades paulistas.

Sabendo disso, o Centro de Contingência ainda negociou com o governador que o lockdown acontecesse apenas à noite e de madrugada, a fim de evitar que jovens, considerados os principais vetores de transmissão da covid-19, frequentassem bares, festas e restaurantes.

A ideia seria um toque de recolher já neste final de semana, proibindo as pessoas de saírem de casa a partir das 22h até as 5h, além de regredir todas as regiões em fase amarela para a fase laranja, que é mais restritiva.

Foi sugerido pelo comitê, também, que algumas regiões do estado, como Campinas, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e Bauru, tivessem o toque de recolher antecipado para 20h. Mas não teve jeito.

O governador anunciou, no dia seguinte à reunião com o Centro de Contigência, a versão adaptada da proposta do comitê, batizada de "toque de restrição". Foi o ponto máximo de incômodo dos médicos.

Até membros do próprio governo consideraram a coletiva "desastrosa" em termos de comunicação. Isso porque o anúncio fazia referência a uma medida que parecia ser severa, como um toque de recolher, mas se tratava apenas de um anúncio de mais fiscalização de aglomerações.

Autoridades do governo relatam que, para o governador, a ideia de um lockdown causaria "pânico" na população e que a medida seria desnecessária neste momento, em que o número de leitos de hospitais ainda estariam sob controle.

Uma parte minoritária do comitê concorda com essa tese e acredita que o lockdown é "inviável", uma vez que a população não obedeceria às regras e as restrições anunciadas pelo governo cairiam em descrédito permanente.

Receio de um colapso

Enquanto isso, nos bastidores da Secretaria de Saúde, é real o receio de um colapso do sistema de saúde paulista. A taxa de ocupação de leitos no estado passou os 70% e continua subindo diariamente.

Até hospitais particulares da capital, como Albert Einsten, Sírio Libanês e Samaritano, operam com capacidade máxima e estão com as UTIs lotadas de pacientes.

A pressão interna por restrições aumentou e o governo decidiu regredir seis regiões do Plano São Paulo para a fase laranja, incluindo a capital paulista.

As projeções da pandemia fizeram até com que a pasta da Saúde voltasse a mobilizar técnicos para estudar novamente a viabilidade de reabrir hospitais de campanha, mas, desta vez, interligados com outros hospitais, para evitar maiores custos e aproveitar médicos e enfermeiros da unidade de saúde.

Hoje, o secretário de Saúde, Jean Gorichteyn, pediu que as pessoas respeitem o isolamento social e admitiu que o estado corre risco de colapsar.

Estamos fazendo o melhor, mas tudo tem limite: recursos humanos, espaços em UTIs. Temos risco de colapsar. Precisamos do apoio da população. Mais do que nunca, a população tem de acolher nossos chamados

Jean Gorichteyn, secretário de Saúde de São Paulo

Leia a íntegra da nota enviada pelo governo de São Paulo após a publicação da reportagem.

"O UOL realiza mau jornalismo ao fazer uma narrativa parcial e enviesada da relação do governo com o Centro de Contingência na
reportagem "Doria relaxa restrição e gera desgaste com médicos do comitê de covid de SP".

A matéria induz o leitor ao erro, ao narrar como regra uma conduta de negação constante do Governador de São Paulo às recomendações do Centro de Contingência.

Se houvesse real interesse da reportagem em aferir e informar a real natureza das relações do Governo com o órgão consultivo, o leitor seria informado que desde novembro do ano passado, em ao menos seis oportunidades as sugestões do Centro de Contingência foram adotadas pelo governo, como horários mais restritos para venda de bebidas alcoólicas, 100% do Estado na fase vermelha em determinados dias, e endurecimento de critérios de classificação do Plano SP.

Todas estas informações públicas foram omitidas do leitor, deixando a impressão de que o Estado somente nega o que é solicitado sem acatar sugestões, o que os fatos demonstram não ser verdade. Deve se dar o benefício da dúvida se esta grave omissão ocorreu por uma simples falta de apuração básica, ou se foi intencional para criar uma cisão onde não existe por influência da fonte.

A reportagem escandalosamente se esforça para apontar que uma suposta "pressão interna" motivou o Governo do Estado a regredir as regiões do Plano São Paulo para a fase laranja e vermelha.

Ao afirmar isso, o repórter demonstra desconhecimento básico dos critérios do Plano SP, já amplamente divulgados nas 181 coletivas de imprensa realizadas desde o início da pandemia.

Caso contrário, saberia - e informaria corretamente o seu leitor - que a capacidade hospitalar, a evolução dos casos, óbitos e internações são os fatores que determinam o funcionamento do Plano, independente de pressões sejam elas quais forem. Obedecendo estes mesmos critérios técnicos já foram realizadas 23 reclassificações, sem que nenhum órgão de imprensa indicasse adulteração da regra devido a supostas pressões.

Outra inverdade relatada na reportagem se refere a uma pressão do "setor econômico" para o Governador de SP não tomar medidas de restrição. A regressão em seis regiões hoje mesmo expõem de maneira nítida que o Governo de SP segue as regras acordadas do Plano SP, sem fazer concessões, em comum acordo com os especialistas do Centro de Contingência.

O Governo do Estado de São Paulo repudia a intenção do UOL em criar uma narrativa unilateral de cisão institucional onde não há. Baseada unicamente em fonte indeterminada, sem levar em consideração e dar voz aos diversos atores envolvidos.

Ignorando fatos básicos criou-se não uma reprodução verdadeira do relacionamento da gestão da Pandemia no Estado de São Paulo, mas uma verdadeira "fake news" sem lastro na realidade mais complexa e menos maniqueísta do que a versão apresentada.

A gestão pública estadual não se pauta por pressões políticas, econômicas, pessoais, partidárias, ideológicas ou de qualquer natureza que não as recomendações da medicina e da ciência para proteger e salvar vidas durante a pandemia.