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Variante brasileira aumenta em 10 vezes presença do coronavírus em doentes

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/02/2021 10h02

Um estudo de epidemiologia genômica feito por cientistas brasileiros revela que pacientes infectados com a nova variante P.1, de origem no Amazonas, têm uma carga viral 10 vezes maior em secreções colhidas por amostras RT-PCR do que a média vista em cepas anteriores. Além disso, essa carga está também mais alta em homens e mulheres adultos com idade inferior a 60 anos.

As conclusões constam em um artigo publicado nesta sexta-feira (26) e assinado por 29 pesquisadores na área de virologia do país. O documento está em fase de pré-impressão, ou seja, esperando validação dos pares internacionais —mas já está disponível para leitura.

O estudo confirma que as mutações do vírus na variante P.1 devem estar associadas a uma maior transmissão e podem ser responsáveis por infecções mais graves. Isso ajuda a entender a explosão de casos no Amazonas entre janeiro e fevereiro, levando a mais mortes de covid-19 este ano que em 2020 inteiro.

"As infecções pela linhagem P.1 do SARS-CoV-2 foram associadas a cargas virais mais altas. As trajetórias Rt [taxa de retransmissão] estimadas de linhagens amazônicas de SARS-CoV-2 apoiam que a P.1 deve ser mais transmissível do que linhagens virais prevalentes anteriores", diz o artigo.

Para chegar a conclusão, os pesquisadores compararam amostras testadas por meio de exame RT-PCR de pacientes com a variante e compararam com outras pessoas não infectadas pela P.1 —ambas em momentos similares da doença, no início dos sintomas dos pacientes.

"Nossas análises indicaram que a carga viral foi em torno de 10 vezes maior nas infecções por P.1 do que nas infecções não P.1", pontua o estudo.

O estudo teve como base 250 sequências de alta qualidade do genoma do SARS-CoV-2 colhidas de pacientes em 25 municípios do estado, entre março de 2020 e janeiro de 2021. As sequências foram geradas na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, em parceria com a FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) e o Lacen (Laboratório Central) do Amazonas.

Outra revelação importante do estudo é que homens idosos infectados com a P.1 apresentaram cargas virais semelhantes àquelas encontradas em casos de infecção por outras linhagens —o que pode refletir a diminuição da resposta imunológica. Estatísticas mostram que são os homens a partir de 60 anos que mais morrem de covid-19.

Outro resultado sugere que indivíduos infectados com P.1 acima de 18 anos "podem ser igualmente infecciosos, independentemente do sexo e da idade". Isso coincide com o momento da segunda onda, em que hospitais do país relatam terem mais pacientes jovens e graves internados.

A pesquisa ainda traz um alerta a todo o planeta. "Esses dados fornecem uma visão única para a compreensão dos mecanismos que estão por trás das ondas epidêmicas de covid-19 e o risco de disseminação da linhagem P.1 no Brasil e potencialmente em todo o mundo."

No Brasil, essa nova variante já foi encontrada em ao menos 10 estados, mas suspeita-se que ela esteja presente em todos (visto que há poucos sequenciamentos feitos no país para comprovar a linhagem do vírus).

Surpresa com os resultados

Segundo o coordenador do estudo e pesquisador da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca, a quantidade de vírus 10 vezes maior encontrada nas secreções dos pacientes infectados pela variante brasileira surpreendeu os cientistas que participaram da pesquisa.

Isso pode ter relação com a maior transmissibilidade do vírus. E se existe mais transmissão, teremos mais casos e, provavelmente, mais casos graves. Isso pode ajudar a explicar o caos no Amazonas este ano.
Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia

Apesar de a carga viral ser um fator que pode resultar em pacientes com casos mais graves, Naveca explica que isso não é regra. "Temos casos de alta carga viral e a pessoa não apresenta sintomas; depende de cada um", afirma.

Sobre o achado de maior carga em pacientes mais jovens com a P.1, o pesquisador diz que se trata de uma novidade. "Em homens acima de 59 anos não havia diferença entre a carga viral P.1 versus não P.1, provavelmente porque o sistema imunológico já não lida bem com qualquer das variantes. No entanto, no grupo adulto de 18 a 59 anos, vimos essa diferença independente do sexo: tanto em homens, quanto nas mulheres a carga viral da P.1 era mais alta", explica.

Naveca diz que isso levanta uma hipótese citada por muitos médicos do Amazonas de que a covid-19 da segunda onda está acometendo mais jovens e de forma grave.

Sobre a questão dos jovens há também uma grande dúvida: eles estão mais doentes por uma questão comportamental, ou seja, porque largaram de mão dos cuidados, ou é uma característica biológica da variante? Ainda não sabemos.
Naveca

O pesquisador relata ainda que esse estudo é o mais completo de sequenciamento já feito no Amazonas e estudou amostras de quase um ano de pandemia no estado.

Nós mostramos que o crescimento exponencial da primeira fase se deu por conta da linhagem B.1.195, que foi gradualmente sendo substituída pela linhagem B.1.1.28 e permaneceu como principal até dezembro, quando uma segunda substituição aconteceu coincidindo com o surgimento da variante P.1.
Felipe Naveca

Ele explica ainda que as análises confirmaram que a nova variante é fruto da evolução da linhagem B.1.1.28 do Amazonas, e que foi detectada primeiramente em dezembro. "E rapidamente se tornou dominante. Nossos resultados mostraram que a substituição de linhagens é algo complexo, mas que teve relação com a queda do distanciamento social", finaliza.