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"Está todo mundo no limite e vai piorar", diz enfermeira de SP

04.mar.2021 - Pronto Socorro do Hospital de Heliópolis fechado por causa da covid-19 - Lucas Borges Teixeira/UOL
04.mar.2021 - Pronto Socorro do Hospital de Heliópolis fechado por causa da covid-19 Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

05/03/2021 12h00

Noites mal dormidas, almoço às 16h, preocupação com o futuro. Há um ano no combate da pandemia, profissionais da saúde em São Paulo narram exaustão, medo e desesperança ao pensar nas próximas semanas.

O país tem vivido a pior semana da pandemia desde fevereiro do ano passado. Nesta semana, tanto o Brasil quanto São Paulo bateram seus recordes em número de mortes em 24 horas. O estado registra atualmente quase 78% das UTIs (unidades de terapia intensiva) ocupadas e projeta um colapso para 15 de março caso nada mude. A capital tem 76% de ocupação.

Por fora, quatro dos cinco hospitais públicos visitados pelo UOL na última quinta-feira (4) estavam aparentemente tranquilos, sem filas exageradas ou cenas de caos, como registradas em outros estados. O quinto, de Heliópolis, na zona sul, estava com o pronto-socorro fechado. Dentro, no entanto, os funcionários narraram um cenário mais caótico.

"Está todo mundo no limite. [O número de pacientes] tinha caído [no final de 2020] e, em janeiro, voltou a subir para 50, às vezes 70 com sintomas [de covid] por dia. Alguns confirmam, outros, não. Mas voltou a crescer mais ainda a partir do meio de fevereiro. Tanto falaram que a gente esperava até mais [caos], mas sabemos que vai piorar", contou uma enfermeira do Hospital Municipal do Jabaquara, que preferiu não ser identificada.

Por volta das 15h30, ela ainda não tinha almoçado. "Para você ver como está lá dentro. Entra um [paciente], depois vem outro. Tem diversos procedimentos a serem feitos. Ninguém consegue parar, está muito cansativo", diz ela.

Pronto-Socorro do Hospital Municipal do Jabaquara, em São Paulo - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Pronto-Socorro do Hospital Municipal do Jabaquara, em São Paulo: aumento no movimento e profissionais exaustos
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

"Lá dentro está tudo cheio, mas temos conseguido controlar. Já está muito difícil. Se piorar, não sei", conta um funcionário da AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Barradas, na zona sul, que abriga o Hospital de Campanha de Heliópolis, com 46 leitos de UTI.

Os relatos são parecidos tantos nos hospitais estaduais quanto municipais. O cansaço de combater uma pandemia junto ao medo de ver a situação piorar contrastam com a "pequena sensação de gratidão de não termos ficado que nem Manaus", pontuou uma enfermeira.

A maioria dos funcionários fica receosa de conversar com a imprensa. A orientação, explicam, é procurar a direção ou as respectivas assessorias, mas todos mostram cansaço. Em frente ao Hospital Estadual do Ipiranga, um médico fumava e lamentava com o pipoqueiro que "as coisas tinham voltado a regredir". "Ninguém esperava viver isso tudo de novo. Ninguém aguenta mais."

No Hospital das Clínicas, maior complexo hospitalar da América Latina, na zona oeste, o clima é de estresse. Apesar de não ter portas abertas, a UTI está "no limite", e os funcionários, exaustos. Os relatos são de mortes em sequência e preenchimento rápido dos leitos.

Com o aumento dos casos, as cirurgias eletivas e ambulatoriais e os procedimentos endoscópicos voltaram a ser suspensos por 15 dias, período da fase vermelha, como ocorreu por meses no ano passado, então pico da pandemia.

PS fechado pela covid

Embora não houvesse caos nos hospitais visitados, nenhum estava tão tranquilo quanto o de Heliópolis. Sem filas, poucos transeuntes, um certo silêncio, parecia não viver uma pandemia. O motivo? O pronto-socorro foi fechado por causa do excesso de pacientes com covid, disseram os funcionários. A informação já era dada na portaria aos que vinham de carro.

Em uma situação mais extrema do que as outras, a tranquilidade de fora não transmitia o caos interno. Segundo os funcionários, o PS estava sem receber novos pacientes desde a última quarta (3). "A coisa ali [dentro do hospital] está feia, viu?", contou um funcionário.

Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou que o Hospital Heliópolis "não é referência para covid-19" e não está fechado. "Assim, a reportagem está equivocada neste aspecto", diz a nota, que não responde sobre o pronto-socorro —fechado, como mostra imagem.

"Como atende casos gravíssimos e de alta complexidade, inclusive de câncer, para segurança dos próprios pacientes, está atuando justamente com foco em demais patologias, enquanto outros hospitais atuam como referência para casos do novo coronavírus, a exemplo do hospital de campanha reativado pelo governo do estado no mesmo bairro e o Hospital Ipiranga, localizado também na zona sul da capital", completa a nota.

De fato, os funcionários do pronto-socorro do local pediam que as pessoas se dirigissem ao Ipiranga, também visitado pela reportagem.

Ninguém morre por falta de leito, diz secretaria

Ao UOL, a Secretaria Municipal de Saúde afirmou que nenhum paciente morre por falta de leito na capital. Segundo o último boletim epidemiológico, a cidade tem cerca de 260 leitos de UTI disponíveis e mais 70 foram abertos no Hospital do M'Boi Mirim, na zona sul, na última quinta.

A coluna da Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo, informou que a cidade tinha, na quarta, 230 pacientes à espera de internação complexa. A prefeitura explica que isso se refere a uma espera logística, de transferência dos enfermos entre as unidades, o que geralmente é resolvido no mesmo dia, e não de falta de leitos.

Esse também é o discurso adotado pelo governo do estado. "Até então, temos atendido a todos, mas a situação pode mudar", já declarou o secretário Jean Gorintcheyn em diferentes ocasiões.

Conforme o UOL apurou, o estado estima que, se a situação não mudar, o estado poderá colapsar em meados de março. Para evitar, o governo decretou a regressão de todo o estado para a fase vermelha, mais restritiva do plano São Paulo, em que só os serviços essenciais funcionam, por duas semanas.

"A Secretaria de Estado da Saúde enaltece e agradece todos os trabalhadores da saúde das redes pública e privada de saúde, que que têm atuando incansavelmente na missão de salvar vidas em meio a pandemia", declarou a pasta, em nota, e destacou que lançou um programa voltado à saúde mental dos funcionários no ano passado.