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"Querem ver seringa": enfermeiros relatam reações após denúncias de vacinas

Idoso é imunizado no posto de vacinação drive-thru do Memorial da América Latina, na Zona Oeste de São Paulo - Divulgação/Governo do Estado de São Paulo
Idoso é imunizado no posto de vacinação drive-thru do Memorial da América Latina, na Zona Oeste de São Paulo Imagem: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

03/04/2021 04h00

Filmar a vacinação contra covid-19, hoje, não é só para comemorar a imunização de idosos e pessoas dos grupos de risco. É também uma espécie de fiscalização, depois da divulgação de vídeos que mostram profissionais aplicando falsamente as doses.

Ao UOL, enfermeiros de dois postos de saúde da cidade de São Paulo narram maior desconfiança e hostilidade por parte da população. Os casos denunciados são apurados pelas secretarias municipais, responsáveis pela aplicação das doses, e pelos CREs (Conselhos Regionais de Enfermagem).

As pessoas estão mais de olho. Pedem para olhar a seringa, filmam, assistem ao vídeo no mesmo momento. Alguns só querem conferir se a dose foi aplicada corretamente, outros já são mais mal educados, falam alto mesmo antes de vacinar. A gente é sempre o mais profissional possível.
Enfermeira de UBS

Segundo esta enfermeira responsável pela vacinação em uma UBS (unidade básica de saúde) na zona oeste da capital, casos de hostilidade têm aumentado com a circulação de vídeos que mostram a aplicação incorreta em idosos.

Em alguns, profissionais fingem aplicar a dose, mas o imunizante segue na ampola. Em outros, o líquido é despejado após a agulha ter saído do braço do cidadão. Os casos estão sendo relatados em regiões diferentes, como Goiânia e Maceió, e sua circulação é estimulada até por parlamentares.

"As pessoas ficam desconfiadas e acham que você é vilão, mas está só ali fazendo o seu trabalho. Ninguém quer prejudicar a vida de ninguém", declarou uma técnica de enfermagem de outra UBS de São Paulo.

Segundo ela, neste mês, um homem se apresentou como advogado e disse que "processaria uma por uma" caso as doses na sua mãe não fossem aplicadas devidamente.

Na UBS Sé, no centro de São Paulo, o movimento está mais tranquilo e os funcionários disseram não ter notado diferença. "Nós recebemos os vídeos, a coordenação fala para tomarmos cuidado, mas não tivemos nenhuma ocorrência", afirmou uma profissional.

No ponto de vacinação da região do Vale do Anhangabaú, também no centro, foi diferente. Segundo uma auxiliar de enfermagem, um homem chegou a ameaçar uma colega aos gritos porque acreditou que a vacina em um familiar não havia sido aplicada corretamente.

"Ela mostrava a seringa, mas ele insistia que não tinha sido aplicado direito, que queria ver outra dose no momento. Teve que vir o segurança e a coordenadora para acalmá-lo", contou. Ao redor, diversas pessoas filmaram, segundo o profissional.

Em meio à pressão, uma auxiliar de enfermagem pede que os cidadãos tenham paciência e tomem suas precauções, mas confiem nos profissionais. "Não precisa ser grosso porque não vai ajudar. A gente só fica mais nervoso, somos humanos", afirmou a jovem, que disse avaliar que alguns casos podem ocorrer por descuido, e não má-fé.

"É fundamental ressaltar que casos suspeitos correspondem a uma ínfima fração das mais de 15 milhões de doses já aplicadas", declarou o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) ao UOL.

"A gente só quer falar que essas pessoas [retratadas no vídeo] não representam a categoria. Se fizeram de propósito, nós esperamos que elas sejam punidas, porque isso não está certo", completou a enfermeira da UBS da zona oeste.

Conselho Federal já registrou 33 denúncias

Até esta semana, o Cofen registrou 33 denúncias em todo o país, que estão sendo apuradas pelos conselhos regionais. Segundo o órgão, a penalidade "varia conforme o caso" e, se for comprovado má-fé, pode chegar à cassação do direito de exercício profissional.

"Para assegurar mais transparência e segurança, orientamos os profissionais a realizarem todas as etapas de imunização contra a covid-19 diante do paciente, desde a aspiração do imunizante ao descarte do material", declarou o órgão, que orienta a população a procurar o respectivo conselho regional em caso de prática duvidosa.

Nem sempre a denúncia procede. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) recebeu três denúncias, que foram apuradas e "não foram constatadas falhas de aplicação".

"A SMS tem reforçado constantemente para que os profissionais realizem a vacinação dentro das boas práticas de administração dos imunobiológicos. Também é recomendado solicitar aos pacientes e acompanhantes que visualizem todo o processo de vacinação", informou o órgão, ao UOL.