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Pressão política atrasa vacinação de idosos no Brasil, diz pesquisa da USP

Arquivo - Vacinação de idosos na UBS de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo - Lucas Borges Teixeira/UOL
Arquivo - Vacinação de idosos na UBS de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

17/04/2021 12h52

A pressão "política e corporativa" é a razão apontada por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para acusar a "preocupante" demora na vacinação de idosos no Brasil três meses após seu início no país.

De acordo com os dados do estudo a que o UOL teve acesso com exclusividade, nem os idosos com mais de 80 anos foram totalmente vacinados: 87% deles receberam a primeira dose e 66% ainda aguardam a segunda.

O Ministério da Saúde afirma que "não mede esforços para dar celeridade à imunização" e que o país "ocupa a posição do 5º país que mais vacina e o 9º no ranking global por 100 mil habitantes" (leia resposta completa abaixo).

Entre os idosos com idade entre 70 e 79 anos, a média brasileira é de 77% de imunizados com a primeira dose e de apenas 19% com a segunda. Já entre aqueles com idade de 60 a 69 anos os imunizados não passam de 29% —2% receberam a segunda dose.

Embora esta seja a média nacional, a situação é dramática em algumas unidades da federação. O Rio de Janeiro, por exemplo, aplicou a primeira dose em apenas 74% dos idosos com mais de 80 anos, "população menos numerosa e convocada prioritariamente", lembra o estudo.

 Após inicio da vacinação, casos e mortes de idosos diminui em Curitiba      - Foto: Lineu FIlho      - Foto: Lineu FIlho
Após inicio da vacinação, casos e mortes de idosos diminui em Curitiba
Imagem: Foto: Lineu FIlho
No Paraná e Sergipe, só 71% daqueles entre 70 e 79 anos foram vacinados e 18% dos idosos de 60 a 69 anos receberam uma vacina em São Paulo.

Os trabalhadores de Saúde (80% primeira dose, 45% a segunda) e povos indígenas vivendo em suas terras (69% primeira dose, 47% a segunda) também fazem parte dos grupos prioritários ainda não totalmente vacinados. Entre Quilombolas e comunidades tracionais esses índices caem para 14% e 1%, respectivamente.

A cobertura com duas doses é incipiente em todo o país, menor que 5%
Estudo da USP e UFRJ

Pressão política

De acordo com os pesquisadores, a vacinação no Brasil é lenta mesmo entre o grupo prioritário em razão de pressões sofridas pelo governo federal, que acaba por ceder a elas, afirma o estudo.

Eles citam que "os critérios de priorização adotados pela maioria dos países focam na diminuição da mortalidade" e, por isso, "têm sido priorizados os trabalhadores da saúde (...) idosos, pessoas com comorbidades e grupos em extrema vulnerabilidade".

No Brasil, o Ministério da Saúde incluiu mais de 77 milhões de pessoas nos grupos populacionais prioritários a serem vacinados. Este número vem aumentando constantemente por pressões políticas e corporativas, acrescentando demandas a uma oferta notoriamente escassa de vacinas
Pesquisada da USP E UFRJ

"Enquanto a entrega de doses vem sendo constantemente revisada para menos, a cada dia é definido um grupo prioritário a mais", afirmou ao UOL o pesquisador Mário Scheffer, professor de Medicina Preventiva da USP. "A fila vai engrossando. Há desde pressões políticas até pressão justa de categorias profissionais. Mas infelizmente ainda não há vacinas para atender tantas novas inclusões."

"Novos grupos vêm sendo convocados, sem que a população anterior tenha sido imunizada. Isso protege individualmente cada um que toma a vacina mas não garante a proteção coletiva nem mesmo dentro de cada grupo prioritário", acrescenta o professor.

Em nota, o Ministério da Saúde justifica "a dificuldade mundial na aquisição dos imunizantes" e diz que tenta antecipar a entrega de doses contratadas para o segundo semestre, mas não comentou a suposta pressão econômica e política. Disse apenas que, "com o avanço da vacinação, outros grupos prioritários são contemplados".

"A seleção dos grupos prioritários foi baseada em princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e discussões com especialistas", afirma.

Outro pesquisador, o professor Guilherme Loureiro Werneck, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, admite a escassez de vacinas no mundo, mas critica "a falta de ação precoce do governo federal na aquisição de doses já oferecidas ao Brasil", como as do consórcio Covax Facility, da OMS.

"E tem a falta de coordenação", diz. "O plano brasileiro de vacinação é superficial, um não plano que dificulta alcançar as coberturas vacinais."

Embora o TCU (Tribunal de Contas da União) tenha recomendado ao Ministério da Saúde que coordene as ações de vacinação no Brasil, a pasta afirmou que, "com a lógica tripartite do SUS, estados e municípios têm autonomia para executar a campanha de vacinação a partir da realidade local (...) levando em conta as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas."

Faltam metas de vacinação

O estudo critica ainda a ausência de metas de vacinação pelo Ministério da Saúde.

"As metas são fundamentais porque orientam e permitem reorientar as ações de vacinação", explicou ao UOL a professora Ligia Bahia, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ. "Saber que não atingimos as coberturas vacinais ainda em grupos prioritários como idosos e profissionais de saúde permite desencadear atividades de resgate como a busca ativa de não vacinamos e de quem não compareceu para a segunda dose."

O Ministério da Saúde irá orientar a estratégia de busca ativa por brasileiros que não tomaram a 2ª dose, a fim de que elas completem o esquema vacinal, garantindo a eficácia completa do imunizante
Ministério da Saúde, em nota