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RJ: Merendeira que 'atendia pessoas sem máscaras' morreu 9 dias após mãe

A merendeira Solange Pereiras e a mãe dela, Semiramis Oliveira, foram vítimas da covid-19 - Arquivo Pessoal
A merendeira Solange Pereiras e a mãe dela, Semiramis Oliveira, foram vítimas da covid-19 Imagem: Arquivo Pessoal

Carolina Farias

Colaboração para o UOL, no Rio

19/04/2021 04h00Atualizada em 20/04/2021 16h19

Com 23 anos de carreira como professora de Língua Portuguesa na rede estadual do Rio de Janeiro, Sandra Carvalho de Oliveira, 54, está com medo de voltar para a sala de aula. A pandemia do novo coronavírus matou mais de 40 mil pessoas no estado —entre elas, a mãe e a irmã de Sandra, a merendeira Solange Carvalho de Oliveira Pereiras, 58.

Sandra diz acreditar que a irmã foi contaminada onde trabalhava —a Escola Municipal Luiz Camillo, em Jacarepaguá, na zona oeste. Após Solange apresentar sintomas, ao menos sete pessoas da família testaram positivo para a covid-19. Apesar de supostamente ter contraído a doença depois de Solange, a mãe Semiramis de Carvalho Oliveira, 76, morreu nove dias antes da filha.

Solange tinha 20 anos de carreira na rede municipal. Seu cargo era de merendeira, mas foi adaptada para outras funções nos últimos seis anos por conta de uma hérnia na coluna. Na pandemia, trabalhou na escola na distribuição de cestas básicas, cartão alimentação e material didático, segundo relatou a irmã dela.

Solange reclamava que estavam indo à escola sem máscara e ela tinha que receber essas pessoas. Com poucos funcionários, o portão fica aberto. Aí entravam sem máscara

Sandra Carvalho de Oliveira, irmã de Solange

Solange reclamou para a diretoria da escola sobre a situação. "A direção falou que ali [a escola fica na comunidade Santa Maria] 'era assim mesmo'", conta Sandra.

Após a publicação da reportagem, a direção da Escola Municipal Luiz Camillo negou que ela estivesse atuando na entrega de cartões alimentação e refutou que pessoas sem máscara entrem na unidade.

Por meio de nota, a escola diz que Solange trabalhou até 11 de fevereiro e, seis dias depois, informou à direção que precisava se afastar por motivo de saúde. Segundo a direção, ela estava trabalhando na secretaria da escola duas vezes por semana e 4 horas por dia.

Solange Pereiras e a mãe Semiramis Oliveira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Solange Pereiras e a mãe Semiramis Oliveira
Imagem: Arquivo Pessoal

Sete contaminados

Foi Solange quem organizou um encontro da família durante o Carnaval no sítio de Sandra, em Guaratiba, zona oeste. Ela já sentia dores pelo corpo, sintomas da covid-19, mas achava que eram causadas pela coluna, segundo Sandra.

Das nove pessoas que foram ao encontro, sete pegaram covid e duas morreram —Solange e a mãe. Sandra disse acreditar que foi a merendeira quem contaminou a família.

A matriarca foi internada em 21 de fevereiro e morreu em 4 de março. Solange faleceu no dia 13. Foi Sandra quem teve que reconhecer os corpos, mesmo também infectada pela covid-19.

"Minha irmã foi a única no sítio com sintomas. É uma doença rápida. Todos tão felizes no feriado e, em duas semanas, tudo foi por água abaixo. É uma doença devastadora", desabafou.

Sindicato vai à Justiça contra governos

Levantamento feito pelo Sepe-RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro) mostra que 41 funcionários da rede municipal e 52 da estadual morreram de covid neste ano.

A entidade vê como causa dessas mortes falhas nas medidas de segurança e vai à Justiça contra os governos estadual e municipal. "Vamos fazer uma representação criminal no Ministério Público responsabilizando o prefeito Eduardo Paes [DEM] e o governador Claudio Castro [PSC] em relação a essas mortes", afirmou Izabel Costa, coordenadora-geral do Sepe.

Ela diz que o sindicato cobra, desde o ano passado, um cronograma de obras para as escolas cumprirem os protocolos contra a covid. Mas o pedido não foi atendido. Para o Sepe, casos de contaminações e de mortes nas duas redes de ensino crescem desde a volta das atividades presenciais.

Sandra, que leciona no Colégio Estadual Maria Terezinha de Carvalho Machado, na Praça Seca, zona oeste do Rio, teme ser infectada.

"Não tenho a menor condições de voltar. Minha escola tem 4.000 alunos. Não tem como fazer distanciamento. Pedi consulta com uma psicóloga para me manter trabalhando remotamente com uma licença", diz a professora.

Segundo a Seeduc (Secretaria de Estado da Educação), a retomada das aulas presenciais, no modelo híbrido, acontece hoje (19). As aulas na rede estadual foram retomadas parcialmente em março, mas com o agravamento da pandemia, foram suspensas dia 12.

Na rede municipal, as aulas voltaram desde 6 de abril em 419 unidades de ensino infantil, 1º e 2º ano do ensino fundamental —o percentual de alunos autorizado a retornar às salas de aula depende das condições epidemiológicas da região.

Outro lado

A SME (Secretaria Municipal de Educação) do Rio informou que foram disponibilizadas máscaras, álcool em gel, sabonete líquido, higienização dos espaços e espaçamento no piso e carteiras nas escolas.

Sobre a merendeira Solange Pereiras, a SME afirmou que a escola não recebeu reclamações dela ou de qualquer outro servidor sobre a obrigação de atender pessoas sem máscaras.

A Seeduc afirmou que as escolas estão adequadas aos protocolos desde outubro. Foram comprados luvas e equipamentos face shield para os profissionais, além de máscaras para servidores e alunos. Também foram disponibilizados álcool em gel, tapetes sanitizantes e sinalização para distanciamento.

Servidores do grupo de risco permanecem em atividades remotas, segundo o órgão.