Topo

Saúde contraria Pfizer e OMS sobre intervalo de aplicação da vacina

Início da vacinação contra a covid-19 no Hospital Codogno, em Roma, com o imunizante da Pfizer - Claudio Furlan/Dia Esportivo/Estadão Conteúdo
Início da vacinação contra a covid-19 no Hospital Codogno, em Roma, com o imunizante da Pfizer Imagem: Claudio Furlan/Dia Esportivo/Estadão Conteúdo

Lucas Borges Teixeira e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

03/05/2021 20h04Atualizada em 04/05/2021 09h14

O Ministério da Saúde orientou, em documento divulgado hoje, que as duas doses da vacina ComiRNAty, da Pfizer, sejam aplicadas com um intervalo de três meses entre as doses. A indicação, porém, contraria a janela indicada pela própria fabricante e pela OMS (Organização Mundial de Saúde), de 21 dias.

Segundo a farmacêutica, os governos locais têm autonomia para instituir suas próprias janelas entre as doses, mas a segurança e a eficácia da vacina "não foram avaliadas em esquemas de dosagem diferentes" do intervalo de 21 dias. É o que consta na bula aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Além do intervalo, o 15º Informe Técnico do ministério também relata que, do lote de 1 milhão de doses recebido na última quinta-feira (29), cerca de 499,6 mil foram distribuídas. Ou seja, metade do lote não foi repassado de imediato pelo ministério, como faz com a vacina Covishield, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), por exemplo, que também tem janela de três meses.

Em nota ao UOL, o ministério disse que "estudos da vacina Pfizer em Israel, EUA e Reino Unido apontam mais de 80% de efetividade após dose única". "O Reino Unido orientou, inclusive, que o intervalo entre a primeira e segunda dose seja de 12 semanas." O ministério, porém, não explicou por que não distribuiu todas as doses da ComiRNAty.

Segundo o documento, as doses são suficientes para a "vacinação de aproximadamente 454 mil pessoas, com o planejamento do MS [Ministério da Saúde] para cumprimento do esquema vacinal no intervalo definido de 12 semanas entre doses".

A indicação contraria a própria fabricante na bula aprovada pela Anvisa. "Para que o esquema vacinal fique completo, você deve receber duas doses da vacina ComiRNAty, com um intervalo maior ou igual a 21 dias (de preferência 3 semanas) entre a primeira e a segunda dose. Você pode não estar protegido até pelo menos 7 dias após a segunda dose da vacina", diz o texto.

Este intervalo é citado no documento do ministério ao falar sobre os estudos do imunizante. "Segurança e eficácia da vacina foram avaliadas em indivíduos maiores de 16 anos de idade, em um esquema de 2 doses com intervalo de 21 dias, sendo que ocorreram variações neste intervalo entre 19 a 42 dias", diz o texto.

A pasta, então, diz que, com base nos dados dos estudos, "o 'Joint Committee on Vaccination and Immunisation' (JCVI), entidade que assessora em imunizações do Reino Unido, orientou que o intervalo entre a primeira e a segunda dose desta vacina fosse ampliado para até 12 semanas".

"Essa recomendação considerou que a vacinação do maior número possível de pessoas com a primeira dose traria maiores benefícios do ponto de vista de saúde pública, considerando a necessidade de uma resposta rápida frente à pandemia de covid-19", diz.

O documento do ministério não faz referência a um estudo específico com intervalo de 90 dias, ou seja, de três meses. Mas diz que "o conjunto de dados aqui apresentados reforçam que a ampliação da oferta da primeira dose da vacina para a população poderá trazer ganhos significativos do ponto de vista de saúde pública, reduzindo tanto a ocorrência de casos e óbitos pela covid-19 nos indivíduos vacinados, mas também a transmissibilidade da doença na população".

Considerando ainda o cenário da covid-19 no país com elevada mortalidade e a necessidade de se ampliar a oferta da vacina na população brasileira, (...), a Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações opta por, neste momento, adotar o esquema de duas doses da vacina COVID-19 Pfizer/Wyeth com intervalo de 12 semanas
Trecho do 15º Informe Técnico do Ministério da Saúde

O ministério diz que a recomendação de um intervalo de 12 semanas "poderá ser revista caso necessário". "Ainda, em cenários de maior disponibilidade do imunobiológico [vacina], o intervalo recomendado em bula poderá ser utilizado."

Ministério tem autonomia, mas bula indica 21 dias

Ao UOL, a farmacêutica afirmou que "as indicações sobre regimes de dosagem ficam a critério das autoridades de saúde e podem incluir recomendações seguindo os princípios locais de saúde pública", mas reforçou que a bula registrada pela Anvisa "preconiza um intervalo entre doses, preferencialmente, de 21 dias" e que a segurança e eficácia da vacina "não foram avaliadas em esquemas de dosagem diferentes".

"Os dados do estudo de Fase 3 demonstraram que, embora a proteção parcial da vacina pareça começar 12 dias após a primeira aplicação, duas doses da vacina são necessárias para fornecer a proteção máxima contra a doença, uma eficácia da vacina de 95%", diz a nota.

A Anvisa também reforçou à reportagem que "o intervalo entre as doses estabelecido em bula é resultado do modelo de vacinação adotado nos estudos clínicos de suporte à vacina". Ou seja, "o intervalo recomendado em bula é aquele que foi utilizado nos estudos como padrão", declarou, ao destacar o trecho da bula que indica a janela de 21 dias.

Esta janela de 21 dias também é recomendada pelos órgãos internacionais. A OMS indica intervalo de 21 a 28 dias entre as duas doses enquanto a agência reguladora dos Estados Unidos (CDC) e o Ministério da Saúde de Israel, primeiros países a aplicar a vacina amplamente, mantiveram os 21 dias.

A distribuição do imunizante da Pfizer representa a chegada do terceiro imunizante ao PNI (Programa Nacional de Imunização), quase quatro meses após o seu início. Até, então, o Brasil contava apenas com doses da CoronaVac, do Instituto Butantan, com 42 milhões de doses, e da vacina Covishield, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), com 27,5 milhões.

Segundo o documento do ministério, as doses da Pfizer servirão para a "continuidade da vacinação das pessoas com comorbidades, gestantes, e puérperas e pessoas com deficiência permanente".