Médicos temem que população veja flexibilização em SP como "liberou geral"
Médicos temem que a flexibilização de restrições, anunciada pelo governo de São Paulo, possa ser entendida pelos paulistas como um "liberou geral".
"Sempre que existe uma flexibilização, a população entende como banalização das regras de prevenção", diz Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
"Uma pequena flexibilização ser igual a 'não liberou geral' não é o entendimento que as pessoas têm, do que a gente tem visto nesse um ano [de pandemia]", concorda Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Flexibilizar e pedir para as pessoas entenderem de outra forma acho que é muito ingênuo, sinceramente.
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp
Mais tempo
A gestão de João Doria (PSDB) manteve a fase de transição por mais duas semanas, até 23 de maio. Mas, a partir de hoje, restaurantes, salões de beleza, salões de beleza, igrejas, atividades culturais e comerciais, e academias podem funcionar até as 21h. Antes, era até as 20h. A capacidade permitida de atendimento também passou de 25% para 30%.
O governo diz que as quedas nos três principais indicadores —novos casos, internações e óbitos— permitiram que o estado fizesse essa flexibilização.
Segundo a Secretaria de Saúde, o estado registrou, nesta semana em relação à anterior:
- diminuições de 10,8% nos novos casos diários,
- de 0,4% em novas internações e
- de 13,5% em óbitos.
Essa flexibilização --que no papel é feita com uso de máscara e distanciamento social-- é entendida por parte da população como um sinal verde para que a vida volte ao normal.
Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp
Naime afirma que já presenciou um exemplo de como a flexibilização é entendida. "Eu voltei a ir à academia. Nesta semana, tinha uma moça sem máscara. Eu falei: 'ou vocês mandam ela colocar a máscara ou eu estou fora'."
Estabilização
Stucchi diz ver com preocupação a decisão da gestão Doria. Para ela, o ideal seria esperar "uma sedimentação dessa redução" por cerca de um mês. De acordo com a atualização de ontem feita pelo governo, a taxa de ocupação de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no estado era de 78,3%.
Na medicina, a gente fala que se entra em uma fase de manutenção. É como perder peso. Você consegue um tanto, e não é porque você entrou no seu peso que vai comer três pizzas. Senão, você vai voltar. A gente precisa de uma fase de manutenção para ver se realmente essa tendência de queda se mantém.
Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp
Stucchi e Naime são consultores da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). Ambos têm visto, nos hospitais em que atuam, que a situação ainda é grave. "Meu hospital está lotado já. A enfermaria lotada, com 21 pacientes. Faz tempo que não tinha isso", diz Naime, que atua no hospital da Unesp em Botucatu, no interior paulista. "Aqui, na minha região [Campinas], está há dois dias só sem ter espera de UTI. Isso é muito pouco. Ainda é muito grave", diz Stucchi.
"Estamos mesmo numa tendência de queda da média móvel de óbito. Mas, se a gente errar a mão agora, nós podemos ter uma terceira onda avassaladora", diz o infectologista da Unesp. De acordo com ele, as projeções mais pessimistas apontam que o Brasil poderá registrar mais de 4.500 mortes por dia em meados de junho.
Os médicos dizem entender que a população esteja cansada das restrições, mas reforçam que não é o momento de baixar a guarda. "O entendimento das pessoas com essa notícia, com a flexibilização, é de que 'ah, não, já está muito melhor, vamos reunir as 60 pessoas da família em um almoço, porque já está tudo certo, a mãe já está vacinada, e a gente vai'", comenta Stucchi.
Naime não vê problemas em afrouxar as restrições, mas ressalta a importância de que a população cumpra sua parte. "A gente já viu que, quando flexibiliza, e a população banaliza, não segue as regras de prevenção, dá problema."
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