Pandemia encarece ventilador mecânico, e paciente aluga por R$ 2.300
O paulista Paulo Cescon, 27, é escritor, roteirista e está em vias de publicar sua primeira revista em quadrinhos. Estudar para prestar vestibular para Cinema no final do ano, porém, ficou mais difícil há dois meses, quando Paulo precisou utilizar um aparelho para respirar por 18 horas seguidas.
Sem dinheiro para comprar o ventilador mecânico adequado —e que ficou mais caro na pandemia—, Paulo precisou da ajuda de familiares para alugar o equipamento por R$ 2.300 ao mês.
Paulo está acamado desde 2013, quando, aos 19 anos, não conseguiu mais se sentar. Morador do Butantã, zona oeste de São Paulo, o escritor é uma das raras pessoas que chegam à idade adulta portanto Ame (Atrofia Muscular Espinhal), uma doença rara causada pela ausência de um gene que produz uma proteína protetora dos neurônios motores. Sem o gene, esses neurônios morrem e os músculos do paciente atrofiam, inclusive os da respiração e deglutição.
O rapaz — que tem Ame tipo 2, a segunda mais severa — só conseguiu chegar aos 27 anos graças à revolução causada pela popularização dos aparelhos domésticos de auxílio respiratório e por uma portaria federal publicada em 2008.
Desde então, os governos estaduais são obrigados a fornecer um suporte ventilatório não invasivo aos portadores de doenças neuromusculares. O modelo oferecido pelo governo do estado de São Paulo —Bipap Syncrony III—, porém, já não fornece a oxigenação suficiente para o Paulo respirar.
Em 2018, sua irmã, a fisioterapeuta Renata Franchi Cescon, 35, pediu à Secretaria Estadual de Saúde o fornecimento do modelo Astral 100, que oferece 500 ml de ar a cada inspiração, contra 380 ml do modelo fornecido. O problema é o preço: custa de R$ 65 mil a R$ 80 mil, enquanto o Bipap não passa de R$ 12 mil.
"Antes da pandemia o Astral 100 custava R$ 40 mil. Então fizemos uma vaquinha virtual para comprar o aparelho, mas agora ele quase dobrou de preço", conta a irmã. "Também não tivemos retorno da secretaria até hoje."
Para quem quiser ajudar na vaquinha, o link é este.
Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou em nota que "a questão está sub judice, envolvendo as três esferas de Governo e o Departamento Regional de Saúde (DRS) da Grande São Paulo acompanha os desdobramentos por parte da Justiça. Solidária à situação do paciente, a Secretaria de Estado da Saúde está em contato com a família para verificar a possibilidade de auxiliar com um equipamento do tipo".
Depois de tanta espera, Paulo começou a se sentir cada vez mais cansado. Dois meses atrás, quando ele passou a ficar 18 horas por dia conectado ao aparelho, uma tia lhe ofereceu financeira ajuda para alugar o equipamento mais caro, que custa R$ 2.300 ao mês.
Ao mesmo tempo que é dificil vê-lo enfraquecendo, é incrível a maneira como ele leva tudo isso. Ele até faz piada com a situação
Renata Cescon, irmã de Paulo
Do diagnóstico ao vestibular
Paulo foi diagnosticado aos seis meses, quando um familiar perguntou porque ele não ficava em pé naquela idade. Embora ele já estivesse se equilibrando, naquele dia ele não conseguiu.
"Minha mãe o levou ao ortopedista, que o mandou para o Hospital das Clínicas, onde o problema neurológico foi encontrado", conta Renata, que se formou fisioterapeuta para ajudar o irmão.
Ao contrário das crianças com AME tipo 1, a mais grave, Paulo chegou a desenvolver a fala e a sentar-se, mas essas habilidades vêm se perdendo com o passar do tempo, e hoje só a família o compreende bem. A alimentação agora é por sonda. Como ele gosta do sabor do café, mas já não pode deglutir, sua mãe, a dona de casa Maria Aparecida Cescon, 53, molha a boca dele com o líquido e depois aspira.
É a dona Aparecida quem dá banho no Paulo, faz curativo e serve uma dieta especial de três em três horas bancada pelo governo do estado ao custo médio de R$ 722 ao mês. Ela também ajudou o filho com seu livro, "Contos da Minha vida - Difícil, mas feliz".
"Metade do livro ele ditou para minha mãe. A outra ele digitou no celular como pôde", conta a irmã.
Seja nos contos que escreve ou nas aventuras que cria para os super-heróis de seus quadrinhos, Paulo convida o leitor a celebrar a simplicidade da vida.
"Ele conta com bom humor os momentos em que conseguiu vencer os obstáculos da doença", diz Renata. "É na dedicação aos estudos, assistindo a filmes ou acompanhando a família nos passeios."
"Antes da pandemia a gente ia à praia, zoológico, parques. Adaptamos uma cadeira de rodas em que ele continua deitado para conseguir leva-lo", diz ela.
Remédio custa R$ 42 mil
Médica especializada em Ame, Adriana Banzato, do hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, diz que a sobrevivência de Paulo é um "milagre" proporcionado pelo desenvolvimento dos aparelhos domiciliares para auxílio respiratório. Popularizados na Europa e Estados Unidos na década de 1980, eles só chegaram ao Brasil em grande escala nos anos 2000.
"Até então, quem nascia com AME tipo 2 no Brasil não chegava à idade adulta", diz a médica. "Até hoje menos da metade dessa população passa dos 18 anos", diz a médica. "Mas aos nascidos hoje em dia com AME tipo 2, a expectativa de vida será igual ao da população em geral."
Apesar dos prognósticos, Paulo mantém a esperança. Além de um respirador novo, ele reuniu a documentação necessária para pedir na Justiça o Risdiplam, um remédio de uso oral para toda a vida que desde março pode ser importado pelo Brasil.
Segundo o Iname (Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal), cada frasco de 80 ml sai por R$ 42 mil. Paulo precisaria ingerir 6,5 ml todos os dias após o almoço, o equivalente a 29 fracos por ano, ou R$ 1,2 milhão. O medicamento, explica a médica, não devolveria os movimentos perdidos, mas interromperia a progressão da doença.
Com ou sem o remédio, Paulo está decidido a comprar um respirador novo e prestar vestibular no fim do ano para realizar mais um sonho, o de se formar em Cinema.
"Ele tem essa força que motiva todo mundo aqui em casa", diz a irmã. "A gente reclama de cada coisa boba que dá vergonha quando a gente se depara com o astral do meu irmão."
O Paulo é engraçado, muito bem-humorado. Quando ele reclama é porque já está cansado em depender das pessoas. Cansado de não conseguir respirar."
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