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Delta: Inconsistência de dados esconde números reais da pandemia no Brasil

Bruno Martins/Futura Press/Folhapress
Imagem: Bruno Martins/Futura Press/Folhapress

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

25/09/2021 04h00

Sem realizar testagem em massa, o Brasil lida desde o princípio da pandemia com a subnotificação dos casos de covid-19. Porém, nas últimas semanas, a oscilação nos números de diagnósticos pode estar aprofundando este problema. Em meio à disseminação da variante delta, muito mais contagiosa, dados sobre infectados são imprecisos e podem estar escondendo o real cenário neste momento.

Desde o ano passado, especialistas projetam que os números de casos no Brasil podem ser de seis a dez vezes maior que o notificado oficialmente. O maior problema é com a política de testagem do país, que orienta a aplicação de exames apenas em paciente sintomáticos e não realiza o rastreio dos contactantes de infectados.

Segundo o site Wordometers, o Brasil realiza em média 267 mil testes para cada 1 milhão de habitantes, ficando em 126º no ranking mundial de testagem.

Após as duas primeiras ondas que atingiram o país, uma em 2020 e a segunda no início deste ano, médicos e analistas de dados previam uma nova explosão de casos para o mês de setembro no Brasil, em grande parte por causa da circulação da variante delta, que é 70% mais transmissível que as linhagens anteriores.

Já em agosto, um levantamento do Info Tracker, sistema de monitoramento da pandemia das universidades paulistas USP e Unesp, mostrou que a delta já respondia pelo aumento dos casos no Rio de Janeiro e previa a explosão em São Paulo neste mês.

No entanto, justamente este mês, o país passou a sofrer oscilações na divulgação dos números de infectados pela doença. Desde o início de setembro, ao menos 15 secretarias de saúde relataram dificuldades para coletar os dados no sistema e-SUS do Ministério da Saúde, onde são inseridos os casos leves da covid-19.

Após uma mudança no funcionamento da plataforma nacional, diversos estados têm encontrado dados duplicados e "escondidos" ou simplesmente não conseguem acessar o sistema devido a instabilidades.

O estado de São Paulo passou dias divulgando dados muito baixos de casos e até de mortes. No dia 20 de setembro, o Ceará precisou retirar mais de 12 mil diagnósticos da conta, jogando os números nacionais para o patamar negativo naquele dia. Por outro lado, o Rio de Janeiro "encontrou" 92 mil casos que não apareciam no sistema antes das mudanças.

De acordo com Domingo Alves, pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS), da FMUSP-RP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto), essa confusão envolvendo os números da doença pode estar escondendo a verdadeira pandemia que ocorre no país.

"Com a entrada da variante delta, todas as previsões eram que para essa segunda quinzena de setembro nós víssemos uma exacerbação do número de casos, não necessariamente do número de mortos nem de internação, mas de casos", explica o professor.

"Até o momento, essa variante não tem aparecido com esse impacto das previsões. Isso tem chamado bastante atenção principalmente quando se observa o relato dessa bagunça de dados e essas entradas e saídas estranhas de dados."

Frente à disseminação da delta, essas inconsistências que estão aparecendo nos dados podem estar escondendo a verdadeira pandemia que está acontecendo no Brasil hoje."
Domingo Alves, pesquisador

O laboratório de Domingos Alves fez a mesma projeção que o Info Tracker, inclusive utilizando uma porcentagem de vacinados maior do que o Brasil tem até agora.

Mas, mesmo com essa imprecisão nos números, a previsão é que os casos sofram uma explosão ainda no fim deste mês ou início de outubro, expondo a subnotificação das últimas semanas.

Essa bagunça nos dados implica uma subnotificação grave. Mas, quando você olha os dados do Brasil, dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e outros, já é possível observar uma nova onda acontecendo de infecções."
Domingo Alves, pesquisador

Alta em todos os países por onde passou

Em julho deste ano, a OMS (Organização Mundial da Saúde) informava que a variante estava presente em 104 países, se tornando predominante no mundo. Em todos os locais por onde ela passou, houve explosão no número de casos.

Nos Estados Unidos, país mais infectado do mundo, a variante fez os diagnósticos aumentarem 70% de uma semana para outra, o que levou ao crescimento das internações entre pessoas não vacinadas no país.

Reino Unido, Israel e, principalmente, Índia, sofreram do mesmo fenômeno. Atualmente a Índia é o segundo país em casos no mundo e o terceiro em mortes, atrás apenas de EUA e Brasil.

No Brasil, a variante já aparece como predominante em vários estados e cidades, substituindo a anterior, chamada gamma. Na cidade de São Paulo, a linhagem já aparece em 95% dos casos analisados, segundo estudo do Instituto de Medicina Tropical da USP e do Instituto Adolfo Lutz.

No estado do Rio de Janeiro, a variante estava em 60% dos exames em agosto e agora já é possível ver um aumento dos casos no estado.

As previsões feitas tanto pelo Info Tracker quanto pelo Laboratório de Inteligência em Saúde foram feitas justamente observando o comportamento da variante nos outros países em comparação com as taxas de vacinação.

"Por que a delta teria um comportamento diferente do anotado em todos os países onde ela circulou?", questiona Domingos Alves.

Com a inconsistência dos dados nacionais, o estado que mais pode estar sofrendo com a pandemia oculta é o Rio de Janeiro, aponta o pesquisador, justamente onde as oscilações têm sido mais acentuadas

A disseminação da delta no Rio de Janeiro está bem avançada, a transmissão comunitária já foi notificada há vários meses atrás e ainda não aparece como um fator relevante na disseminação da pandemia, pelo menos nos números."
Domingo Alves, pesquisador