Associação de servidores da Anvisa repudia fala de Bolsonaro: 'Ameaça'
A Univisa (Associação dos Servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária) divulgou uma nota de repúdio hoje ao que classificou como "tentativas de intimidação ao corpo técnico" do órgão, após o presidente Jair Bolsonaro (PL) dizer que iria pedir os nomes dos responsáveis pela decisão de autorizar a vacina da Pfizer contra a covid-19 para crianças de cinco a 11 anos.
Ontem, em sua tradicional live, o chefe do Executivo federal voltou a criticar a exigência de vacinação e o passaporte sanitário, e disse que avaliaria com a primeira-dama Michelle se vai ou não imunizar a filha Laura, de 11 anos.
"Eu pedi extraoficialmente o nome das pessoas que aprovaram a vacina para 5 a 11 anos. Nós queremos divulgar o nome dessas pessoas", afirmou Bolsonaro. "A responsabilidade é de cada um. Mas agora mexe com as crianças, então quem é responsável por olhar as crianças é você, pai. Eu tenho uma filha de 11 anos de idade e vou estudar com a minha esposa bastante isso aqui."
Em nota divulgada em seu site, a Univisa repudiou ameaças contra o corpo técnico da Anvisa, "bem como a quaisquer tentativas de intervenção sobre o posicionamento da autoridade sanitária que não advenham do debate estritamente científico e democrático".
A intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da agência. Uma atitude que demonstra desprezo pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelas decisões técnicas da agência e pela vida dos seus servidores"
Trecho de nota divulgada pela Univisa
Em outubro, a possibilidade de incluir o público infantil na campanha de vacinação contra a covid-19 motivou ameaças de morte a cinco diretores da Anvisa. Eles receberam e-mails com intimidações em caso de aprovação da vacina para crianças — o que acabou acontecendo quase dois meses depois.
Um trecho da mensagem, obtida pelo site O Antagonista, diz: "Deixando bem claro para os responsáveis, de cima para baixo: quem ameaçar, quem atentar contra a segurança física do meu filho: será morto."
'Meu nome sai na resolução', diz gerente
Hoje, em entrevista ao UOL News, o gerente geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, disse não ver preocupação sobre a possível divulgação dos nomes dos responsáveis pela aprovação da vacina para crianças.
"Meu nome sai na resolução que aprova (o uso da vacina da Pfizer em crianças), já está publico isso, é de fácil acesso. Me sinto muito tranquilo, porque quando aceitei o desafio de ser gerente geral de Medicamentos sabia que esse tipo de decisão era parte do meu trabalho. Como tenho respaldo da equipe técnica, a segurança de que fizemos um trabalho que foi amplamente discutido, me sinto muito tranquilo sobre essa situação", disse Gustavo.
Aval da Anvisa
A decisão da Anvisa de liberar a vacina da Pfizer para o público infantil foi anunciada ontem pela manhã. Os técnicos da agência analisaram um estudo feito com 2.250 crianças, divididas em dois grupos. Dois terços tomaram vacina e um terço tomou placebo (substância que não tem efeito no organismo) em um esquema de duas doses, com intervalo de 21 dias.
A pesquisa comprovou que o imunizante é seguro e eficaz, com benefícios que superam os riscos.
O perfil de segurança da vacina [para crianças] quando comparado com placebo é muito positivo. Ao observar qualquer reação adversa, não tem diferença importante e não tem nenhum evento sério de preocupação por conta da vacinação comparado com placebo"
Gustavo Mendes, da Anvisa, ao justificar a autorização
O Ministério da Saúde, no entanto, ainda não decidiu se vai comprar vacinas para crianças. Questionado pelo UOL sobre quando pretende comprar as vacinas aprovadas ontem pela agência reguladora, o ministério respondeu em nota que ainda "analisará a decisão da Anvisa sobre o uso de vacinas da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos na Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19".
Além de Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu sinais de que não concorda com a decisão da agência.
Leia abaixo a íntegra do comunicado da Univisa:
Diante da aprovação do uso da vacina Comirnaty (Pfizer) para imunização contra Covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade, a Univisa vem a público para, mais uma vez, reconhecer o trabalho técnico e incansável realizado pelo corpo de servidores da agência. Ressalte-se a celeridade na tramitação e o rigor técnico da análise que, além dos especialistas em regulação e vigilância sanitária da Anvisa, contou com a participação especialistas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Recentemente, com os rumores de possível decisão nesse teor, diretores e servidores da Anvisa sofreram ameaças. Tendo como pano de fundo um discurso negacionista e anticientífico - antagônico à boa técnica e às boas práticas regulatórias - servidores públicos foram ameaçados pelo regular exercício do seu dever funcional. Algo extremamente incompatível com o regime democrático e que deveria inspirar a máxima atenção das autoridades competentes.
Nesse contexto, a intenção de se divulgar a identidade dos envolvidos na análise técnica não traz consigo qualquer interesse republicano. Antes, mostra-se como ameaça de retaliação que, não encontrando meios institucionais para fazê-lo, vale-se da incitação ao cidadão, método abertamente fascista e cujos resultados podem ser trágicos e violentos, colocando em risco a vida e a integridade física de servidores da Agência. Uma atitude que demonstra desprezo pelos princípios constitucionais da Administração Pública, pelas decisões técnicas da agência e pela vida dos seus servidores.
A Univisa repudia qualquer ameaça proferida contra o corpo técnico da Anvisa, bem como a quaisquer tentativas de intervenção sobre o posicionamento da autoridade sanitária que não advenham do debate estritamente científico e democrático. Além disso, a Associação se solidariza com aquelas e aqueles que, extenuados pela carga de trabalho imposta pela pandemia, veem-se ainda perturbados e constrangidos por ameaças. Fato que se torna mais grave quando parte das autoridades que possuem o dever de zelar pela paz, pela saúde pública e pelo cumprimento das decisões da Administração.
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