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Festas lotadas pelo país ignoram surtos e ampliam risco de gripe e covid

Evento privado em Cabedelo (Grande João Pessoa), no sábado, reuniu milhares de pessoas - Reprodução
Evento privado em Cabedelo (Grande João Pessoa), no sábado, reuniu milhares de pessoas Imagem: Reprodução

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

10/01/2022 16h37Atualizada em 17/02/2022 11h50

Festa lotadas, pessoas sem máscara e muitas aglomerações marcaram o fim de semana em todo o país, mesmo diante da circulação da variante ômicron e dos surtos de influenza que têm lotado unidades de saúde brasileiras no início deste ano.

Em redes sociais, artistas, organizadores e participantes de festas postaram imagens de locais lotados em várias cidades. As aglomerações, ainda mais sem máscaras, são desaconselhadas e, segundo especialistas, podem gerar uma onda de novos doentes e um eventual colapso no sistema de saúde.

Os municípios onde as festas foram realizadas não têm atualmente restrições para tais atividades, que ocorreram de forma legal. Alguns estados que já perceberam a alta proibiram eventos com grandes públicos, como foi o caso do Ceará e do Amazonas. Outros afirmam que estudam medidas, mas na maioria não há nenhum tipo de limitação hoje.

Em Cabedelo (na Grande João Pessoa), um grande evento privado reuniu artistas nacionais no último sábado, como Bell Marques, Belo e Wesley Safadão, e levou milhares de pessoas a se aglomerarem. O festival teve entrada permitida apenas para vacinados.

A realização do evento revoltou o secretário de Saúde da vizinha João Pessoa, o médico Luís Ferreira Filho, que chamou a festa de "irresponsabilidade" em um momento de "unidade de saúde lotadas."

Vivenciamos a insensatez personificada nas festas e aglomerações do Fest Verão. Pessoas sem máscara, aglomeradas, gripadas. Sinto que não estou conseguindo expressar a irresponsabilidade que essas atitudes representam. As consequências experimentaremos em breve. Deus no ajude"
Luís Ferreira de Sousa Filho, secretario de Saúde de João Pessoa

O UOL procurou a Prefeitura de Cabedelo e aguarda posicionamento sobre a continuidade do evento —marcado também para os próximos dois fins de semana. A reportagem não conseguiu contato com a assessoria de imprensa do evento.

Praias famosas do Nordeste como Pipa (RN) e Tamandaré (PE) também tiveram eventos lotados neste fim de semana.

Em Angra dos Reis, a prefeitura realizou, na Praia do Anil, a festa de 520 anos da cidade com shows durante o fim de semana, que lotaram o local. " Na quinta-feira (13) tem Dilsinho e na sexta-feira (14) Jota Quest", anuncia Instagram oficial órgão.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura para saber os protocolos sanitários e confirmar se os shows vão mesmo seguir ocorrendo, mas não obteve resposta ainda.


Em Caldas Novas (GO), o evento Verão Sertanejo também foi realizado com shows e lotação. Já em São Mateus (ES), o Festival de Verão Guriri também teve espetáculos musicais com aglomeração. O UOL não conseguiu contato com a produção do evento até a publicação desta reportagem.

No Sul, shows em Xangri-lá (RS) e Florianópolis também reuniram público aglomerado e sem máscara.

Já em Tupi Paulista (SP) foi a realização de um rodeio com apresentações musicais que atraiu milhares de pessoas, que se aglomeraram no evento. O UOL procurou a prefeitura, que não se manifestou.

"Despropositados"

Para Flávio Fonseca, presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), o cenário epidemiológico brasileiro mudou com os surtos de gripe e, principalmente, pela entrada em circulação da variante ômicron.

"Com a chegada de uma nova variante surge um fato novo que altera completamente a condição epidemiológica. E a gente está lidando com uma uma variante que é a mais infecciosa dentre todas conhecidas até agora, que mais se alastra e se alastra rapidamente", afirma.

Nessa condição -- em que você tem uma variante que escapa parcialmente dos anticorpos gerados por uma vacina --, esse tipo de aglomeração é totalmente despropositado e vai na contramão do controle da pandemia, na contramão da condição epidemiológica que se apresenta no momento"
Flávio Fonseca, SBV

A infectologista e professora de doenças tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Vera Magalhães, ressalta que mesmo as festas que exigem passaporte vacinal não há como ter segurança diante do cenário atual.

"O que a gente aprendeu em relação à vacinação contra a covid é que ela é uma medida essencial, mas não é suficiente para deter a transmissão viral. O que a gente está observando em relação ao ômicron é um grande número de pessoas reinfectadas, tanto vacinadas, como com infecção natural", diz.

Não tem nenhum sentido promover essas festas e milhares de pessoas se aglomerando agora agora que a ômicron está em uma transmissão exponencial no Brasil, juntamente com a H3N2. Expor a população a riscos em nome de uma manutenção da economia infelizmente, até agora, não surtiu efeito positivo. O que a gente viu foram mais de 600 mil mortes no Brasil e a economia não foi recuperada em nenhum sentido"
Vera Magalhães, infectologista

Ela admite que está "muito preocupada" com a situação do país nos próximos dias e teme um agravamento do quadro e nova superlotação de unidade de saúde.

"Eu percebo que as pessoas estão achando que a covid é uma doença simples, que vai ter um quadro leve. Mas a gente tem visto a covid longa e as sequelas que ela pode deixar mesmo em pessoas vacinadas. A gente está preocupada porque tem gente sem mensurar o que está ocorrendo nesse momento. Estou preocupada", afirmou.