Topo

Onda de gripe e covid pega SUS 'reduzido' e superlota urgências pelo país

Em Várzea Grande (MT), lotação de UPAs e unidades ocorre com pacientes até de outros países - Prefeitura de Várzea Grande
Em Várzea Grande (MT), lotação de UPAs e unidades ocorre com pacientes até de outros países Imagem: Prefeitura de Várzea Grande

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

08/01/2022 04h00Atualizada em 17/02/2022 11h49

Hospitais e UPAs (unidades de pronto atendimento) de todo país estão enfrentando superlotação e atendendo acima da capacidade máxima para dar conta de assistir os pacientes com síndromes gripais que buscam as unidades.

Em meio ao apagão de dados de internações no país, a alta de casos pegou o SUS (Sistema Único de Saúde) desprevenido após a desabilitação de leitos e de unidades de atendimento por causa da redução dos casos de covid após a vacinação. Agora, em muitos municípios, leitos e locais de atendimento estão sendo abertos novamente para dar conta da demanda.

O UOL pesquisou e viu que em todos os estados há relatos de aumento no número de pacientes. "Estamos tendo muitos idosos internados por gripe, com pneumonia e complicando. Aqui está tudo cheio, cheio mesmo", conta a infectologista Loures Borzacov, que atua em Porto Velho (RO).

Segundo profissionais ouvidos pela reportagem, o cenário gerado pelo surto da Influenza H3N2 (tipo que não está incluído na vacina contra a gripe) e a circulação da variante ômicron está causando uma demanda similar à dos picos de covid, com a diferença de serem casos mais leves.

"Estamos com os seguintes problemas: aumento da procura por atendimento, aumento do número de hospitalizações e perda da força de trabalho em função de doenças respiratórias", sintetiza o médico e professor de pneumologia da UnB (Universidade de Brasília) Ricardo Martins.

E dentro de um quadro em que muito mais pessoas são contaminadas, o esperado é que se tenha uma incidência considerável de casos graves"

Atendimento em uma das tendas montadas pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio para atender pacientes com sintomas de gripe - Jorge Hely/Enquadrar/Estadão Conteúdo - Jorge Hely/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Atendimento em uma das tendas montadas pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio para atender pacientes com sintomas de gripe
Imagem: Jorge Hely/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Nordeste com problemas

Em Pernambuco, onde 8 pessoas já morreram de influenza nos primeiros dias deste ano, o estado abriu 378 leitos para casos de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) em apenas 15 dias, sendo 150 de UTI —e que já estão praticamente ocupados.

"Nós tivemos uma aceleração que, em 15 dias, dobrou o registro de casos de SRAG e triplicou as solicitações de leitos. A situação provocada pela influenza na última semana já é pior que a primeira onda da covid-19 em 2020", afirma o secretário.

Na quinta-feira, cerca de 400 pacientes com indicação de UTI aguardavam uma transferência para vaga. "Creio que o número de atendimentos seja até maior [que no pico da covid]. A questão é que temos um número menor de pacientes graves. Por isso a sobrecarga no plantão é ligeiramente menor", afirma a médica Gabrielle Souza, que atua em uma policlínica municipal do Recife.

No Ceará, a alta levou o estado não só a ampliar leitos como voltar a reduzir a capacidade de eventos públicos —que agora não podem exceder 250 pessoas em locais fechados e 500 em lugares abertos.

Já em Salvador, a prefeitura abriu 30 novos leitos no fim do ano, e a ocupação deles ultrapassou 60% e é a maior desde julho (alcançou 62% no dia 4). Na Bahia já foram 1.400 casos, 35 óbitos por Influenza. Já para a covid-19 a prefeitura ampliou de 48 para 50 postos de saúde com oferta de testes.

Em Teresina, a semana encerrada no sábado passado teve um aumento de 76% nos atendimentos de casos de síndromes gripais. A demanda por testes RT-PCR para covid-19 subiu 56%.

Em Alagoas, o governo do estado anunciou que as UPAs de Maceió estão superlotadas e decidiu criar quatro centros de atendimentos exclusivos para síndromes gripais anexadas às unidades.

Em São Luís (MA), desde quarta-feira (5) mais dois Centros de Atendimento às Síndromes Gripais Leves entraram em funcionamento. Em Aracaju (SE), desde o dia 1º de dezembro, cerca de 12% dos atendimentos diagnosticados como sintomas gripais ou de doenças virais e respiratórias foram de pessoas não residentes na capital.

"Esse índice pode parecer pequeno, mas, na prática, quando estamos atendendo cerca de 900 pacientes com síndromes gripais diariamente, representa o aumento do tempo de espera e a superlotação das unidades", detalha a secretária da Saúde de Aracaju, Waneska Barboza.

Em Natal (RN), foi aberto o Centro de Enfrentamento às Síndromes Gripais da Prefeitura do Natal foi aberto no último dia 29 —e só no primeiro dia atendeu 439 pessoas.

Natal abriu local para atendimento de pacientes com sintomas gripais - Secretaria Municipal de Saúde - Secretaria Municipal de Saúde
Natal abriu local para atendimento de pacientes com sintomas gripais
Imagem: Secretaria Municipal de Saúde

Hospitais e UPAs cheias pelo país

Em São Paulo, o estado teve um aumento de 30% em novas internações por covid-19 nos hospitais públicos e privados na última semana —subiu de 425 para 552. A alta foi impulsionada pela variante ômicron.

A situação é grave em todo o estado. Caraguatatuba, por exemplo, bateu recorde no número de atendimentos das três UPAs: 2.279 pessoas na última terça-feira (3). Nos quatro primeiros dias de 2022, as UPAs realizaram uma média de 2.066 atendimentos ao dia —três vezes maior do que há um mês. "Mais da metade representa atendimento a pacientes com síndrome gripal", diz a prefeitura.

No Rio, a Secretaria Municipal de Saúde aponta que a capital já registrou, nos seis primeiros dias do ano, 34% a mais de casos de covid-19 do que em todo o mês de dezembro (quando foram 5.407 confirmações da doença). Para janeiro, esse número já chegou a 7.265 notificações em apenas seis dias.

Na quarta-feira, a Prefeitura de Belo Horizonte abriu leitos de enfermaria covid-19 no SUS, totalizando agora 240. Mesmo assim, a taxa de ocupação deles já está em 78,4%. Durante a semana, a taxa de ocupação chegou a 100% para as enfermarias.

No Paraná, o estado registra uma alta de 581% na média móvel de covid-19. No dia 4, essa média chegou a 1.057, quase sete vezes mais que em comparação a 14 dias antes.

Por causa da alta, a Prefeitura de Curitiba reestruturou temporariamente seus serviços, e 12 unidades de saúde foram convertidas em pontos de atendimento de casos suspeitos e com sintomas leves de gripe e covid-19.

Em Macapá (AP), o município anunciou uma explosão de casos de covid-19 — de 2.027 em novembro de 2021 para 14.157 em dezembro, alta de 598%.

No Amazonas, a média diária de casos de covid-19 passou de 100 para 275 por dia entre quarta-feira para ontem, e o governo decidiu suspende grandes eventos e restringir o número de pessoas ao máximo de 200 em cada um deles.

Goiânia anunciou esta semana ampliação de testes com a criação de dois novos pontos para atender 2.000 pessoas com exames de antígeno ao dia.

Em Várzea Grande (MT), foram 26.657 pessoas atendidas em 14 dias com sintomas de SRAG. "Estes números demonstram um considerável aumento nos casos, e, como Várzea Grande atende pelo SUS, entre 52% a 59% dos atendimentos realizados são de pacientes de outras cidades, outros estados e até mesmo de países vizinhos com quem o Brasil faz fronteira", diz a prefeitura.

Alta de casos, queda de leitos

O professor e pesquisador de saúde pública da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Alcides Miranda afirma que a capacidade de atendimento da rede hospitalar do SUS foi ampliada entre 2020 e 2021 para dar conta das duas ondas de covid, quando houve abertura de unidades e leitos de UTI. "Mas parte desses equipamentos foi desativada nos últimos meses", diz.

O ponto positivo dessa nova leva de pacientes é que eles são menos graves, já que temos a maioria da população vacinada contra covid-19, e a gripe tem uma taxa de letalidade muito menor.

Hospital de Campanha com leitos de UTI em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul - Gustavo Mansur/ Palácio Piratini - Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Hospital de Campanha com leitos de UTI em Porto Alegre
Imagem: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Ele alerta que a transmissibilidade aumentada da ômicron pode gerar sobrecargas e, eventualmente, colapso com impactos de maior dificuldade para a assistência dos casos de complicações pela covid e também por outras causas.

"Todos esses fatores podem agravar a crise de desassistência. Lamentavelmente nos faltam informações imprescindíveis para a análise prospectiva e georreferenciada de curto prazo, que possibilitaria a antecipação e localização de eventos de sobrecargas ou colapsamentos e, a partir daí, a preparação das necessárias medidas de contingenciamento e suporte."