Médicos questionam 'ômicron leve' e relatam quadros graves da covid
A terceira onda de covid-19, causada pela variante ômicron, está novamente enchendo hospitais de pacientes por todo o país. Apesar de ser apontada como uma variante mais leve que as demais, médicos ouvidos nas cinco regiões brasileiras pelo UOL afirmam que, assim como as demais cepas, a ômicron desenvolve quadros graves e mata pacientes, especialmente os não vacinados.
"Os casos graves têm tido o mesmo comportamento das outras cepas. A mudança é mais no tocante à tendência de ser menos grave, mas tem potencial para agravar-se", afirma o pneumologista do Hospital Universitário de Brasília Ricardo Martins.
O que se vê é que os internados com a doença são quase sempre os não vacinados ou parcialmente vacinados. Tem morrido pessoas com a nova cepa, ela não é inócua".
Ricardo Martins, pneumologista
Poder de disseminação
A variante ômicron tem causado uma onda sem precedentes de casos de covid-19 em todo o mundo, que registrou somente na quinta-feira (20) 3,7 milhões de casos em apenas 24 horas.
No Brasil, ela também está em franca ascensão. O país bateu a marca de 200 mil casos conhecidos na última quarta-feira (19). Com mais casos, o número de pessoas internadas e de mortes pela covid-19 também cresce de forma rápida —embora em patamares bem abaixo das ondas anteriores.
Ouvidos pela reportagem, os médicos afirmam que se tornou realmente mais raro, mas a doença segue causando problemas sérios. "Se a gente avaliar só a população de não vacinados, a ômicron tem uma gravidade um pouco menor do que a delta, mas semelhante a outras variantes", afirma Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo) e autor do blog Linha de Frente, na Folha.
A maior defesa do brasileiro, diz Salvador, é que o país tem quase 70% da população com o ciclo vacinal completo contra covid-19, segundo o consórcio de veículos de imprensa, do qual o UOL faz parte.
Segundo o infectologista, o perfil dos pacientes infectados segue o comportamento visto pelo país: "a maioria [internada] não está vacinada ou está sem a dose de reforço; e a maior parte são pessoas idosas com comorbidades e que não têm a dose de reforço".
Ele afirma ainda que, nas pessoas que têm as formas mais graves, a covid-19 continua sendo uma doença de sinais clínicos devastadores.
"Elas fazem aquelas alterações pulmonares que a gente viu nas outras variantes nas ondas anteriores. Têm pessoas afirmando que a ômicron não pega pulmão, mas isso é uma bobagem. Verdade que a maior parte das pessoas tem sintomas de vias aéreas superiores, mas as pessoas que têm formas graves têm manifestação pulmonar extensa", diz.
Mesmo nessas pessoas que estão completamente vacinadas há chance de ter doença grave porque a doença está aí amplamente espalhada na população. Parece que a sociedade brasileira se acostumou com a morte. Quando as pessoas falam que não é grave, que só pega nas pessoas e crianças que têm comorbidades, pessoas idosas, parece que a vida delas importa menos".
Gerson Salvador, infectologista
Sempre há risco de um quadro se agravar, diz médica
Larissa Macedo, médica intensivista e coordenadora de duas UTIs na cidade de Porto Velho, afirma que "a chance de evoluir para doença grave é menor, especialmente se estiver vacinado com pelo menos duas doses".
Mas ela alerta que, assim como antes, o vírus segue imprevisível, e o quadro de qualquer paciente pode se agravar.
Não é uma questão matemática [de risco]. Sempre a covid pode evoluir para casos graves; mas estamos vendo, na prática, com o grande número de casos, que a proporção de agravamentos é menor. Quando a doença agrava, ela é a mesma"
Larissa Macedo, intensivista
Opinião parecida tem a infectologista e plantonista Silvia Leopoldina, que atua em Manaus. "Sim, os casos são de leves a moderados; mas são muitos", diz.
Muitos casos ao mesmo tempo
O emergencista Gabriel Miranda, que está na linha de frente em Porto Alegre, relata que tem percebido um aumento de casos que chegam aos hospitais. "Nas últimas semanas aqui tem aumentado bastante, mas no geral são casos mais leves, comparando a antes", diz. "Agora dizer o quanto é pela vacina, o quanto que é da ômicron, é difícil. Certamente eu acho que deve talvez ter um componente dos dois".
Para ele, a sensação de todos os profissionais hoje é que a vacina confere uma grande proteção e está sendo responsável pela prevalência de casos leves. "A vacinação, com certeza, é [o principal motivo], porque vemos nos pacientes mais graves uma diferença gritante entre vacinados e não vacinados", diz, reforçando que os quadros graves apresentam os mesmos sintomas das demais ondas de covid-19.
Os mais graves geralmente acabam [internados] por falta de ar, insuficiência respiratória. Então não dá pra notar uma grande diferença nos sintomas mais gerais e outras variantes]".
Gabriel Miranda, emergencista
Por causa do aumento da circulação do vírus e do grande número de imunizados, ele conta que uma coisa que se tornou comum são pessoas chegarem em busca de atendimento por outros problema de saúde, e descobrirem no hospital que têm covid-19 .
"Isso tem acontecido com mais frequência, antes era menos comum. São pacientes internados por outros problemas de saúde, mas também estão com covid leve e com sintomas mais atípicos. Fazemos o teste com todos os pacientes que precisamos internar", explica.
O médico infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, Bruno Ishigami diz que —diante do que vê no dia a dia— não gosta de ver a ômicron tratada como variante mais leve.
"A gente precisa levar algumas coisas em consideração", pondera, citando que o adoecimento de grande número de pessoas ao mesmo tempo pode sobrecarregar os sistemas de saúde e, por tabela, reduzir a capacidade de atendimento das unidades de saúde.
"Vamos supor que a delta provoque a hospitalização em 15% dos casos e a ômicron, em 5%. Como a ômicron é mais transmissível, quando a gente vai para valores absolutos de pessoas hospitalizadas, não tem nada de leve", diz.
O que estamos percebendo é que, nas emergências, os pacientes estão chegando em menor gravidade, mas atribuiria a quantidade de quadros mais leves principalmente à vacina; e só secundariamente à característica da ômicron".
Bruno Ishigami, infectologista
O infectologista Fernando Maia, que atua em Maceió, completa: "a gente também está vendo isso aqui: um número de casos total muito alto, mas um número de formas graves muito baixo".
"Os vacinados adoecem muito menos, e os casos graves pela ômicron --que são raros-- são quase exclusivos de quem não se vacinou"
Fernando Maia, infectologista
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